28 março, 2017

"Attack of the Killer Tomatoes" e a Rússia na Síria





“ATTACK OF THE KILLER TOMATOES” 
E A RÚSSIA NA SÍRIA


Ainda adolescente, fui a um clube de vídeo requisitar um filme e resolvi levar um ao qual tinha sido atribuída a distinção (???) do pior filme de sempre: “Attack of the Killer Tomatoes”.

Há poucos dias, passei por uma experiência similar de autoflagelação quando li um artigo desastroso (“Disengagement from the Syrian Civil War Won’t Come Cheap for Russia” em https://www.geopoliticalmonitor.com/disengagement-from-the-syrian-civil-war-wont-come-cheap-for-russia/ ) num site canadiano dedicado à Geopolítica (“Geopolitical Monitor”).

O objectivo do artigo é minimizar/ridicularizar a intervenção da Rússia na Síria. O principal argumento é que a intervenção é financeiramente insustentável para Moscovo. Para tal, o autor baseia-se nos custos das intervenções dos Estados Unidos no Afeganistão (US$ 744 bn) e no Iraque (US$ 821 bn). Tal vem acompanhado de gráficos que sustentam a argumentação. Infelizmente, também ajuda a destruí-la. Senão, vejamos:

1- Os EUA estiveram envolvidos em dois conflitos: A Rússia está apenas na Síria.
2- Os EUA estão há 15 anos no Afeganistão: Os EUA estiveram 8 anos no Iraque e já para lá voltaram. A Rússia está há 18 meses na Síria.
3- Os EUA tiveram mais de 100.000 tropas em CADA UM dos teatros no auge dos conflitos. A Rússia tem 4.000 soldados na Síria.

Como se tal não bastasse, o autor sublinha os custos que os EUA suportaram “to establish a functional democratic government”. Precisamente. A Rússia não precisa de estabelecer um governo porque apoia o que já existe e governo democrático não consta dos seus requisitos.

Contudo, o autor prefere inferir que, tendo por base os gastos dos EUA no primeiro ano das Guerras do Afeganistão (US$ 23 bn) e do Iraque (US$ 51 bn) e comparando com o custo dos primeiros 6 meses da Rússia na Síria (menos de US$ 0.5 bn), esta terá de despender um montante exponencialmente superior. Não lhe passa pela cabeça que a dimensão, tipologia, objectivo e estilo das intervenções são muito diferentes e economicamente incomparáveis.

Imparável, continua dizendo que, ao contrário dos EUA no Afeganistão e no Iraque, a Rússia está praticamente isolada na Síria, “reduzida” ao apoio do Irão que, por sinal, tem sido o mais activo e eficaz interveniente externo regional na Guerra da Síria. Ao Irão somam-se actores estaduais e sub-estaduais provenientes do Líbano, Iraque, Afeganistão e do antigo espaço soviético. Acrescenta que Russia would also have to deal with tremendous pushback from surrounding GCC countries, as well as Turkey and Israel see Assad as a threat to their geopolitical interests in the region”. Ora, a influência dos Estados do Golfo no teatro de guerra actual é muito limitada, a Turquia não quer, nem pode hostilizar a Rússia novamente e não há nenhuma indicação de que Israel apoie activamente a queda do regime de Al Assad. Aliás, Israel tem tido muito empenho em coordenar acções militares e políticas com a Rússia, num reconhecimento da relevância que esta tem actualmente na Síria, facto bem demonstrados pelas 4 visitas que o Primeiro-Ministro Netanyahu fez a Moscovo nos últimos tempos.

De absurdo em absurdo, refere que a Arábia Saudita trabalhará para conter o preço do petróleo a um nível não superior a US$ 50 Dólares por barril, quando os Sauditas têm trabalhado arduamente, também em articulação com a Rússia, para reduzir o output e fazer subir o preço do crude.

No derradeiro parágrafo, vem o ataque final deste Killer Tomato do século XXI:Regional powers involved in Syria do not take Russia’s interference seriously”. Por isso é que as últimas negociações sobre a Guerra da Síria decorreram em Astana, Cazaquistão, sob os auspícios da Rússia e coma participação da Turquia e do Irão.

Attack of the Killer Tomatoes” e “Disengagement from the Syrian Civil War Won’t Come Cheap for Russia” têm em comum serem muito maus e, por isso, tornam-se simultaneamente ridículos, risíveis e lamentáveis.

2 comentários:

António Hess disse...

Excelente análise, como sempre. A visão e política norte americana (englobando o Canadá) é essa: "o que fazemos está correto, o que os outros fazem, errado". Falamos de um país que, em toda a sua história, só não esteve em guerra durante 21 anos e que continuará a controlar o "mundo livre" com o à-vontade conhecido. Hoje é a Síria, ontem foram a Líbia e o Iraque, e amanhã? No Médio Oriente, é excluir Arábia Saudita e Israel, porque de resto ninguém está a salvo.

Mais uma vez, parabéns pelas abordagens a estes temas.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Muito obrigado pelo cumprimento.

P.S. Amanhã, provavelmente será o Iémen.