30 janeiro, 2017

Embora Doa



“EMBORA DOA” *

 
Filipinos abatidos no primeiro dia da Guerra Filipino-Americana (1899-1902).



Todos somos confrontados frequentemente, se não diariamente, com notícias desagradáveis, más, péssimas, ou mesmo horríveis e vemos na TV coisas que preferíamos não ver (ou sequer saber). Ao ponto de desviarmos o olhar, silenciamos o televisor, ou mudamos de canal.

            Embora doa,
Nada fiz para mudar.
            Embora doa,
Nada vai mudar.

A verdade é que, olhando ou não, sentindo mais, menos, ou nada, há muito pouco (ou nada) que se possa fazer para mudar na grande maioria dos casos. E o que pode, eventualmente, ser feito, acarreta custos que não queremos tolerar.

            Ao som de armas adormeço
Embora doa,
Não me faz perder o sono.



Compartimentalizar faz parte do manual de sobrevivência. Se impusermos a nós próprios a cruz das desgraças de cada telejornal, talvez percamos bem mais do que o sono, mas nada se resolveria. É preciso desenvolver imunidades sem perder humanidade.

            Escorre sangue pelo ouro,
Em directo na TV
            Explode a carne
Em mãos de quem nada fez

Embora doa,
Não me sujo desse sangue.
Embora doa,
Há sempre outro canal.

A responsabilização colectiva por cataclismos que nos ultrapassam na causalidade, na motivação e na execução é um absurdo que decorre de uma visão distorcida da responsabilidade, ou de algum interesse individual ou de grupo. A discordância, a preocupação, a revolta, o horror perante o que vemos não nos faz passar de testemunhas distantes a responsáveis pelos factos.

E ainda bem que há sempre outro canal: todos temos o direito de evitar o lixo televisivo e o horror também. Evitar é diferente de ignorar. Auto-defesa ≠ indiferença.

Embora doa, a vida continua e nós também. Se Deus quiser.


* Este post foi inspirado pela música “Embora Doa” dos Klepht e inclui o vídeo clip da mesma.

Sem comentários: