20 fevereiro, 2016

Tiro Turco Pela Culatra



TIRO TURCO PELA CULATRA


 
Neste mapa, além da concentração do esforço bélico da Rússia no Noroeste, especialmente em Alepo, e no Leste contra o Estado Islâmico em Deir ez-Zour, pode ver-se, a roxo, o território controlado pelos Curdos e a rosa a área controlada pelo Governo.

Como é sabido, a Força Aérea Turca abateu um avião russo de ataque ao solo (Su-24) no final de Novembro, naquilo que terá sido uma tentativa de demonstração de força da Turquia face à intervenção da Rússia na Guerra da Síria.

Volvidos menos de 3 meses, constata-se que o tiro saiu pela culatra aos Turcos, pois a Turquia encontra-se numa posição extremamente enfraquecida no teatro de guerra sírio. Senão, vejamos:

1- A Turquia há muito que almeja estabelecer uma safe zone em território sírio ao longo da sua fronteira. Com o pretexto de proteger refugiados e rebeldes, a Turquia asseguraria o controlo de uma parcela de território da Síria e posicionar-se-ia melhor para influenciar os acontecimentos na Síria do pós-guerra e prosseguir a sua agenda.

2- Após o derrube do Su-24, a Rússia reforçou o seu dispositivo militar na Síria, nomeadamente com o envio de mais aviões de superioridade aérea Su-35, equipando os caças-bombardeiros Su-34 com mísseis ar-ar e instalando quatro sofisticadas baterias antiaéreas S-400 na base aérea de Hemeimeem, na província de Latakia.

 
Baterias de mísseis S-400 instaladas no Noroeste da Síria.

3- A Rússia já deixou claro que, se a aviação turca entrar em espaço aéreo sírio, não hesitará em abater os aviões. E tem os meios e a motivação para o fazer.

4- A Rússia intensificou os bombardeamentos no Norte da Síria, nomeadamente na região de Alepo, atacando, entre outros, os aliados de Ancara no terreno e apoiando as ofensivas terrestres das forças governamentais sírias e dos seus aliados do Irão, Líbano e Iraque. Tal resultou em sucessivos desaires e recuos dos rebeldes e num acesso cada vez mais dificultado da Turquia a Alepo.

5- O YPG (People's Protection Units), a milícia curda síria ligada ao partido União Democrática Curda (PYD), tem feito notáveis progressos militares no terreno, à custa do Estado Islâmico (IS) e de outras forças rebeldes. Extraordinariamente, o YPG conta com o apoio dos Estados Unidos e da Rússia. Daqueles devido ao combate que tem feito ao IS e desta porque o sucesso dos Curdos é um desaire para a Turquia.

Com os avanços das forças governamentais e dos Curdos e a assertividade da Rússia no teatro do conflito, a Turquia vê os seus planos hipotecados:

* Desde 2011 que Recip Erdogan exige e pressiona o derrube de Al-Assad e não há sinais de que tal venha a acontecer a curto prazo.

* O Governo Turco já declarou inúmeras vezes que não aceita uma região autónoma curda na Síria (e muito menos um estado independente), mas as forças curdas já dominam a maior parte do território sírio contíguo à Turquia.

* O Governo Turco queria fazer sentir a sua presença no terreno para impor uma solução política e militar que lhe fosse favorável e os Russos vedaram-lhe essa possibilidade.

O desespero da Turquia está bem patente nas constantes ameaças de envio de tropas para a Síria, acompanhadas de pedidos para os EUA participarem nessa missão, reconhecimento de que não são capazes de o fazer por si. Tal também se nota nos ataques de artilharia desencadeados nos últimos dias contra forças curdas na Síria que revelam a incapacidade dos aliados sírios da Turquia para travar o YPG e o quanto as vitórias militares dos Curdos incomodam Ancara.

Aliás, a ascensão geopolítica da Turquia sob Erdogan caracteriza-se pela retórica impante e pela impotência na praxis. Foi assim em Gaza, no Egipto, na Síria e na gestão das convulsões e oportunidades da Primavera Árabe.

A única excepção é a violência dirigida contra os Curdos, seja na Turquia, no Iraque, ou na Síria. Quando pela frente estão Russos, Iranianos, ou Israelitas, Ancara não tem conseguido ir além da bravata.

Em retrospectiva, o ataque ao Su-24 Russo foi um erro com graves consequências estratégicas para a Turquia. O tiro do F-16 Turco, saiu pela culatra a Ancara.



P.S. No dia 4 de Dezembro de 2015 publiquei o post 17 Seconds (http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2015/12/17-seconds.html ) no qual escrevi que o ataque ao avião russo was a serious military and diplomatic incident, one more factor further poisoning and complicating the damned Syrian battle space. E concluí o post dizendo que The near future will tell us the value and the cost of those 17 seconds. Tal como então previa, o xadrez sírio tornou-se mais complexo, imprevisível e perigoso e o preço dos 17 segundos revela-se bem pesado.

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