TIRO
TURCO PELA CULATRA
Neste mapa, além da concentração do esforço bélico da Rússia no Noroeste,
especialmente em Alepo, e no Leste contra o Estado Islâmico em Deir ez-Zour,
pode ver-se, a roxo, o território controlado pelos Curdos e a rosa a área controlada
pelo Governo.
in
“BUSINESS INSIDER”
em http://www.businessinsider.com/russia-assad-turkey-syria-rebels-aleppo-2016-2
Como é sabido, a Força Aérea Turca abateu um avião russo
de ataque ao solo (Su-24) no final de Novembro, naquilo que terá sido uma
tentativa de demonstração de força da Turquia face à intervenção da Rússia na
Guerra da Síria.
Volvidos menos de 3 meses, constata-se que o tiro saiu
pela culatra aos Turcos, pois a Turquia encontra-se numa posição extremamente
enfraquecida no teatro de guerra sírio. Senão, vejamos:
1- A Turquia há muito que almeja estabelecer uma safe zone em território sírio ao longo
da sua fronteira. Com o pretexto de proteger refugiados e rebeldes, a Turquia
asseguraria o controlo de uma parcela de território da Síria e posicionar-se-ia
melhor para influenciar os acontecimentos na Síria do pós-guerra e prosseguir a
sua agenda.
2- Após o derrube do Su-24, a Rússia reforçou o seu
dispositivo militar na Síria, nomeadamente com o envio de mais aviões de
superioridade aérea Su-35, equipando os caças-bombardeiros Su-34 com mísseis
ar-ar e instalando quatro sofisticadas baterias antiaéreas S-400 na base aérea
de Hemeimeem, na província de Latakia.
Baterias de mísseis S-400 instaladas no Noroeste da Síria.
3- A Rússia já deixou claro que, se a aviação turca entrar
em espaço aéreo sírio, não hesitará em abater os aviões. E tem os meios e a
motivação para o fazer.
4- A Rússia intensificou os bombardeamentos no Norte da
Síria, nomeadamente na região de Alepo, atacando, entre outros, os aliados de
Ancara no terreno e apoiando as ofensivas terrestres das forças governamentais
sírias e dos seus aliados do Irão, Líbano e Iraque. Tal resultou em sucessivos
desaires e recuos dos rebeldes e num acesso cada vez mais dificultado da
Turquia a Alepo.
5- O YPG (People's Protection
Units), a milícia curda síria ligada ao partido União Democrática Curda (PYD),
tem feito notáveis progressos militares no terreno, à custa do Estado Islâmico
(IS) e de outras forças rebeldes. Extraordinariamente, o YPG conta com o apoio
dos Estados Unidos e da Rússia. Daqueles devido ao combate que tem feito ao IS
e desta porque o sucesso dos Curdos é um desaire para a Turquia.
Com os avanços das forças governamentais e dos Curdos
e a assertividade da Rússia no teatro do conflito, a Turquia vê os seus planos
hipotecados:
* Desde 2011 que Recip Erdogan exige e pressiona o
derrube de Al-Assad e não há sinais de que tal venha a acontecer a curto prazo.
* O Governo Turco já declarou inúmeras vezes que não
aceita uma região autónoma curda na Síria (e muito menos um estado
independente), mas as forças curdas já dominam a maior parte do território
sírio contíguo à Turquia.
* O Governo Turco queria fazer sentir a sua presença no
terreno para impor uma solução política e militar que lhe fosse favorável e os
Russos vedaram-lhe essa possibilidade.
O desespero da Turquia está bem patente nas constantes
ameaças de envio de tropas para a Síria, acompanhadas de pedidos para os EUA
participarem nessa missão, reconhecimento de que não são capazes de o fazer por
si. Tal também se nota nos ataques de artilharia desencadeados nos últimos dias
contra forças curdas na Síria que revelam a incapacidade dos aliados sírios da
Turquia para travar o YPG e o quanto as vitórias militares dos Curdos incomodam
Ancara.
Aliás, a ascensão
geopolítica da Turquia sob Erdogan caracteriza-se pela retórica impante e pela
impotência na praxis. Foi assim em Gaza, no Egipto, na Síria e na gestão
das convulsões e oportunidades da Primavera Árabe.
A única excepção é a violência dirigida contra os
Curdos, seja na Turquia, no Iraque, ou na Síria. Quando pela frente estão
Russos, Iranianos, ou Israelitas, Ancara não tem conseguido ir além da bravata.
Em retrospectiva, o ataque ao Su-24 Russo foi um erro com graves
consequências estratégicas para a Turquia. O tiro do F-16 Turco, saiu pela
culatra a Ancara.
P.S. No dia 4 de Dezembro de 2015 publiquei o post 17
Seconds (http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2015/12/17-seconds.html ) no qual escrevi que o ataque ao avião russo was a serious military
and diplomatic incident, one more factor further poisoning and complicating the
damned Syrian battle space. E
concluí o post dizendo que The near future will tell us the
value and the cost of those 17 seconds. Tal como então previa, o xadrez sírio tornou-se mais complexo,
imprevisível e perigoso e o preço dos 17 segundos revela-se bem pesado.
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