22 março, 2008

O Vespeiro Balcânico


VESPEIRO BALCÂNICO


A manta de retalhos da ex-Jugoslávia.
in “The Economist” em www.economist.com


A declaração unilateral de independência do Kosovo por um dos antigos líderes do grupo terrorista UCK e o subsequente reconhecimento por parte de vários países ocidentais, incluindo as principais potências (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França e Itália, constituiu mais um acto da feroz discriminação anti-sérvia que tem dominado a política ocidental nos Balcãs desde a Guerra do Kosovo de 1999.

Confesso que tenho dificuldade em compreender as razões que subjazem a este comportamento. Interesses económicos? Não existem. Razões estratégicas? Não as consigo discernir, especialmente quando a NATO já está implantada na região (Hungria, Roménia, Bulgária, Grécia), não faltando aliados, bases e pontos de apoio no Sudeste da Europa. Afrontamento à Rússia? Parece-me muito trabalho para alcançar tão pouco quando há acções e políticas que conseguem irritar Moscovo muito mais. Cegueira? Talvez. O certo é que a Sérvia expansionista, belicosa e perigosa dos anos 90 já desapareceu há muito. O cerco e castigo, esses continuam.

O que o Ocidente acaba de criar nos Balcãs é mais um estado artificial, inviável, tal como a Bósnia-Herzegovina (BiH), e ainda por cima, ilegal (vide Resolução do Conselho de Segurança da ONU nº 1244/99).

Atropelou-se o princípio de que as fronteiras das Repúblicas da antiga Jugoslávia eram invioláveis e que justificou (?) a manutenção do quadro multi-étnico da BiH (40% Bosníaca-Muçulmana, 31% Sérvia e 17% Croata). O argumento de que não se podia recompensar os actos de limpeza étnica caiu por terra num Kosovo claramente albanizado após 1999.

Sendo que uma reversão da independência se apresenta como uma utopia e não sendo de esperar que Belgrado e Moscovo tomem as posições de força que a situação justificava, qual é o quadro que temos diante de nós e que caminho deve ser seguido, sendo líquido que qualquer opção gerará sempre mais descontentes do que apoiantes?

Em primeiro lugar, temos uma Caixa de Pandora autonómica aberta que dará lugar (assim queiram interessados poderosos) a várias outras independências nos Balcãs, Cáucaso e, eventualmente noutras insuspeitas regiões (África?). À cabeça desta lista encontram-se a República Srspka na BiH, a Ossétia do Sul e a Abkázia na Geórgia e a Transdniestria na Moldova. Eu até diria que é um pouco surpreendente que a primeira não tenha já enveredado pelo mesmo caminho do Kosovo. Seria, do ponto de vista da Sérvia, uma das melhores formas de atrapalhar os planos das principais potências ocidentais na região.

Em segundo lugar, assistimos ao alastramento do anacronismo dos protectorados no Sudeste da Europa, com a agravante de estes (BiH e Kosovo) serem tendencialmente permanentes, dado que não se perspectiva que qualquer destes estados venha a ter viabilidade económica para subsistir, que a sua capacidade para garantir a coesão e segurança interna é muito duvidosa e que o seu histórico nacional é inexistente.

Com os fluxos e refluxos das Relações Internacionais e da política interna dos estados, nada garante que dentro de poucos anos a disponibilidade política, militar e financeira dos protectores desvaneça perante outros desafios, interesses ou ameaças. E então? Quem fica com a batata quente? Os locais que, a julgar pela História recente e mais remota, tenderão a fazer os seus ajustes de contas da forma tradicional. Aí teremos os Balcãs a ferro e fogo, as potências alarmadas, coagidas a acorrer a apagar os fogos e recomeçamos o mesmo ciclo mais uma vez.

O caminho a seguir é estreito, mas o mais lógico e justo seria assumir a incompatibilidade da coexistência de certas etnias/religiões no mesmo estado e enveredar pela divisão da Bósnia-Herzegovina e do Kosovo. Naquele caso, poderia ser através da criação de dois ou três estados (todos eles fracos e dependentes) ou a incorporação da zona sérvia (e eventualmente da zona croata) na Sérvia (e na Croácia). No último caso, a solução óbvia é fazer o detachment do norte do Kosovo, incluindo Mitrovica a norte do Ibar na Sérvia.

Sei que, no caso da Bósnia-Herzegovina, tal se apresentaria como sendo muito difícil tendo em conta os antecedentes da Guerra de 1992/95, mas tem de se reflectir sobre 13 anos de paz em que não foi possível obter uma verdadeira reconciliação e integração das comunidades bosníaca e sérvia. No caso do Kosovo, seria a forma mais fácil de esvaziar a tensão existente, de reduzir a sensação de injustiça e de dualidade de critérios e de trazer paz à região, salvando a face das duas partes envolvidas.

Não tenho ilusões acerca da viabilidade destas propostas. A hipocrisia e cobardia dominantes nas chancelarias europeias não dão lugar à esperança de que haja iniciativas corajosas que rompam o statu quo pantanoso da política ocidental para os Balcãs. Até o vespeiro ganhar vida outra vez.



1 comentário:

PVM disse...

Rui:
Pego no último parágrafo (especialmente na penúltima frase): o facto dos independentistas kosovares terem celebrado a declaração de independência com profusão de bandeiras dos EUA não quer dizer nada?
PVM