30 março, 2020

Hoekstra, Costa e a Verdadeira UE


HOEKSTRA, COSTA E A VERDADEIRA UE


Em Portugal muita gente se agitou com as declarações do Ministro das Finanças da Holanda, Wopke Hoekstra, especialmente após a reacção exaltada de António Costa. As declarações de Hoekstra demonstraram falta de sensibilidade, solidariedade e de timing e a reacção de Costa, se bem que exagerada, compreende-se à luz da gravíssima situação

Contudo, o que me leva a escrever este post não é o “repugnante”, mas sim outras considerações tecidas por António Costa e que estão desfasadas da realidade.
Costa disse?

"É preciso não ter a menor noção do que é viver no mercado interno para alguém ter a ilusão que pode resolver o problema da pandemia na Holanda se esta não se resolver em Itália ou em Espanha".

Ora, o mercado interno não tem nada a ver com a pandemia. A pandemia não cresce nem desaparece por causa do mercado interno. É um disparate.

E disse também:
"E quem quer estar numa UE a 27 tem de perceber que estar numa união não é viver em isolamento, por si só, é partilhar com os outros as dificuldades e as vantagens. … devia ser dos primeiros a perceber que num espírito de união estamos cá para nos apoiar uns aos outros".

Esta é a típica afirmação  politicamente correcta que é repetida pela maioria dos líderes políticos dos Estados-Membros e por todas as luminárias da EU. Contudo, a realidade é diferente. Para além da cooperação que existe efectivamente, entre os países que compõem a EU, subsiste uma realidade que desagrada a Bruxelas e a que podemos designar de soberania nacional. E desta, decorre uma outra realidade que é o interesse nacional, que é suposto os Estados soberanos promoverem e defenderem.

Isto leva-nos a outro patamar, também desagradável de admitir, mas que existe lado a lado com a cooperação que é…a não cooperação. Chegamos, então, às declarações de Wopke Hoekstra e de António Costa. A EU é, a maioria das vezes, uma organização razoavelmente unida, mas quando enfrenta questões particularmente sérias (crises financeiras, orçamentos, guerras, pandemias) a solidariedade tende a ser enviada às ortigas, sendo substituída pela defesa férrea dos interesses de cada um. E essa quebra de solidariedade não é exclusiva da Europa Setentrional A título de exemplo, Portugal e Espanha ajudaram a tirar o tapete à Grécia durante a crise das dívidas soberanas para, subservientemente agradar à Alemanha.

A propósito da Alemanha, convém também salientar que na EU, numa adaptação orwelliana, são todos iguais, mas uns são mais iguais do que os outros. Et pour cause, pouco são os que batem o pé à França e menos ainda à Alemanha. Estes países dão-se ao luxo de sonegar apoio à e de menosprezar e até atacar a 4º potência europeia (3ª da EU), a Itália.

Estou absolutamente ciente que as Relações Internacionais têm uma fortíssima componente de poder e que quem o tem exerce-o para o seu benefício quando o julga necessário. Este exercício do poder já é mais mitigado, mas é um facto e não vai desaparecer. Por isso, é lamentável, fastidioso e hipócrita estar sempre a proclamar uma fraternidade e uma igualdade que simplesmente não existem, especialmente no que concerne as grandes decisões.


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