TENTÁCULOS DE
TEERÃO II
Os
Tentáculos de Teerão condicionam e constrangem seriamente o Iraque.
in “Tony Phyrillas on Politics” em http://tonyphyrillas.blogspot.com/2015/03/irans-tentacles.html
Tendo-nos
focado na estrutura logística e militar dos Tentáculos de Teerão, o propósito
deste segundo post é a análise das ulteriores motivações do Irão, ou seja, os
objectivos últimos que a teocracia iraniana deseja atingir com esta política de
contratar, financiar, treinar,
equipar e utilizar um grande número
de peões, fundamentalmente milícias xiitas, um pouco por todo o Médio Oriente.
Há muitos anos
que a República Islâmica do Irão persegue o estatuto de potência regional
hegemónica no Médio Oriente. Herdeira directa da Pérsia e da sua civilização,
com o maior território (1.650.000 km2), abundante
demografia (83.000.000), enorme riqueza ao nível dos hidrocarbonetos, detentora
de um aparelho estatal mais estruturado, de uma indústria mais diversificada e
de níveis de educação superiores à maioria dos seus vizinhos, tudo somado a uma
temível máquina bélica (até 1979), a Pérsia/Irão encara essa desejada hegemonia
como algo de natural, que lhe pertence por direito próprio.
A evolução
Islâmica, a instituição de um novo regime liderado pelo Ayatollah Ruhollah
Khomeini e a terrível Guerra Irão-Iraque (1980-1988) enfraqueceram seriamente a
capacidade militar de Teerão e a sua influência no Médio Oriente. No entardecer do século XX e no dealbar do
século XXI, o regime estabilizou, o país adaptou-se à nova normalidade e o Irão
buscou o seu lugar na ordem regional vigente.
Há um conjunto
de situações, umas despoletadas pelo Irão e outras desencadeadas por outros
actores, que se revelaram game changers.
Em 2002 descobre-se que o Irão desenvolvia um programa nuclear clandestino com fins militares. Em 2003,
desenrola-se a II Guerra do Golfo
com a invasão e tomada do Iraque pelas potências Anglo-Saxónicas (Estados
Unidos, Reino Unido e Austrália). Em 2011, as tropas americanas retiram do Iraque. Ainda em 2011, dá-se a chamada
Primavera Árabe com a consequente
destabilização de vários países árabes (Tunísia, Egipto, Iémen, Líbia, Bahrain
e Síria). Finalmente, também em 2011, começa a Guerra da Síria. Antes, mas mais ainda durante e após este período
atribulado, o Irão criou, desenvolveu, expandiu e densificou a criação e/ou
apoio de milícias, maioritariamente Xiitas, para alavancar as suas ambições
geopolíticas.
O Irão tem como prioridade garantir um grau
de controlo sob três países em particular: Iraque, Síria e Líbano.
E os seus grandes objectivos geopolíticos,
para além da óbvia defesa do seu povo e território, são:
* Garantir uma
forte influência e um grau de controle sobre o Iraque, a Síria e o Líbano, de
modo a garantir um acesso sem obstáculos ao Mediterrâneo e aos seus principais
aliados/peões.
* Na quase
impossibilidade de o aniquilar, pelo menos ameaçar, acossar e conter Israel.
* Enfraquecer
e desestabilizar a Arábia Saudita de modo a garantir a primazia no Golfo
Pérsico e na Península Arábica; diminuir o mais possível a presença
norte-americana no Médio Oriente.
* Garantir um
papel e estatuto hegemónico, ou pelo menos de hegemonia partilhada.
IRAQUE
A presença
iraniana no Iraque é fundamental. Desde logo porque se trata da maior fronteira
(1600 km) que o Irão tem e, portanto, a situação no Iraque tem um impacto
imediato na segurança do Irão. Depois, o facto de o Iraque ser o único grande
estado árabe de maioria Xiita proporciona uma proximidade que é difícil de
obter com outros países. Finalmente, o Iraque é fundamental para o Irão ter
acesso às outras duas peças do arco de influência iraniano: a Síria e o Líbano.
O colapso do
regime de Saddam Hussein em 2003 deu lugar à remoção da minoria Sunita do poder
e à sua substituição pela maioria Xiita que facilitou e induziu a penetração
dos agentes iranianos e de políticos iraquianos alinhados com Teerão nas
estruturas de poder político e securitário de Bagdad.
A retirada das
tropas americanas em 2011 conferiu mais espaço aos Iranianos, cuja influência
foi ainda mais potenciada pela deriva sectária do Primeiro Ministro Nouri al
Maliki. A vaga conquistadora do Estado Islâmico (IS) em 2014 e o descalabro do
Exército do Iraque (ver “Buraco Negro da 2ª Divisão” em http://tempos-interessantes.blogspot.com/2014/06/buraco-negro-da-2-divisao.html ) deram um pretexto
credível para um envolvimento acrescido dos Guardas da Revolução (IRGC) com as
milícias xiitas às quais aderiram milhares de Iraquianos. Apesar dos protestos em
contrário, estas milícias, agrupadas sob a designação Hashd ash-Shaabi (Popular
Mobilisation Units), são o verdadeiro
braço armado do Irão no Iraque, quase um estado dentro do Estado, emulando um
pouco o Hezbollah no Líbano, várias delas respondendo mais perante Qom do que a
Bagdad.
Não obstante o papel
crucial desempenhado pelos EUA no combate ao IS e dos esforços dos Estados do
Golfo em estabelecer pontes com o Iraque, não é crível que o Irão ceda o poder
e a influência que detém em Bagdad. O Iraque é tão importante para o Irão e
este detém sobre aquele um poder tão consolidado, que uma mudança do statu quo
é irrealista a curo/médio prazo, salvo um acontecimento revolucionário.
SÍRIA
A Síria vale
para o Irão pela sua importância geopolítica, pois constitui para o Irão uma
plataforma de ligação entre o Golfo Pérsico e o Mediterrâneo, ou entre a
Mesopotâmia e o Levante. Através da Síria, o Irão chega ao Líbano, i.e., ao
Hezbollah e, indirectamente, a Israel e ainda aos peões da Faixa de Gaza, o
Hamas e a Palestinian Islamic Jihad. Pela Síria passam as principais rotas de
abastecimento do Hezbollah, o movimento de tropas do IRGC, o apoio e aos e
controle dos peões iranianos.
Por outro lado, a Síria
é o mais antigo aliado estadual de Teerão no Médio Oriente, desde o tempo da
Guerra Irão-Iraque. Além da questão do apoio logístico, o Irão tem todo o interesse
em manter a aliança com Damasco: ter aliados estaduais tem mais valor, nem que
seja simbólico, do que as milícias; e existe uma certa comunhão sectária, dado
que a comunidade Alawita, à qual pertence o clã Assad, professa um credo
próximo do Xiismo e domina politicamente a Síria desde 1970.
O valor dado por Teerão
à manutenção do regime sírio está plasmado no custo pago pelo Irão em sangue,
chumbo e ouro (ver “Tentáculos de Teerão I” em http://tempos-interessantes.blogspot.com/2019/03/tentaculos-de-teerao-i.html )
O
arco de influência do Irão no Médio Oriente, os países onde os Tentáculos de
Teerão são mais evidentes.
in “STRATFOR” em www.stratfor.com
LÍBANO
O Líbano é a
estação terminal do arco de influência iraniana e a sede do principal aliado
sub-estadual do Irão: o Hezbollah. Por isso e pelo Mediterrâneo, o acesso ao
Líbano é importante para Teerão. O Líbano é um verdadeiro mosaico sectário e o
Irão valoriza as comunidades xiitas e assume como sua missão apoiar e defender
os Xiitas da região.
O carácter
multi-sectário também faz do Líbano um tabuleiro de xadrez onde se expressam as
rivalidades das potências regionais e onde os respectivos interesses colidem.
Nestes jogos de poder, o que menos releva são os interesses do próprio Líbano,
pois as potências externas promovem e defendem os seus interesses e os dos seus
peões. Também por isso, o Irão quer estar presente.
Finalmente, o
acesso ao Mediterrâneo, a proximidade a Israel e à Faixa de Gaza são bónus
extra que o Irão retira da sua influência, directa e indirecta no Líbano.
Assim se
explica, de forma sucinta, os pilares de apoio estadual de que goza o Irão e,
principalmente, o grau de influência exercida nesses três estados e as
motivações geopolíticas que sustentam as acções de Teerão.
NOTA: Num próximo post
darei conta dos objectivos estratégicos e geopolíticos que o Irão visa alcançar
no Médio Oriente. Para ser mais preciso, trata-se de identificar os alvos na
mira de Teerão.