TOPETE
AMERICANO
Não vale a pena carpir sobre as maldades de Putin, ou repudiar a
existência de interesses específicos sobre países terceiros, ou vilificar o
conceito de esferas de influência. Tudo isto existe e não é, obviamente,
exclusivo da Rússia. Basta pensar como
reagiriam os Estados Unidos se uma grande potência adquirisse um poder tutelar,
ou até simplesmente uma forte influência sobre o México.
Isto foi
escrito a 1 de Setembro de 2014 num post intitulado “Vista de Moscovo” e cuja
leitura ainda recomendo (http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/09/vista-de-moscovo.html ).
Ironicamente,
volvidos mais de 3 anos, o General McMaster, Conselheiro de Segurança Nacional
dos Estados Unidos, veio a público acusar a Rússia de interferir nos assuntos
internos do…. México. Mais exactamente, nas suas eleições. Hoje em dia, haja
eleições onde houver, as principais potências ocidentais acusam os Russos de
interferência, ao ponto de ainda me interrogar se o resultado surpresa nas
autárquicas de Vila do Conde não terá sido manipulado pelo longo braço de
Moscovo.
Mais a sério,
o que é verdadeiramente espantoso é o descaramento, o topete dos Estados
Unidos, o país com o maior histórico de intervenções, interferências e
ingerências externas nos últimos 70 anos. A lista é imensa, abrange todos os
continentes e assume múltiplas formas: guerra, bloqueios, ameaças militares,
sanções, infiltrações, secret ops de forças especiais e da CIA, ataques com
drones, assassinatos e raptos. Tudo feito em nome da bondade e da superioridade
moral de que se arrogam. E tudo a bem das vítimas, perdão, dos alvos do
salvamento. Sim, porque os EUA é que sabem o que é bom para todos.
Para se ter
uma noção mais exacta do que refiro, entre 1947 e 1989, no período da Guerra Fria, os EUA tentaram executar regime changes 72 vezes! Destas, 66
foram encapotadas e 6 foram assumidas. Curiosamente, 40 das 66 secretas
falharam. Aliás, só no patrocínio de coups d’état é que o saldo é favorável a
Washington: 9 em 14.
A grande
maçada acontece quando o feitiço se vira contra o feiticeiro. Aí, já não há
interferências salvíficas, nem bondade, apenas uns malvados que protegem outros
malvados, todos eles vis e opressores.
A verdade é
que, nos últimos 20 anos, os EUA intervieram militarmente na Sérvia (1999), no
Iraque (2003), na Líbia (2011), na Síria (2014), sem estarem legitimados nos
termos da dita “rules based international order” que tanto gostam de apregoar.
Curiosamente, a Rússia interveio na Síria em 2015 devidamente legitimada por
Damasco, goste-se ou não se goste de Al Assad..
Muito menos
conhecida e publicitada é a prática norte-americana de se arrogar o direito de
interferir em detalhe nos assuntos internos de terceiros, como impor sanções a
pessoas e instituições devido, para citar um exemplo grotesco, ao assassinato
de um Russo por outro Russo, cometido na Rússia, para citar um exemplo grotesco.
Tudo em nome dos direitos humanos, é claro. E o facto de estas atitudes só
serem tomadas em relação a uns (principalmente a Rússia) e não a outros, como a
China ou a Arábia Saudita, é meramente fruto do acaso. Também é sabido que nos
próprios EUA não há violações dos ditos direitos humanos e que os homicídios
são uma raridade.
É mesmo caso para
dizer que topete não lhes falta!