MAIS UM DIA DE TRABALHO
NO MÉDIO ORIENTE
Ataque à embaixada da Arábia Saudita em Teerão. O 10º em 36
anos.
O Médio Oriente está em
redobrado tumulto. A Arábia Saudita executou 47 pessoas no passado dia 2.
Destes, 45 eram Sauditas. Um era Egípcio. O outro era Chadiano. Dos 47
executados, 46 eram Sunitas. Um era Xiita. Contudo, a execução de UM Saudita Xiita foi razão suficiente para o Irão fazer o
maior escândalo, ameaçar a Arábia Saudita de represálias, invocar a ira
divina e atacar e incendiar a embaixada saudita em Teerão.
Curiosamente,
vários analistas apressaram-se a criticar o corte de relações diplomáticas por
parte de Riade como sendo uma reacção exagerada e apontaram a execução de Nimr
Al-Nimr (o tal Xiita) como um sinal de fraqueza. Não subscrevo estas
interpretações.
É óbvio que a
execução de Nimr Al-Nimr, um conhecido religioso, contestatário do regime e defensor
do direito dos Xiitas Sauditas recorrerem ao auxílio externo, iria gerar uma
reacção forte e negativa. Talvez por isso, a sua execução foi incluída num package numeroso que incluía
operacionais do Estado Islâmico e da Al-Qaeda.
Contudo, a reacção foi violenta, nas palavras e nos
actos. Porquê? Basicamente por três motivos:
1- Nimr Al-Nimr, pela sua popularidade na Província Oriental da Arábia
Saudita e pela sua proximidade a Teerão, era
uma potencial ameaça para os Al-Saud e um trunfo para os Ayatollahs.
2- O facto de Nimr
Al-Nimr defender o recurso dos Xiitas a apoio externo, mantinha em aberto a possibilidade de o Irão, num cenário de
crise, de intervir na Província Oriental a pretexto de um pedido de ajuda dos
Xiitas locais.
3- Para o Irão, foi mais
uma oportunidade de pressionar a Arábia
Saudita fomentando a instabilidade interna no Reino.
O mosaico sectário no Médio Oriente.
Já para a Arábia
Saudita, a execução de Nimr Al-Nimr era uma necessidade para se livrar de uma
ameaça interna e de um potencial cavalo de Tróia do Irão. Por outro lado, a rivalidade e o confronto com o Irão,
bem presentes nas Guerras e nos conflitos na Síria, no Iraque, no Iémen, no
Líbano, constituíram também um incentivo
para atiçar a fogueira sectária, área em que a Arábia Saudita beneficia de
enorme vantagem numérica: 85% v 15% de Xiitas no Médio Oriente.
Finalmente, o
Acordo Nuclear entre os P5+1 e o Irão e as constantes tentativas (até agora
rejeitadas) de aproximação dos EUA a Teerão, aumentaram significativamente os
sentimentos de insegurança e incerteza dos países do GCC (Arábia Saudita,
Emiratos Árabes Unidos, Kuwait, Oman, Bahrein e Qatar). Consequentemente, a
Arábia Saudita, os EAU, entre outros, têm mostrado uma inusitada prontidão para
intervir militarmente em conflitos onde se perceba uma intromissão iraniana,
sendo o Iémen o caso mais flagrante.
Convém, ainda,
contextualizar os comportamentos do Irão e da Arábia Saudita.
* O Irão é reincidente em ataques a embaixadas com a participação e/ou
cumplicidade do Estado: 1979 - 2 ataques e sequestros à embaixada dos EUA
(9 mortos); 1987 – ataques às embaixadas da Arábia Saudita e Kuwait; 1988 –
ataque à embaixada da URSS; 2006 - ataque à embaixada da Dinamarca; 2009 e 2010
- ataques à embaixada e embaixador do Paquistão; 2011 - ataque à embaixada do
Reino Unido; 2016 - ataque à embaixada da Arábia Saudita. 10 ataques a embaixadas de 7 países em 36 anos!
* Romper relações
diplomáticas em resposta ao assalto e incêndio da embaixada, com consentimento
claro do regime, é uma resposta normal e adequada.
* Se a Arábia Saudita
tem reputação de recurso fácil à pena de morte, convém notar que o Irão está em
2º lugar no ranking de execuções, apenas atrás da China, tendo mesmo o ratio
mais elevado em relação à população.
Dito isto e
sendo certo que o clima no Médio Oriente é pior, a tensão é maior e as
perspectivas diplomáticas para a Síria se tornaram (ainda) mais cinzentas, não
é de esperar que estes novos episódios causem alterações profundas na
correlação de forças e nas políticas externas e de segurança dos actores
envolvidos.
A execução de Nimr
Al-Nimr acicatou os ânimos e solidificou animosidades e rivalidades, mas foi apenas mais um dia de trabalho no Médio Oriente.
Nota: Estimativa da Amnistia Internacional do número mínimo
confirmado de execuções realizadas em 2014:
1- China 1000
2- Irão 289
3- Arábia Saudita 90
4- Iraque 61
5- Estados Unidos 35
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