12 janeiro, 2016

Mais Um Dia de Trabalho no Médio Oriente



MAIS UM DIA DE TRABALHO
 NO MÉDIO ORIENTE


 
Ataque à embaixada da Arábia Saudita em Teerão. O 10º em 36 anos.
in “THE WASHINGTON POST” at www.washingtonpost.com   

O Médio Oriente está em redobrado tumulto. A Arábia Saudita executou 47 pessoas no passado dia 2. Destes, 45 eram Sauditas. Um era Egípcio. O outro era Chadiano. Dos 47 executados, 46 eram Sunitas. Um era Xiita. Contudo, a execução de UM Saudita Xiita foi razão suficiente para o Irão fazer o maior escândalo, ameaçar a Arábia Saudita de represálias, invocar a ira divina e atacar e incendiar a embaixada saudita em Teerão.

Curiosamente, vários analistas apressaram-se a criticar o corte de relações diplomáticas por parte de Riade como sendo uma reacção exagerada e apontaram a execução de Nimr Al-Nimr (o tal Xiita) como um sinal de fraqueza. Não subscrevo estas interpretações.

É óbvio que a execução de Nimr Al-Nimr, um conhecido religioso, contestatário do regime e defensor do direito dos Xiitas Sauditas recorrerem ao auxílio externo, iria gerar uma reacção forte e negativa. Talvez por isso, a sua execução foi incluída num package numeroso que incluía operacionais do Estado Islâmico e da Al-Qaeda.

Contudo, a reacção foi violenta, nas palavras e nos actos. Porquê? Basicamente por três motivos:

1- Nimr Al-Nimr, pela sua popularidade na Província Oriental da Arábia Saudita e pela sua proximidade a Teerão, era uma potencial ameaça para os Al-Saud e um trunfo para os Ayatollahs.

2- O facto de Nimr Al-Nimr defender o recurso dos Xiitas a apoio externo, mantinha em aberto a possibilidade de o Irão, num cenário de crise, de intervir na Província Oriental a pretexto de um pedido de ajuda dos Xiitas locais.

3- Para o Irão, foi mais uma oportunidade de pressionar a Arábia Saudita fomentando a instabilidade interna no Reino.

 
O mosaico sectário no Médio Oriente.
in “STRATFOR” em www.stratfor.com

Já para a Arábia Saudita, a execução de Nimr Al-Nimr era uma necessidade para se livrar de uma ameaça interna e de um potencial cavalo de Tróia do Irão. Por outro lado, a rivalidade e o confronto com o Irão, bem presentes nas Guerras e nos conflitos na Síria, no Iraque, no Iémen, no Líbano, constituíram também um incentivo para atiçar a fogueira sectária, área em que a Arábia Saudita beneficia de enorme vantagem numérica: 85% v 15% de Xiitas no Médio Oriente.

Finalmente, o Acordo Nuclear entre os P5+1 e o Irão e as constantes tentativas (até agora rejeitadas) de aproximação dos EUA a Teerão, aumentaram significativamente os sentimentos de insegurança e incerteza dos países do GCC (Arábia Saudita, Emiratos Árabes Unidos, Kuwait, Oman, Bahrein e Qatar). Consequentemente, a Arábia Saudita, os EAU, entre outros, têm mostrado uma inusitada prontidão para intervir militarmente em conflitos onde se perceba uma intromissão iraniana, sendo o Iémen o caso mais flagrante.

Convém, ainda, contextualizar os comportamentos do Irão e da Arábia Saudita.

* O Irão é reincidente em ataques a embaixadas com a participação e/ou cumplicidade do Estado: 1979 - 2 ataques e sequestros à embaixada dos EUA (9 mortos); 1987 – ataques às embaixadas da Arábia Saudita e Kuwait; 1988 – ataque à embaixada da URSS; 2006 - ataque à embaixada da Dinamarca; 2009 e 2010 - ataques à embaixada e embaixador do Paquistão; 2011 - ataque à embaixada do Reino Unido; 2016 - ataque à embaixada da Arábia Saudita. 10 ataques a embaixadas de 7 países em 36 anos!

* Romper relações diplomáticas em resposta ao assalto e incêndio da embaixada, com consentimento claro do regime, é uma resposta normal e adequada.

* Se a Arábia Saudita tem reputação de recurso fácil à pena de morte, convém notar que o Irão está em 2º lugar no ranking de execuções, apenas atrás da China, tendo mesmo o ratio mais elevado em relação à população.

Dito isto e sendo certo que o clima no Médio Oriente é pior, a tensão é maior e as perspectivas diplomáticas para a Síria se tornaram (ainda) mais cinzentas, não é de esperar que estes novos episódios causem alterações profundas na correlação de forças e nas políticas externas e de segurança dos actores envolvidos.

A execução de Nimr Al-Nimr acicatou os ânimos e solidificou animosidades e rivalidades, mas foi apenas mais um dia de trabalho no Médio Oriente.






Nota: Estimativa da Amnistia Internacional do número mínimo confirmado de execuções realizadas em 2014:

1- China                     1000
2- Irão                          289
3- Arábia Saudita         90
4- Iraque                       61
5- Estados Unidos        35

Sem comentários: