01 junho, 2014

Euro-Tragédia


EURO-TRAGÉDIA


As recentes eleições europeias tiveram, genericamente, resultados previsíveis: os partidos do sistema, dominantes desde o final da II Guerra Mundial, tiveram mais votos e elegeram mais deputados, mas sofreram uma forte erosão que, em certos casos como a França, o Reino Unido, a Grécia, ou a Dinamarca, foi uma autêntica débacle. No contraponto, partidos das franjas do espectro político (à direita e à esquerda), partidos novos, partidos fora do arco do poder, ganharam votos, mandatos e até eleições. Muitos destes partidos advogam-se eurocépticos, soberanistas, ou nacionalistas; até os há nazis, fascistas e comunistas.



A corrida da União Europeia acaba aqui, ou apenas abranda?

in “The Economist” em www.economist.com


Igualmente previsível, foi a histeria nos media, na opinião publicada e nos partidos do sistema, como se Hitler e Staline tivessem regressado do além. Um ponto alto foi atingido por um repórter da SIC que, consternado, concluía que o Parlamento Europeu agora eleito era o que vai ter o menor número de deputados europeus de sempre. Não sei se será um novo problema relacionado com a imigração ou se os Japoneses, Chineses, Russos e Americanos já tomaram Estrasburgo de assalto…. Outra comentadora dramatizava o impensável que era ter no PE grupos de deputados que trabalhavam para o fim da EU, como se fosse anti-democrático não ser euro-fanático.


O que é que tudo isto significa?


1- Significa, antes de mais, que quem assim se manifesta sofre precisamente daquilo que acusam estes partidos ascendentes: um forte espírito anti-democrático. As eleições e os referendos só são bons quando ganham. Quando perdem é uma tragédia.


2- Significa que quem perdeu optou por fazer manobras de diversão que afastassem o enfoque das causas das suas derrotas, “culpando” os outros e as suas legítimas vitórias. Sim, porque o sucesso destes partidos alternativos não surgiu de geração espontânea.


3- Significa que as políticas nacionais e o chamado projecto europeu, estão cada vez mais desfasados da realidade dos povos de muitos países da Europa.


4- Significa que, apesar de décadas de lavagem ao cérebro e de uma incessante promoção das virtudes paradisíacas do tal projecto, muitos cidadãos dos 28 Estados-Membros continuam a querer limitar as transferências de soberania para Bruxelas (e Berlim) e a acreditar no Estado-Nação.


5- Significa que, como já foi várias vezes referido em Tempos Interessantes, o tal projecto é uma criação de elites, com as elites e, principalmente, para as elites; como também já foi dito neste blog, tal acarreta um risco acrescido de as massas populares se irem alheando do projecto (como os índices de abstenção estratosféricos nas eleições europeias sempre mostraram, e, eventualmente, se revoltem contra ele.


6- Significa que a EU foi longe demais e tem hoje demasiados poderes. Responsabilidade de políticos incompetentes e da sua submissão ao famigerado Eixo Franco-Alemão (também ele desgastado) e à insaciável sede de poder e competências da burocracia bruxelense.


Posto isto, o que há de mais chocante nestas eleições e nas reacções subsequentes?


Sem dúvida que a ascensão de partidos extremistas e de índole totalitária é chocante.


Igualmente chocante, porém, é perceber o porquê de um partido neo-nazi como o Aurora Dourada na Grécia ter ficado em 3º lugar.


Não terá sido porque os partidos do sistema, a Nova Democracia de centro-direita e o PASOK socialista, conduziram o país à ruína e os cidadãos à miséria após se alternarem no poder durante 40 anos?


Não terá sido por a Alemanha e a Troika terem promovido um brutal, compulsivo e deliberado empobrecimento dos Gregos, arrasando a economia no processo?


Não terá sido por a preocupação dos parceiros europeus, nomeadamente a Alemanha, a França e a Áustria ter sido salvar a pele dos bancos expostos à dívida grega e não o salvar a Grécia e os Gregos?


Infelizmente, sou céptico quanto à sustentabilidade desta revolta eleitoral com fortes votações em partidos alternativos. A inércia, a propaganda e a fraude de que tudo o que vá além do centrão europeu é pavoroso, farão com que as coisas se aproximem da normalidade histórica.


Acredito, porém, que a recuperação dos partidos do sistema não seja completa. Seria realmente bom se fossem seriamente castigados pela desgovernação destemperada aliada à soberba de que o poder lhes pertence por direito.


A verdadeira tragédia da Democracia em boa parte da Europa não é o triunfo da Frente Nacional, do UKIP, ou do Syriza, mas sim anos de governos incompetentes, corruptos e inimputáveis a lançar as sementes da indiferença primeiro, da revolta a seguir e, no final, eventualmente as da autocracia.

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