06 março, 2013

"A Riddle Wrapped in a Mistery Inside an Enigma"

“A RIDDLE WRAPPED IN A MISTERY
INSIDE AN ENIGMA”

“It is a riddle wrapped in a mystery inside an enigma.” Assim se referiu Winston Churchill à União Soviética numa alocução na BBC a 1 de Outubro de 1939. A II Guerra Mundial começara há exactamente um mês. A URSS havia invadido a Polónia duas semanas antes, a 17 de Setembro.
 
Uma charada, embrulhada num mistério dentro de um enigma.
 
Salvaguardando as distâncias devidas à gravidade da situação e ao poder do objecto da sagacidade de Churchill, talvez pudéssemos aplicar esta análise à Coreia do Norte.

A ameaça que faz tremer o mundo, mas que não é tão temível como parece.

O regime stalinista da Coreia do Norte é dos menos compreendidos do tabuleiro geopolítico mundial no dealbar do século XXI. A opinião generalizada é que os dirigentes norte-coreanos são irracionais, irascíveis, fanáticos, perigosos e imprevisíveis. Condensando, são um bando de doidos furiosos.

É uma análise simplista que até serve os propósitos de Pyongyang. Sim, acredito que a liderança da Coreia do Norte tem propósitos e como tal as suas acções são maioritariamente racionais, em função dos meios disponíveis. Aliás, a frase seguinte do breve discurso de Churchill ajuda-nos a encontrar o caminho no labiríntico enigma norte-coreano: ”but perhaps there is a key. That key is Russian national interest.”

Aí está. A minha convicção é a de que a Coreia do Norte e os sucessivos Kims que a governam, prosseguem a sua visão de interesse nacional. Qual é ele então?

Sendo a Coreia do Norte liderada, no topo de pirâmide, por uma dinastia familiar, sustentada por uma clique político-militar, também ela com um forte cunho hereditário, não será difícil apontar a manutenção do statu quo como o objectivo vital do regime. O conceito-chave é mesmo MANUTENÇÃO.

·         A manutenção da independência do país.
·        Consequentemente, a manutenção da divisão da Península da Coreia,
·        A manutenção do poder total e exclusivo nas mãos da clique dirigente, do Partido e das Forças Armadas.
·        Como corolário, a manutenção de todos os privilégios de que a nomenklatura goza.

Eis o interesse nacional da Coreia do Norte: a Nomenklatura dirigente.

 
Sendo a Coreia do Norte um país relativamente pequeno (120.000 km2 e 25 milhões de habitantes) e muito pobre (PIB de 40 biliões de Dólares e PIB p/c de US$ 1800, 197º do mundo), o poderio militar foi a fórmula encontrada para infundir respeito e salvaguardar a segurança do país.

Essa estratégia assenta em 3 vectores: a colocação de dezenas de milhares de peças de artilharia ao longo do paralelo 38 que divide as duas Coreias e que têm a capacidade (pelo menos teórica) de provocar tremenda destruição em Seoul; o desenvolvimento de mísseis balísticos de médio e longo alcance com os quais pode ameaçar os países vizinhos e até outros mais distantes; o programa nuclear que, somado ao dos mísseis, poderão conferir a Pyongyang uma capacidade de dissuasão face a rivais muito mais poderosos.

Para sobreviver, mesmo mantendo grande parte da população no limiar da sobrevivência, a Coreia do Norte precisa de recursos. Então, os seus programas bélicos servem como forma de pressão e de blackmail sobre os Estados Unidos, a Coreia do Sul, o Japão, a China e a Rússia para obter fornecimentos de energia e alimentos e para dissuadir eventuais ataques.

Quando as cedências prometidas pelos Kim não se materializam e as sanções, ameaças, ou recriminações internacionais apertam, a Coreia do Norte realiza um novo teste balístico ou nuclear, acompanhado por um trovejar de ameaças cataclísmicas que deixam aterrado o mais pacato cidadão.

A credibilidade destas ameaças é conferida pela capacidade que os repetidos testes vão confirmando (descontando os vários falhanços) e pela reputação da liderança norte-coreana ser suficientemente tresloucada para levar a cabo as ameaças que profere.

Sounds crazy? Maybe, but it works. A insignificante Coreia do Norte senta-se à mesa das negociações com as 3 maiores economias do mundo, com as 2 maiores potências nucleares do planeta, com 5 países do G-20 e faz capas de jornais e destaques em noticiários. Not bad.

Churchill sabia do que falava. Tal como Stalin, Kim Il Sung, Kim Jong Il e Kim Jong Un tratam de defender o interesse nacional da Coreia do Norte. Fazem-no com uma estratégia e com os meios ao seu alcance. A sua concepção de interesse nacional é mais interesseira do que nacional e a metodologia é heteredoxa, mas no mundo da Real Politik os resultados é que interessam.

Estas ameaças não serão bluff? Sim, são bluff. No momento em que a Coreia do Norte desencadeie um ataque sério, seja contra a Coreia do Sul, o Japão, ou qualquer outro, o regime será liquidado. Se o ataque for nuclear, provavelmente será obliterado. Tal significa que, dado que o objectivo do regime é sobreviver, só desencadeará um ataque dessa natureza em desespero de causa, numa situação limite. Os ataques convencionais limitados no escopo e no tempo apenas servem para reforçar a credibilidade da periculosidade da Coreia do Norte.

E enquanto as potências mundiais acreditarem na loucura e determinação de Kim & Co., enquanto prevalecer a convicção de que é demasiado perigoso contrariar um louco, enquanto essas potências (ou uma delas) não tiver um superior interesse em eliminar o statu quo em Pyongyang, o mais provável é que os Kim e o seu modelo sui generis de stalinismo perdurem.
 
 
P.S. Já depois de ter escrito este post, foi divulgada nova ameaça da Coreia do Norte: após serem conhecidas negociações entre os EUA, a China e a Rússia para novas sanções contra Pyongyang, os Norte-Coreanos ameaçaram romper o Acordo de Armistício que vigora há 60 e que pôs fim à Guerra da Coreia. A consumar-se a ameaça, em termos práticos, a Península da Coreia voltaria a estar em estado de guerra. Note-se que o armistício apenas suspende a guerra e que o seu terminus efectivo só acontece com a assinatura de um acordo de paz.

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