07 março, 2006

A Peaceful Nuclear Explosion

A PEACEFUL NUCLEAR EXPLOSION


Os Estados Unidos e a Índia chegaram a um acordo sobre matéria nuclear.

Sou daqueles que, por regra, não acredita que um mau acordo seja melhor que a ausência de acordo. Este acordo assinado por George W. Bush em New Delhi entra nesta categoria.

Recuando a 1968: é assinado em Washington, Londres e Moscovo o Tratado de Não Proliferação Nuclear (NPT), que hoje integra 188 Estados. Nele se reconhecem como potências nucleares legítimas os 5 detentores conhecidos de armas nucleares à época: EUA, URSS, Reino Unido, França e China. Estes comprometiam-se a caminhar gradualmente no sentido do desarmamento nuclear e os restantes comprometiam-se a nunca desenvolver esforços no sentido de construir ou possuir este tipo de armamento. Entre os (poucos) não signatários encontram-se a Índia, o Paquistão e Israel.

Avançando 6 anos: em 1974, a Índia torna-se o 6º país a fazer explodir um engenho nuclear, violando acordos sobre o uso pacífico de fornecimentos de um reactor e de água pesada com o Canadá e os EUA, respectivamente. A Índia definiu a explosão como sendo uma “peaceful nuclear explosion”.

Baseado no que já se sabe sobre este acordo, a Índia colocará 14 das suas 22 centrais nucleares sob inspecção internacional, separando os seus programas civil e militar. Em contrapartida, os EUA reconhecem-lhe o estatuto nuclear e deixam de tratar a Índia como uma potência nuclear clandestina.

Isto significa, entre outras coisas, que a Índia começará a adquirir tecnologia e matérias primas para a sua indústria nuclear, libertando os seus escassos recursos endógenos de urânio exclusivamente para o programa militar. Pior do que isso, a Índia não assume qualquer compromisso de limitar o crescimento do seu arsenal nuclear, prevendo-se que o possa incrementar ao ritmo de 50 ogivas/ano.

À luz da teoria Realista das Relações Internacionais, compreende-se perfeitamente a decisão de Washington em avançar nesta direcção: a Índia representa um mercado de 900 milhões de pessoas e é, possivelmente, a economia emergente com maior potencial de afirmação no século XXI. Por outro lado, admitindo que a China representa o maior desafio geoestratégico que se coloca aos EUA num horizonte previsível, a Índia constituiria, pelas suas dimensão e localização, o mais efectivo contra-poder à ascensão de Pequim; ironicamente, e do ponto de vista dos EUA, a Índia estaria para a China assim como esta esteve para a União Soviética desde meados dos anos 70 até 1991.

No entanto, tendo em conta os objectivos de não-proliferação nuclear que os EUA perseguem desde 1968 e com renovado ímpeto desde a Guerra do Golfo de 1991, não se compreende como é que se abre a porta do clube nuclear a um país que sempre se pôs à margem dos tratados internacionais nesta área, que tem um historial de risco na sua relação conflituosa com o Paquistão e que se reserva o direito de manter 1/3 das centrais nucleares isentas de inspecção, de continuar a produzir material para bombas (ao contrário das 5 potências nucleares) e a assinar o Tratado de Proibição de Testes Nucleares (Comprehensive Test Ban Treaty), que as mesmas 5 assinaram.

Num período em que os EUA, o Reino Unido, a França e Alemanha se batem para travar o programa nuclear do Irão e as conversações sobre o mesmo tema com a Coreia do Norte estão num impasse, este acordo estabelece dois precedentes perigosos:

1- Incentiva países que têm ou consideram desenvolver programas nucleares com fins militares a avançar e a resistir à pressão internacional.
2- Poderá gerar comportamentos semelhantes por parte de outras potências do “Grupo dos 5”. Imagine-se o que Washington diria se Pequim e Moscovo fizessem o mesmo em relação a Islamabad e a Teerão, respectivamente?

Como não me parece que os alvos de uma eventual explosão nuclear se sintam confortados pelo facto de esta ser “peaceful”, resta-nos esperar que, em ano eleitoral, o Senado dos Estados Unidos não ratifique o Tratado e o Congresso não aprove as alterações legislativas requeridas pelo seu articulado. Se há coisa que o mundo dispensa é que se abra mais as malhas do sistema de não proliferação.

1 comentário:

Anónimo disse...

Merecia um comentário o facto da Rússia ter assinado um acordo de fornecimento de urânio à India logo nos dias a seguir a este acordo entre a Índia e os EUA.

Dá a ideia de que a Índia vai aproveitar ao máximo a sua posição estratégica como contraposição à China. E apostar numa certa ambiguidade em relação aos aliados, para tirar o máximo proveito de uns e outros.