QUEM MANDA NO IRAQUE?
A actual distribuição geográfica de forças.
Note-se que as milícias xiitas e o Exército Iraquiano estão representadas
conjuntamente.
As milícias
xiitas e as milícias curdas (vulgo, peshmerga) têm assumido o protagonismo no
combate ao Estado Islâmico. Estas no Norte e aquelas progredindo de Sul para
Norte.
Se pensarmos que
o outro protagonista é a dita coligação liderada pelos Estados Unidos actuando
a partir dos céus do Iraque, o elemento em falta é…o Exército Iraquiano. Isto
são más notícias, basicamente por 3 ordens de razões:
1- Significa que o Estado Iraquiano continua incapaz de conter, repelir e
derrotar um movimento insurgente, neste caso o Estado Islâmico. Daqui
decorre que o Iraque não consegue desempenhar uma das funções nucleares da
soberania que é a defesa do país, dos cidadãos e do próprio Estado.
As consequências
são a derrota militar (ver o “Buraco
Negro da 2ª Divisão” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/06/buraco-negro-da-2-divisao.html)
e a adjudicação a terceiros da função militar que deveria caber ao Estado.
Fazer o outsourcing da defesa da própria integridade territorial não é uma boa
ideia, porque se paga caro.
2- Significa que o Governo do Iraque está dependente das milícias curdas
que pertencem ao Governo Regional Curdo (KRG) que tem tomado um sem número de
iniciativas conducentes a uma eventual independência. Tenta, com limitado
sucesso, exportar petróleo à revelia do Estado, apropria-se de Kirkuk e dos
respectivos poços petrolíferos à revelia de Bagdad, recebe apoio militar
estrangeiro com a resignação de Bagdad e conta com o apoio da Turquia nestas
démarches soberanistas.
Resumindo, para
reverter os ganhos do Estado Islâmico que criou um novo Estado em territórios
que pertenciam ao Iraque e à Síria, o Governo do Iraque está a dar força, poder
e margem de manobra a um grupo político-militar que pugna abertamente pela
secessão de um Curdistão alargado do Iraque.
3- Significa que grande
parte do esforço bélico contra o Estado Islâmico está entregue a milícias
xiitas, como a
Organização Badr, o Asaib Ahl Al-Haq, ou o Kitaeb Hezbollah. Para se ter uma
ideia mais precisa da dimensão do problema, o contingente agregado das várias milícias está estimado em
100.000-120.000 homens armados. O Exército (?) Iraquiano, que em Junho de 2014
tinha (nominalmente) 200.000 soldados, está hoje reduzido a 48.000!!!
Como se não fosse
grave estar dependente de milícias, esta dependência está longe de ser mútua,
já que as principais milícias xiitas são principalmente apoiadas, financiadas,
treinadas e armadas pelo…Irão. O Comandante do Corpo de Guardas da Revolução
(IRGC), General Qassem Suleimani, e outros oficiais visitam regularmente as
linhas da frente. O próprio coordenador das milícias no Governo Iraquiano foi
oficial do IRGC.
Ou seja, a
campanha contra o Estado Islâmico está a dar a Teerão a oportunidade para
acentuar a sua hegemonia sobre o Iraque.
4- Significa ainda,
noutro plano, que a campanha aérea gizada pelos Estados Unidos é um erro
crasso, pois está a abrir o caminho para o reforço do poder tutelar iraniano
sobre o Iraque. Há analistas
norte-americanos que alertam que esta situação poderá desaguar na derrota do
Estado Islâmico acompanhada na perda do Iraque para o Irão. É uma ingenuidade
tremenda. Pelo menos desde 2011 que o Iraque está na órbita do Irão. Bagdad só
recorreu a Washington em desespero de causa quando viu o território fugir-lhe
para o Estado Islâmico.
A situação no
terreno só vem reforçar a pertinência do que foi defendido em Tempos
Interessantes em Junho de 2014:
a não intervenção dos EUA contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque
(ver “Geopolítica Passiva ou Dynamic Balance
of Power” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/06/geopolitica-passiva-ou-dynamic-balance.html ). Aí se dizia: O
Irão tem de aguentar sozinho os regimes de Damasco e Bagdad. São satélites de
Teerão, são problemas de Ali Khamenei e de Rouhani; que os resolvam. Tal vai
custar-hes tempo, dinheiro e recursos militares. Vai levar tempo. E pode não
resultar.
Finalmente, outra
consequência do protagonismo das milícias xiitas em prejuízo do exército
nacional, é a brutalidade com que tratam as povoações e as populações sunitas
que se atravessam no seu caminho: saques, destruição e execuções em massa.
Obviamente, como
já foi salientado em Tempos Interessantes (ver “Who Are the Bad Guys?” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/11/v-behaviorurldefaultvmlo.html ) a actuação destas
milícias arrisca afastar os Sunitas ainda mais de Bagdad e lança-los nos braços
do Estado Islâmico.
Sinais dos tempos: Ayatollahs Khomeini e Khamenei na Praça
Firdaus onde dantes estava a estátua de Saddam Hussein.
in “The Washington Post” em http://www.washingtonpost.com/blogs/worldviews/wp/2015/02/17/where-saddams-statue-once-stood-in-baghdad-theres-now-a-portrait-of-irans-first-supreme-leader/
No plano geopolítico,
os EUA estão a fazer o trabalho do Irão e para o Irão. Se se quiser apurar quem
manda no Iraque hoje, recomendo uma visita à praça de Bagdad onde os US Marines
derrubaram uma enorme estátua de Saddam Hussein em 2003. Verão enormes outdoors
de propaganda às milícias xiitas e retratos dos ayatollahs Ruhollah Khomeini e
Ali Khamenei: O anterior e o actual líderes supremos do Irão.