OS NOVOS FUNDAMENTALISMOS
Regresso aos planos do Governo relativamente ao tabaco. Mais concretamente, à intenção (decisão?) de colocar fotografias com cadáveres e órgãos humanos deteriorados pelo consumo do tabaco.
É inacreditável! Eu sei que a ideia partiu da Comissão Europeia, o que não a torna necessariamente recomendável, mas que o Governo de Portugal considere expor os cidadãos (menores incluídos, porque eles também vêm os maços de cigarros) a imagens chocantes de forma gratuita leva-nos para o plano do fundamentalismo mais exacerbado e, como todos os fundamentalismos, este é perigoso.
O Estado não tem o direito de agredir desta forma gráfica os cidadãos que estão a exercer o direito de fumar um cigarro. Se entende que o tabaco é tão perigoso que carece de medidas tão restritivas, que tenha a coragem de o proibir. Já agora, o Governo podia colocar cartazes com estropiados do asfalto nas montras dos stands de automóveis, umas fotografias de vítimas de AVC nas portas dos talhos, talvez uma versão actualizada do Índex nos escaparates das livrarias, ou até uma tabuleta a dizer “Volto já” nas portas do Parlamento.
Assim, o pobre, indefeso e inimputável cidadão, mesmo que fosse analfabeto, iria sendo paternalmente avisado pelo Estado dos múltiplos perigos em que pode incorrer nas suas tarefas diárias.
No entanto, este neo-moralismo fundamentalista do III Milénio escolhe os alvos da sua ira de forma selectiva, usando o critério do famigerado politicamente correcto (tabaco, globalização, EUA, Reino Unido, Israel, liberalização, fast food, energia nuclear, família, valores tradicionais, automobilistas, são alguns dos alvos predilectos). Simultaneamente, há comportamentos desviantes e até ilegais que são compreendidos, protegidos e até promovidos. Escusado será acrescentar que quem se atrever a criticá-los é um perigoso e intolerante reaccionário. Só falta substituírem o fumo do tabaco nos nossos cafés e restaurantes pelo cheiro do haxixe, ou pelo pozinho da cocaína. Citando Cícero, O tempora, O mores!