RÚSSIA
NA SÍRIA
Pela primeira vez desde a implosão da URSS em 1991, a
Rússia está a executar uma campanha aérea no estrangeiro, concretamente na
Síria.
Um Sukhoi SU-24M procede a um bombardeamento no Norte da Síria.
Exactamente dois anos após o cheque da Rússia a uma
iminente intervenção militar americana na Síria (ver “Cheque Russo” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2013/09/cheque-russo.html
), Vladimir Putin põe novamente em cheque os planos de Washington para a Síria.
A deslocação de um significativo contingente militar
russo para a Síria, o envolvimento da Força Aérea da Rússia no conflito e a
participação de conselheiros militares ao lado do Exército Sírio constituem,
potencialmente, um game changer na Guerra da Síria.
A intervenção russa apanhou de surpresa a maioria dos
intervenientes, nomeadamente os EUA e a Turquia.
Quais são os
objectivos da Rússia?
1- A Rússia pretende ter um papel proeminente na Guerra da Síria
e na respectiva resolução. Para tal, Moscovo vem
desenvolvendo intensa actividade diplomática há mais de um ano. A presença
militar no terreno, torna a participação russa importante e incontornável.
2- A Rússia quer manter influência na Síria pós-Guerra ou, no
caso de o país se desintegrar, manter a presença na região costeira,
nomeadamente em Tartus e em Latakia, onde estão presentes a Marinha e a Força
Aérea da Rússia, respectivamente.
3- Um objectivo que é um meio: apoiar o Governo sírio,
permitindo-lhe atingir um grau de consolidação territorial que aumente o poder
negocial de Damasco e, consequentemente, de Moscovo e de Teerão. Esse apoio militar visa não só tornar o território sob controlo
de Al Assad mais defensável e sustentável, como permitir uma base mais viável
para a criação de um estado alawita num cenário pós-Síria.
4- A Rússia também
visa atacar e enfraquecer grupos considerados terroristas que não apenas o
Estado Islâmico. E,
na realidade, tal definição abarca grupos que são directa ou indirectamente,
apoiados pelos EUA, pela Turquia, pela Arábia Saudita e pelo Qatar.
Efeitos práticos:
Ainda é cedo para tirar conclusões, mas é certo que a Rússia e o Irão concertaram
esforços para apoiar ofensivas do Exército Sírio que visam reverter perdas
recentes e atingir os objectivos descritos no ponto 3 supra. Para tal, também
foram mobilizados efectivos Libaneses (Hezbollah) e Iraquianos (várias milícias
como o Kataib Hezbollah).
Certo é, também, que os Estados Unidos se viram confrontados com
uma situação inesperada que lhes tolhe os movimentos militares e, especialmente, políticos. Os Norte-Americanos vêem os Russos fazer aquilo que só eles estão
habituados a fazer: intervir militarmente num país distante sob a égide de
ninguém. Com um twist perverso – os Russos
estão na Síria a pedido do Governo da Síria; os Norte-Americanos estão lá
porque o decidiram ao arrepio da vontade do Governo Sírio. Sim, goste-se ou
deteste-se, o Governo de Bashar Al Assad ainda é o governo reconhecido da
República Árabe da Síria, como Putin fez questão de sublinhar nas Nações
Unidas.
Nestes mapas pode-se constatar a grande diferença do ritmo de sortidas
e ataques aéreos das Forças Aéreas da Rússia e dos Estados Unidos no início de
Outubro.
Finalmente, é certo que a Turquia foi o país que mais ficou a
perder com estes desenvolvimentos: vê o regime que abomina
reforçado e resguardado de uma derrota militar; vê o seu projecto de
estabelecer uma safe zone e no-fly zone na Síria setentrional, sobre a qual
exerceria controlo, praticamente inviabilizado; e vê a milícia curda síria YPD
reforçada e apoiada por Moscovo e Washington. O sonho otomano de Erdogan
está cada vez mais longínquo.
Com uma jogada político-militar rápida, surpreendente e eficaz,
Putin baralhou ainda mais o tabuleiro da Guerra da Síria (e colateralmente a do
Iraque) e acumulou alguns trunfos para o day after da Guerra.
Os resultados aferir-se-ão mais tarde, mas o primeiro
movimento de Putin defendeu o rei (Assad) e lançou a desordem nos adversários.