25 fevereiro, 2011

Perdidos nas Pirâmides

PERDIDOS NAS PIRÂMIDES

Astérix, Obélix e Panomarix perdidos na Pirâmide, in "Astérix e Cleópatra" de Goscinny e Uderzo.


A actuação, ou melhor, a retórica do governo dos EUA durante a vaga de manifestações e revoltas que varre o Médio Oriente e, especialmente, o Norte de África, é um vector, embora periférico, destes eventos que merece alguma análise.

Em 2003, George W. Bush apresentou a promoção da democracia como uma prioridade dos Estados Unidos no Médio Oriente (Freedom Agenda), encarando-a como a melhor estratégia para inverter a ascensão do radicalismo islâmico e de outros totalitarismos. No Iraque, tal foi executado pela força de uma invasão e ocupação militar; no resto da região, a pressão e a persuasão seriam as metodologias adoptadas. O ponto culminante desta política seria o discurso da Secretária de Estado Condoleeza Rice na Universidade Americana do Cairo em 2005, no qual pediu liberdade e democracia para o Médio Oriente: “…Freedom and democracy are the only ideas powerful enough to overcome hatred, decision and violence.”
Como resultado desta pressão pública e privada, Mubarak autorizou as eleições legislativas mais democráticas (leia-se, menos condicionadas) do seu regime, nas quais 20% dos eleitos estavam ligados à Irmandade Muçulmana. No contexto desta política, também o Líbano e a Autoridade Palestiniana realizaram eleições.

Depois de 2006, à medida que a Administração Bush se aproximava do ocaso, que os problemas securitários e sectários no Iraque se adensavam e com a vitória eleitoral do grupo político-terrorista radical Hamas na Palestina, o empenho dos EUA na Freedom Agenda atenuou-se.
O reflexo condicionado de Obama de que o que vem de George W. Bush é negativo, levou-o a romper definitivamente com essa política, abstendo-se de realizar qualquer esforço substantivo de promoção da democracia. Nesse sentido, as declarações de Hillary Clinton sobre os direitos humanos na China, em 2009, e no Bahrein, em 2010, são sintomáticas, reflectindo “what seems to be an intractable piece of the Obama administration’s character: a deeply ingrained resistance to the notion that the United States should publicly shame authoritarian regimes or stand up for the dissidents they persecute.” (Jackson Diehl; “Dangerously silent on human rights”; Washington Post, 03/01/11).
Assim, quando as revoltas irromperam na Tunísia, no Egipto, no Iémen, no Bahrein, na Líbia, a reacção dos EUA foi de apoio ao statu quo, fosse pela voz de Obama, do Vice-Presidente Joe Biden, ou da Secretária de Estado Hillary Clinton. Contudo, gradualmente as revoltas foram adquirindo uma dinâmica imparável e a Administração Obama pareceu perdida.

Por um lado, sofria a pressão interna daqueles que já a haviam criticado por não apoiar as manifestações oposicionistas no Irão, por outro lado, sentia-se vinculada aos governos vigentes e ainda, por outro, começou a sentir que estava a perder o comboio da mudança (change). Suprema ironia!

Seguiram-se uns dias atormentados, em que os EUA pedem, exigem, sugerem uma coisa e o seu contrário, numa sucessão de intervenções que irritaram os governos árabes aliados de Washington e que desagradam também aos manifestantes.

Da desorientação ao ridículo foi um pequeno passo: a Administração Obama tentou passar insistentemente, através dos media, a mensagem de que exerce real influência e até algum controlo sobre os acontecimentos no Egipto. Publicitaram-se contactos, pressões e exigências, canais de comunicação com generais conhecidos e opositores desconhecidos, reuniões permanentes, é até enviado um emissário especial, cuja especialidade permanece desconhecida, engolida na voragem dos acontecimentos.

A realidade é, obviamente, outra. A Administração Obama mais não fez do que um enorme esforço de spinning para convencer a opinião pública norte-americana de que controlava e/ou influenciava o curso dos eventos. Os avanços e recuos do ritmo e dos fluxos dos acontecimentos nas praças do Cairo e de Alexandria demonstram bem a falácia dessa mensagem. O que aconteceu foi determinado, controlado e influenciado pelos equilíbrios de forças no Egipto, principalmente pela determinação dos manifestantes revoltosos, pela neutralidade activa das forças armadas e pela rápida decomposição do regime.

Para os anais do desfasamento entre o discurso e a realidade, deixo a declaração proferida por Hillary Clinton nos finais de Janeiro de 2011: Our assessment is that the Egyptian government is stable and is looking for ways to respond to the legitimate needs and interests of the Egyptian people.”

Menos de 3 semanas depois, Mubarak desapareceu de cena e a velha ordem implodiu. Barack Obama, Joe Biden e Hillary Clinton ainda procuravam a saída da pirâmide onde pareceram estar enclausurados durante toda a crise!


20 fevereiro, 2011

Pearl Jam - "Just Breathe"

PEARL JAM - "JUST BREATHE"

TO ALL MY FRIENDS



This song-post, is dedicated to all my friends, especially the first lines:

Yes I understand that every life must end,
As we sit alone, I know someday we must go,
I’m a lucky man to count on both hands
The ones I love,..

Some folks just have one,
Others they got none, 
Stay with me,..
Let’s just breathe.







17 fevereiro, 2011

The Sick Man of the Middle East

THE SICK MAN
OF THE MIDDLE EAST


A expressão “Sick Man of Europe” designava no século XIX o Império Otomano, potência decadente, arruinada, cujo vasto domínio territorial na Europa entrou em acelerada decomposição até ficar reduzido à Trácia oriental (Constantinopla e pouco mais) à entrada da I Guerra Mundial.

Nos últimos anos, poder-se-ia adaptar a expressão ao Egipto: the Sick man of the Middle East!

 Os manifestantes da Praça Tahrir no Cairo com a bandeira do Egipto, único símbolo presente nas manifestações.
in “THE ECONOMIST” at http://www.economist.com


O regime de Mubarak, na sua 3ª década dava mostras de esgotamento e estagnação: a explosão demográfica não era acompanhada por um crescimento económico suficientemente robusto (estimado em cerca de 7% sustentados) para absorver uma mão-de-obra jovem abundante e crescentemente qualificada. Mesmo o seu poder e influência no Médio Oriente entraram em decadência, gradualmente substituído pelos dois dos três protagonistas não árabes: Irão e Turquia (o terceiro é Israel).

O derrube de Ben Ali e de Hosni Mubarak no Egipto são formidáveis exemplos do poder popular, a exemplo do que noutros tempos foi feito em países como a Polónia. RDA, Checoslováquia, Hungria, Roménia, Filipinas, ou Indonésia. As ditaduras assentam boa parte do seu poder no medo que é inculcado pelas forças de segurança. Esse poder, normalmente é desafiado apenas por alguns mais corajosos que são controlados (ameaçados, presos, torturados, liquidados…). Estima-se em cerca de 5000 os presos políticos no Egipto, o que é um número perfeitamente gerível. O “problema” acontece quando a população, por qualquer motivo, perde o medo e aguenta o impacto dos primeiros actos repressivos. A partir daí, perante manifestações de centenas de milhares de pessoas, não há muito que o poder policial e/ou militar possa fazer. Partindo do princípio de que um colossal banho de sangue não é uma opção, o regime está praticamente condenado.



E agora?

Agora temos as forças egípcias na liderança do país, mas dando rápidos e inequívocos sinais de que a transição para um poder civil e democrático será feita com brevidade.
No entanto, convém temperar o optimismo porque a implantação de um regime democrático sólido tem-se revelado um desafio complicado na região, onde a maioria dos países são ditaduras puras e duras (Síria, Líbia), outras um pouco mais soft (Emiratos Árabes Unidos, Jordânia) e algumas, poucas, democracias conturbadas (Iraque, Líbano). As reais excepções são Israel e a Turquia.

Um dos grandes trunfos que o Egipto tem é de ser um país mono-étnico (95% árabe) e sem conflitos religiosos (85% Muçulmanos Sunitas e 15% Cristãos Coptas). E são precisamente problemas e rivalidades étnicas e/ou religiosas que minam as democracias iraquiana e libanesa.

Não existindo esses potenciais problemas estruturais, restam duas outras possíveis dificuldades:
Uma seria a má condução do processo de transição com eventual apropriação do poder pelos militares (o que é improvável) ou com a construção de um sistema político-constitucional que se venha a revelar disfuncional (resta aguardar e esperar que haja bom senso e simplicidade).

A outra seria a vitória eleitoral de um partido não-democrático que conduzisse o Egipto por caminhos radicais. Esse é um dos riscos da democracia – ou bane os partidos não democráticos, ou aceita o risco de eles poderem triunfar. É óbvio que o risco reside na Irmandade Muçulmana, embora o poder e influência das forças armadas (secularistas até prova em contrário) e a natureza urbana e não religiosa das manifestações que derrubaram o regime, indiciam que mesmo que emerja vitoriosa, a Irmandade Muçulmana poderá ter de adoptar uma postura política bem mais moderada do que, por exemplo, a sua filial palestiniana, o Hamas.



Duas notas finais:


Uma para Hosni Mubarak. Tomou as rédeas do Egipto num momento dificílimo, em 1981, após o assassinato de Anwar Sadat, dois anos depois da paz entre Israel e o Egipto, quando o Egipto tinha sido excluído da Liga Árabe e tinha quase todo o Médio Oriente contra si. Com Mubarak, o Egipto foi um aliado importante dos EUA, mormente na Guerra do Golfo (1991) e na luta contra os extremismos islâmicos. Como acontece habitualmente com os ditadores, Mubarak falhou em dois pontos (para além de não ser democrata): não soube/não quis/não pôde aproveitar o seu poder consolidado para reformar o país e deixar como legado um Egipto mais moderno, desenvolvido e justo; e não soube escolher o timing da saída de cena; assim, não saiu pelo próprio pé, foi despedido com justa causa.

A outra para o Médio Oriente. O Médio Oriente continua em ebulição. Hoje em dia não são só os ratos e os mosquitos que são os veículos do contágio. A Internet e a TV também o são e as viroses podem ser devastadoras. Neste momento, são o Iémen e o Bahrein que estão na linha da frente, com o Irão, Líbia e Argélia logo a seguir. O Iémen é o elo mais fraco. O braço de ferro continua…


07 fevereiro, 2011

Wickedleaks

WICKEDLEAKS


Wicked significa moralmente mau, iníquo, pecador, maldoso. Como aquilo que penso da organização dirigida pelo alegado violador e agressor sexual Assange se enquadra nos significados deste adjectivo, não resisti a fazer o jogo de palavras.

O argumentário da Wickedleaks segundo o qual as suas acções defendem e promovem a liberdade do acesso à informação e o fim dos segredos nos negócios de estado é de uma falsidade e hipocrisia tremendas.

Em primeiro lugar, as suas acções não melhoram o acesso à informação e muito menos porão fim aos segredos de estado, que são necessários e continuarão a existir. Em qualquer esfera da vida social, ninguém é absolutamente transparente. Se toda a gente, organizações e países dissessem tudo aquilo que pensam em determinado momento, viveríamos numa selva de conflitos incontroláveis.
Em segundo lugar, muito daquilo que os documentos revelam é fofoca pura e simples: o que os Americanos dizem de Putin, qual é o nickname de Medvedev, o que pensam de Berlusconi ou Merkel, etc. A diferença entre esta informação e a veiculada pela imprensa do jet set está, fundamentalmente, nos protagonistas. Ora, isto não é informação, é alimentar a curiosidade perversa pela coscuvilhice internacional e diplomática. O que de bom traz à transparência e a Relações Internacionais cordatas é zero. Pelo contrário, ao revelar correspondência reservada, o que poderão conseguir é envenenar as Relações Internacionais e o entendimento entre estadistas e minar a confiança recíproca nos contactos político-diplomáticos.

Por outro lado, revela comunicações, nomeadamente do teatro do Afeganistão, que nada trazem de novo do ponto de vista político e estratégico, mas que revelaram o nome de mais de uma centena de espiões e informadores, para todos os efeitos lançando a eles e às suas famílias uma sentença de morte, por interpostos Taliban ou Al-Qaeda.

O que as acções da Wikileaks mostram, é que se trata de uma organização de índole criminosa que se dedica à espionagem, roubo de documentos confidenciais, suborno e incitamento à traição. Daí que wicked não seja, de facto, um adjectivo mal empregue.

A motivação da Wickedleaks é, portanto, vaidade e promoção pessoal e um indisfarçável anti-americanismo primário de alguém/alguns que sonharam ter o seu momento de reconhecimento global, o que conseguiram e abater a super-potência através de uma nova forma de terrorismo, o que nunca conseguirão.

02 fevereiro, 2011

A Queda de Cartago e o Cairo a Arder



A QUEDA DE CARTAGO
E O CAIRO A ARDER


Os media gostam de falar da “rua árabe”, com isso referindo-se a uma pretensa opinião pública árabe que, frequentemente, não é mais do que o resultado manipulação do regime vigente (vide o caso das caricaturas de Maomé) ou um reflexo condicionado a notícias enviesadas veiculadas por esses mesmos media.


Nas últimas semanas, temos testemunhado, ao vivo e a cores, à explosão da verdadeira “rua árabe”. Enormes manifestações espontâneas de massas, despoletadas na Tunísia por um fenómeno que poderia descrever como o da “gota de água que fez transbordar o copo” e que alastraram, para já, ao Egipto, Iémen e Jordânia, por efeito de contágio e de copycat: Esse contágio, porém, só sucede porque, também nesses países (e noutros) o copo também já está cheio.

E o copo está cheio, porque estes regimes representam soluções falidas, esgotadas, interesseiras, nepotistas, repressivas e autocráticas. Trata-se de países com crescimentos demográficos explosivos, nos quais a economia não é capaz de criar a riqueza e os empregos para acompanhar, minimamente, esse crescimento. E não o faz, em grande medida, porque os regimes, os governos são ineficazes e incompetentes e, acima, de tudo, são extraordinariamente corruptos, roubando a uma escala estratosférica.



O Norte de África e o tempo de duração das actuais lideranças, dos 12 anos de Mohammed VI em Marrocos e de Bouteflika na Argélia, até aos 41 de Khaddafi na Líbia.
in ”The Economist” em http://www.economist.com/  
Ben Ali e o seu clan familiar/mafioso já fugiu no que representou uma simbólica queda de Cartago, mas a velha ordem ainda permanece no poder, corporizada pelo Primeiro-Ministro Mohammed Ghannouchi. O que se vai passar a seguir é uma incógnita, embora acredite que a Tunísia possa evoluir no sentido de uma maior democracia.

Já no Egipto, a equação é mais complexa e as repercussões muito mais significativas, dado tratar-se uma das mais influentes e poderosas nações do Médio Oriente e o país árabe mais populoso.

Penso que o destino de Hosni Mubarak está traçado: chegou ao fim da linha. O movimento de manifestações ganhou uma dinâmica que me parece imparável, acrescendo que conta com a aparente passividade, ou até simpatia, do exército, elemento fundamental em qualquer revolução e pedra angular na manutenção de qualquer poder autocrático. Mubarak tem 3 opções:

* Desencadeia uma repressão violenta das manifestações, o que redundaria num banho de sangue e no seu derrube pelas forças armadas.

* Faz a trouxa e zarpa para outras paragens.

* Segue o curso pelo qual tem optado e vai fazendo sucessivas cedências que também são um sinal de fraqueza e motivam os manifestantes a almejarem o objectivo final, que é a sua destituição.

Resumidamente, Mubarak dura até Setembro, na melhor das hipóteses. O mais provável é cair bem antes disso. As grandes questões que se colocam agora são, portanto, o que será o pós-Mubarak e que consequências é que estes acontecimentos terão no Norte de África e no Médio Oriente.

São duas incógnitas e se soubesse as respostas, provavelmente estaria a falar para a BBC e a dar conferências em New York em vez de estar a escrever no meu blog. De qualquer modo, é óbvio que o Egipto terá de passar por um período transitório que leve à eleição de um novo parlamento que terá a missão de redefinir o sistema político do país. A direcção do país poderia ser assegurada por um militar ou por uma figura consensual ou de índole tecnocrática que não gere anti-corpos. Espero que não seja o oportunista do El-Baradei, que anda claramente à procura de um lugar desde que saiu da Agência Internacional de Energia Atómica, onde se dedicou a proteger as actividades nucleares ilícitas de países como o Irão e a Síria.

Relativamente ao Médio Oriente, não penso que se dê um fenómeno do género Europa/1989, em que os regimes comunistas caíram todos como peças de dominó. No Médio Oriente não há a homogeneidade política e ideológica que existia na Europa Oriental na década de 1980.


As monarquias do Golfo Pérsico estarão relativamente imunes a este movimento porque não padecem dos problemas sócio-económicos que afligem os outros países. Tendo em conta estas realidades mais a situação política e a de regime, eu diria que Argélia, Iémen e Jordânia são os mais vulneráveis, seguidos da Síria e Marrocos.

Contudo, será prudente não esperar que a democracia e a liberdade floresçam no Norte de África e Médio Oriente de um momento para o outro. As condicionantes que entravam este desenlace são muitas. Mesmo noutras áreas do globo, há vários exemplos de entusiásticos movimentos liberalizadores que terminaram de forma desapontadora, como sucedeu na Ucrânia, no Kirguizistão, ou na Geórgia.

Finalmente, é importante salientar a importância geoestratégica e económica da região e o interesse das grandes potências em evitar uma desestabilização excessiva, no tempo e na intensidade, que possa resultar em custos económicos elevados e num eventual envolvimento externo, susceptível de baralhar ainda mais o intrincado xadrez regional.

Afinal, o Egipto é uma potência regional, grande aliado dos EUA, foi o primeiro estado árabe a estabelecer relações diplomáticas com Israel, é encarado como uma garantia de segurança pelas monarquias do Golfo, tem tentado conter a escalada armamentista do Hamas, é um pivot do grupo que contém e contraria o eixo Teerão-Damasco, enfim, é encarado como uma referência de estabilidade, moderação e responsabilidade no instável equilíbrio de forças do Médio Oriente.

Isto significa que uma mudança de regime no Cairo que corresponda a uma mudança da sua política externa e de defesa, tem o potencial para alterar significativamente o xadrez geoestratégico regional. E dificilmente seria para melhor…


Mapa político do Médio Oriente.
in “The Economist” em http://www.economist.com/