A QUEDA DE CARTAGO
E O CAIRO
A ARDER
Os media gostam de falar da “rua árabe”, com isso referindo-se a uma pretensa opinião pública árabe que, frequentemente, não é mais do que o resultado manipulação do regime vigente (vide o caso das caricaturas de Maomé) ou um reflexo condicionado a notícias enviesadas veiculadas por esses mesmos media.
Nas últimas semanas, temos testemunhado, ao vivo e a cores, à explosão da verdadeira “rua árabe”. Enormes manifestações espontâneas de massas, despoletadas na Tunísia por um fenómeno que poderia descrever como o da “gota de água que fez transbordar o copo” e que alastraram, para já, ao Egipto, Iémen e Jordânia, por efeito de contágio e de copycat: Esse contágio, porém, só sucede porque, também nesses países (e noutros) o copo também já está cheio.
E o copo está cheio, porque estes regimes representam soluções falidas, esgotadas, interesseiras, nepotistas, repressivas e autocráticas. Trata-se de países com crescimentos demográficos explosivos, nos quais a economia não é capaz de criar a riqueza e os empregos para acompanhar, minimamente, esse crescimento. E não o faz, em grande medida, porque os regimes, os governos são ineficazes e incompetentes e, acima, de tudo, são extraordinariamente corruptos, roubando a uma escala estratosférica.
O Norte de
África e o tempo de duração das actuais lideranças, dos 12 anos de Mohammed VI
em Marrocos e de Bouteflika na Argélia, até aos 41 de Khaddafi na Líbia.
in ”The
Economist” em http://www.economist.com/
Ben Ali e o seu clan familiar/mafioso já fugiu no que representou uma simbólica queda de Cartago, mas a velha ordem ainda permanece no poder, corporizada pelo Primeiro-Ministro Mohammed Ghannouchi. O que se vai passar a seguir é uma incógnita, embora acredite que a Tunísia possa evoluir no sentido de uma maior democracia.
Já no Egipto, a equação é mais complexa e as repercussões muito mais significativas, dado tratar-se uma das mais influentes e poderosas nações do Médio Oriente e o país árabe mais populoso.
Penso que o destino de Hosni Mubarak está traçado: chegou ao fim da linha. O movimento de manifestações ganhou uma dinâmica que me parece imparável, acrescendo que conta com a aparente passividade, ou até simpatia, do exército, elemento fundamental em qualquer revolução e pedra angular na manutenção de qualquer poder autocrático. Mubarak tem 3 opções:
* Desencadeia uma repressão violenta das manifestações, o que redundaria num banho de sangue e no seu derrube pelas forças armadas.
* Faz a trouxa e zarpa para outras paragens.
* Segue o curso pelo qual tem optado e vai fazendo sucessivas cedências que também são um sinal de fraqueza e motivam os manifestantes a almejarem o objectivo final, que é a sua destituição.
Resumidamente, Mubarak dura até Setembro, na melhor das hipóteses. O mais provável é cair bem antes disso. As grandes questões que se colocam agora são, portanto, o que será o pós-Mubarak e que consequências é que estes acontecimentos terão no Norte de África e no Médio Oriente.
São duas incógnitas e se soubesse as respostas, provavelmente estaria a falar para a BBC e a dar conferências em New York em vez de estar a escrever no meu blog. De qualquer modo, é óbvio que o Egipto terá de passar por um período transitório que leve à eleição de um novo parlamento que terá a missão de redefinir o sistema político do país. A direcção do país poderia ser assegurada por um militar ou por uma figura consensual ou de índole tecnocrática que não gere anti-corpos. Espero que não seja o oportunista do El-Baradei, que anda claramente à procura de um lugar desde que saiu da Agência Internacional de Energia Atómica, onde se dedicou a proteger as actividades nucleares ilícitas de países como o Irão e a Síria.
Relativamente ao Médio Oriente, não penso que se dê um fenómeno do género Europa/1989, em que os regimes comunistas caíram todos como peças de dominó. No Médio Oriente não há a homogeneidade política e ideológica que existia na Europa Oriental na década de 1980.
As monarquias do Golfo Pérsico estarão relativamente imunes a este movimento porque não padecem dos problemas sócio-económicos que afligem os outros países. Tendo em conta estas realidades mais a situação política e a de regime, eu diria que Argélia, Iémen e Jordânia são os mais vulneráveis, seguidos da Síria e Marrocos.
Contudo, será prudente não esperar que a democracia e a liberdade floresçam no Norte de África e Médio Oriente de um momento para o outro. As condicionantes que entravam este desenlace são muitas. Mesmo noutras áreas do globo, há vários exemplos de entusiásticos movimentos liberalizadores que terminaram de forma desapontadora, como sucedeu na Ucrânia, no Kirguizistão, ou na Geórgia.
Finalmente, é importante salientar a importância geoestratégica e económica da região e o interesse das grandes potências em evitar uma desestabilização excessiva, no tempo e na intensidade, que possa resultar em custos económicos elevados e num eventual envolvimento externo, susceptível de baralhar ainda mais o intrincado xadrez regional.
Afinal, o Egipto é uma potência regional, grande aliado dos EUA, foi o primeiro estado árabe a estabelecer relações diplomáticas com Israel, é encarado como uma garantia de segurança pelas monarquias do Golfo, tem tentado conter a escalada armamentista do Hamas, é um pivot do grupo que contém e contraria o eixo Teerão-Damasco, enfim, é encarado como uma referência de estabilidade, moderação e responsabilidade no instável equilíbrio de forças do Médio Oriente.
Isto significa que uma mudança de regime no Cairo que corresponda a uma mudança da sua política externa e de defesa, tem o potencial para alterar significativamente o xadrez geoestratégico regional. E dificilmente seria para melhor…
12 comentários:
Interessante post este sim senhor.
No entanto não estou certo quanto a uma dita nova ordem ser melhor para o povo do Egipto,depende muito claro está,de que nova ordem estamos a falar.
www.novaordemmundial.blogspot.com
Caro professor
Realmente tudo “parece” cair como um baralho de cartas.
Pergunto-me para que lado?
Não abono que seja na via de uma Democracia.
Mas, se nas mãos erradas, com o afundamento de 3 ou 4 navios no canal que fará a liderança da Comunidade Europeia e os EUA? Voltamos à rota do cabo?
Não sejamos optimistas nem pessimistas, nada de bom vira certamente.
Alberto Martins
Há que continuar o excelente trabalho com o blog professor.
Excelente post.
Cumps
Rui Sá
Caro Anónimo,
Eu também não estou certo que os Egípcios vão para melhor, mas não os censuro por tentarem. Quanto à nova ordem mundial, é algo ainda muito nebuloso, mas também tenho as maiores dúvidas de que seja agradável.
P.S. Segui o seu link e não encontrei nada...
Caro Alberto,
Boa pergunta. Acho que ninguém sabe ao certo. endo em conta os antecedentes regionais, é melhor não esperar um estado muito estável, harmonioso,d emocrático e justo. Apetece repetir aquele dito popular: "Para melhor está bem, está bem. Para pior, já basta assim!!!"
Obrigado Rui Pedro! É sempre bom receber um incentivo :-) E ter visitas e comentários é o melhor incentivo que posso ter!
Valeu professor sabias palavras!!!
As hesitações e a dificuldade de Obama e das potências ocidentais a alinharem-se mais rapidamente, desde o inicio das revoltas, ao lado dos povos da Tunísia e do Egipto, é devido ao facto que as coligações das forças políticas e sociais por trás destas revoluções pode ser, amanha, uma ameaça mais perigosa para o nosso “sistema global” que Al Qaeda e todos os djihadistas do Afeganistão, do Paquistão e do Iemen.
Serão 300 milhões de Árabes em movimento que dirão « basta ».
E eles têm razão de dizer, “basta”, estes “harraguas” que preferem morrer no mar duma vez só, que morrer aos bocadinhos, a fogo lento, nas sociedades miseráveis, injustas , onde devem viver com dois euros por dia, estes “harraguas” que partem à procura dos “eldorados” que barricadam as fronteiras, porque têm problemas quase idênticos em casa, também, “harraguadas” que são expulsos para o pais de origem e vão direitinhos para a prisão.
Estes povos, que saíram da apatia e do coma profundo de dezenas de anos, surpreenderam todos os grandes analistas políticos.
Esperemos que não conservem na memória muito tempo ainda, a imagem dos leaders dos nossos países ocidentais , graças aos quais os déspotas se mantiveram no poder tanto tempo, por razoes sobejamente conhecidas de geopolitica, que ainda há pouco tempo faziam discursos como este do Presidente Sarkozy:
“ Gostaria de dizer ao Presidente Moubarak toda a nossa apreciação da sua experiência, da sua sagacidade e da visão que é a sua sobre o Egipto, e que é para a França um partenaire essencial e o Presidente Moubarak é para nos um amigo.. Sempre costumo tomar as minhas responsabilidades, apoio um governo que luta contra o terrorismo(...).N. Sarkozy, Cairo, Dezembro 2007.”
Só que Sarkozy esqueceu de mencionar as prisões abarrotadas de oponentes ao regime e a miséria crassa do povo Egípcio.
Freitas¨Pereira
Obrigado Severino.
Claro que não encontrou,por que é novadesordemmundial.blogspot e não novaordem,erro meu.
Pois é Sr. Freitas Pereira, o equilíbrio entre os interesses geopolíticos e a defesa do ideário democrático é um número de grande risco e não são poucos os "artistas" que se "espalham ao comprido", vide administração norte-americana...
Você realmente leu o que falaste...
Fora toda essa palhaçada de religião otária que cobra Vidas!
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