25 março, 2008

Fisco Fascizante

FISCO FASCIZANTE

Já aqui escrevi sobre o furor controlador e anti-liberal do actual governo. Confesso que subestimei a deriva totalitária que se vai insinuando em Portugal.

Ao director distrital das finanças de Viseu, foi cometido o objectivo de angariar 24 milhões de euros em impostos em dívida durante 2008. Talvez com o fito de ganhar o prémio de apparatchik do ano, o Sr. Santos (o dito director) propôs-se atingir os 30 milhões de euros. Para tal, decidiu lançar-se numa intolerável invasão da vida privada dos jovens noivos de Viseu, indagando ao pormenor sobre os detalhes financeiros dos respectivos casamentos e ameaçando os noivos com pesadas multas caso não satisfaçam a sua coscuvilhice fiscal.

1- O Sr. Santos tem o dever de cobrar as dívidas fiscais.
2- O Sr. Santos (nem ninguém) não tem o direito de arregimentar os cidadãos para fazer o trabalho que a ele e aos seus subordinados comete.
3- O Sr. Santos e quem lhe dá cobertura, deviam ser processados por devassa da vida privada dos cidadãos e ameaças injustificadas.

Eu tenho todo o interesse em que o valor dos impostos cobrados se aproxime o mais possível dos 100%, embora não tenha ilusões que disso resulte qualquer alívio na minha carga fiscal.

Todavia, rejeito liminarmente que o fisco tenha uma actuação de tipo fascizante, actuando como um bully perante cidadãos desprotegidos, espiando, bisbilhotando, incitando à denúncia e reduzindo aqueles que era suposto servir (os cidadãos), ao papel de vítimas acossadas e amedrontadas.

É tempo de os Portugueses despertarem para a gradual erosão de liberdades e direitos que vão sofrendo. Como é habitual nestes casos, se esperam que a desgraça bata à porta, poderá ser tarde de mais.

22 março, 2008

O Vespeiro Balcânico


VESPEIRO BALCÂNICO


A manta de retalhos da ex-Jugoslávia.
in “The Economist” em www.economist.com


A declaração unilateral de independência do Kosovo por um dos antigos líderes do grupo terrorista UCK e o subsequente reconhecimento por parte de vários países ocidentais, incluindo as principais potências (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França e Itália, constituiu mais um acto da feroz discriminação anti-sérvia que tem dominado a política ocidental nos Balcãs desde a Guerra do Kosovo de 1999.

Confesso que tenho dificuldade em compreender as razões que subjazem a este comportamento. Interesses económicos? Não existem. Razões estratégicas? Não as consigo discernir, especialmente quando a NATO já está implantada na região (Hungria, Roménia, Bulgária, Grécia), não faltando aliados, bases e pontos de apoio no Sudeste da Europa. Afrontamento à Rússia? Parece-me muito trabalho para alcançar tão pouco quando há acções e políticas que conseguem irritar Moscovo muito mais. Cegueira? Talvez. O certo é que a Sérvia expansionista, belicosa e perigosa dos anos 90 já desapareceu há muito. O cerco e castigo, esses continuam.

O que o Ocidente acaba de criar nos Balcãs é mais um estado artificial, inviável, tal como a Bósnia-Herzegovina (BiH), e ainda por cima, ilegal (vide Resolução do Conselho de Segurança da ONU nº 1244/99).

Atropelou-se o princípio de que as fronteiras das Repúblicas da antiga Jugoslávia eram invioláveis e que justificou (?) a manutenção do quadro multi-étnico da BiH (40% Bosníaca-Muçulmana, 31% Sérvia e 17% Croata). O argumento de que não se podia recompensar os actos de limpeza étnica caiu por terra num Kosovo claramente albanizado após 1999.

Sendo que uma reversão da independência se apresenta como uma utopia e não sendo de esperar que Belgrado e Moscovo tomem as posições de força que a situação justificava, qual é o quadro que temos diante de nós e que caminho deve ser seguido, sendo líquido que qualquer opção gerará sempre mais descontentes do que apoiantes?

Em primeiro lugar, temos uma Caixa de Pandora autonómica aberta que dará lugar (assim queiram interessados poderosos) a várias outras independências nos Balcãs, Cáucaso e, eventualmente noutras insuspeitas regiões (África?). À cabeça desta lista encontram-se a República Srspka na BiH, a Ossétia do Sul e a Abkázia na Geórgia e a Transdniestria na Moldova. Eu até diria que é um pouco surpreendente que a primeira não tenha já enveredado pelo mesmo caminho do Kosovo. Seria, do ponto de vista da Sérvia, uma das melhores formas de atrapalhar os planos das principais potências ocidentais na região.

Em segundo lugar, assistimos ao alastramento do anacronismo dos protectorados no Sudeste da Europa, com a agravante de estes (BiH e Kosovo) serem tendencialmente permanentes, dado que não se perspectiva que qualquer destes estados venha a ter viabilidade económica para subsistir, que a sua capacidade para garantir a coesão e segurança interna é muito duvidosa e que o seu histórico nacional é inexistente.

Com os fluxos e refluxos das Relações Internacionais e da política interna dos estados, nada garante que dentro de poucos anos a disponibilidade política, militar e financeira dos protectores desvaneça perante outros desafios, interesses ou ameaças. E então? Quem fica com a batata quente? Os locais que, a julgar pela História recente e mais remota, tenderão a fazer os seus ajustes de contas da forma tradicional. Aí teremos os Balcãs a ferro e fogo, as potências alarmadas, coagidas a acorrer a apagar os fogos e recomeçamos o mesmo ciclo mais uma vez.

O caminho a seguir é estreito, mas o mais lógico e justo seria assumir a incompatibilidade da coexistência de certas etnias/religiões no mesmo estado e enveredar pela divisão da Bósnia-Herzegovina e do Kosovo. Naquele caso, poderia ser através da criação de dois ou três estados (todos eles fracos e dependentes) ou a incorporação da zona sérvia (e eventualmente da zona croata) na Sérvia (e na Croácia). No último caso, a solução óbvia é fazer o detachment do norte do Kosovo, incluindo Mitrovica a norte do Ibar na Sérvia.

Sei que, no caso da Bósnia-Herzegovina, tal se apresentaria como sendo muito difícil tendo em conta os antecedentes da Guerra de 1992/95, mas tem de se reflectir sobre 13 anos de paz em que não foi possível obter uma verdadeira reconciliação e integração das comunidades bosníaca e sérvia. No caso do Kosovo, seria a forma mais fácil de esvaziar a tensão existente, de reduzir a sensação de injustiça e de dualidade de critérios e de trazer paz à região, salvando a face das duas partes envolvidas.

Não tenho ilusões acerca da viabilidade destas propostas. A hipocrisia e cobardia dominantes nas chancelarias europeias não dão lugar à esperança de que haja iniciativas corajosas que rompam o statu quo pantanoso da política ocidental para os Balcãs. Até o vespeiro ganhar vida outra vez.



18 março, 2008

Os TTT da China

OS TTT DA CHINA

Bandeira do Tibete
 
Há bastantes anos atrás (demasiados anos, diria), frequentava eu o curso de Relações Internacionais na Universidade do Minho quando o embaixador da República Popular da China (RPC) foi proferir uma conferência à Universidade.

Chegados ao período de perguntas e respostas, pedi a palavra e coloquei três questões: a 1ª sobre Hong Kong e Macau, a 2ª sobre Taiwan e a 3ª sobre o Tibete. A evolução do embaixador foi do incómodo à irritação até a quase apoplexia.

A conferência terminou pouco depois e o diplomata saiu com cara de poucos amigos, quiçá lamentando não estarmos em Xangai para me ser dado o tratamento devido à minha impertinência.

Na realidade, havia tocado nos pontos fracos da RPC que subjaziam, particularmente os dois últimos, ao expansionismo agressivo de Pequim. Concomitantemente, eram os assuntos cuja abordagem mais irritação causava ao Governo Chinês (pouco tempo depois juntar-se-ia o massacre de Tiananmen à lista), que os considerava uma inaceitável ingerência nos assuntos internos da China.

Perto de vinte anos volvidos, os 3TTT – Tibete, Taiwan e Tiananmen continuam por resolver. Destes, o Tibete será, porventura, o mais dramático: invadido, ocupado e anexado em 1959, oprimido e colonizado desde então, é vítima de uma agressão gratuita e de um etnocídio implacável, resultado da submersão demográfica, cultural, política e económica do Tibete pela etnia Han, maioritária na China.

A revolta dos Tibetanos que se desenrolou nos últimos dias é um acontecimento notável pela dimensão que teve e pela coragem que implicou o desafio à autoridade de um estado totalitário.

O timing até é favorável: a realização dos Jogos Olímpicos em Pequim dentro de 5 meses, tem refreado os ímpetos mais repressivos e brutais das autoridades chinesas. Afinal de contas, é uma maçada vir lembrar ao mundo que, pela 3ª vez desde 1896, os Jogos Olímpicos vão ser organizados por uma ditadura e a companhia não é muito agradável – a Alemanha nazi em 1936 e a URSS em 1980.

Contudo, ultrapassada a crise com mais ou menos força, o estatuto do Tibete permanecerá inalterável. Enquanto o T de Tiananmen não tiver uma solução satisfatória, os restantes TT continuarão na mira de milhares de mísseis, no caso de Taiwan, e a ser lentamente asfixiados, no caso do Tibete.

10 março, 2008

Eram Mais Que Muitos

ERAM MAIS QUE MUITOS

100.000 Professores no Terreiro do Paço, Lisboa
Imagem retirada do site da FENPROF -
http://www.fenprof.pt/
100.000 Professores unidos, provenientes de todo o país, manifestando-se em Lisboa contra políticas de educação, contra a Ministra da Educação e o Governo e a favor da dignidade da classe, foi uma demonstração de força e união verdadeiramente surpreendente. Afinal, trata-se de cerca de 2/3 de todos os professores e cerca de 1% da população portuguesa que se desloca a Lisboa, num dia de folga, para fazer valer os seus direitos.

Os Professores são uma classe que tem um trabalho árduo, pouco reconhecido e de enorme responsabilidade e que é (ou devia ser) central na concepção de uma política de educação. A Ministra assumiu que preferia descartar os Professores e “ganhar para o seu lado” os pais e os alunos. Erro crasso. Eu sou pai e acho tal abordagem desprezível e errada. Os alunos são o objecto da educação e os Professores são o instrumento executor; sem uns e/ou sem os outros, nada de válido e sustentável será expectável num sector estratégico para o futuro de Portugal.

O Governo pode estrebuchar e desvalorizar, mas não há volta a dar: os Professores na Baixa de Lisboa eram mais que muitos, conscientes, determinados e colocaram em cheque a marcha da política de Lurdes Rodrigues. Para além disso, os Portugueses assistiram ao maior desafio público feito a um governo em muitos anos. Se a cegueira não reina em S. Bento, deve haver muitas luzes amarelas a acender no inner circle governativo.

100.000 Professores na Avenida da Liberdade, Lisboa
Imagem retirada do site da FENPROF - http://www.fenprof.pt/


P.S. O Comissário Político Santos Silva teve mais uma prestação miserável perante as câmaras de televisão e os microfones das rádios: o PS tem o exclusivo da luta democrática em Portugal, Chaves é um reduto de comunistas empedernidos, os manifestantes que protestam contra a Ministra da Educação por todo o país são uma grave ameaça à Democracia e às liberdades de expressão e de reunião.

Como não estamos no III Reich nem na URSS, o Comissário Político é mais ridículo do que perigoso, mas a prudência aconselha-nos a não menosprezar os tiranetes intolerantes, mesmo quando eles parecem inofensivos. O lamentável papel que foi dado à PSP é um sinal de tempos pouco interessantes.

01 março, 2008

O Irascível

O IRASCÍVEL

Recentemente, José Sócrates insurgiu-se (mais uma vez) contra um grupo de Portugueses que manifestavam a sua revolta por políticas do Governo.

Eu sei que é déjà vu e que a criatura se revolta contra os criadores, no sentido em que se pode considerar que foram os Portugueses (uma parcela significativa deles) que fizeram de José Sócrates Primeiro-Ministro.

Também é verdade que ninguém, com a possível excepção dos árbitros, gosta de ser apupado, vaiado e criticado, e muito menos sê-lo por centenas ou milhares de pessoas, na via pública e live on TV.

Contudo, José Sócrates foi eleito para servir os Portugueses, o que inclui prestar-lhes contas e ouvir as críticas e protestos quando estes (ou parte deles) não estão satisfeitos. Se o objectivo era só ouvir loas e receber vénias e salamaleques, podia tentar a sorte na Coreia do Norte ou na Birmânia.

Não é admissível que Sócrates se abespinhe todo e perca a compostura quando os protestos se fazem ouvir, que insulte os manifestantes e lhes mova constantemente processos de intenção capciosos. José Sócrates tem de perceber que não é o Querido Líder e que o direito à crítica, ao protesto e à manifestação são direitos inalienáveis num estado democrático.

Se não tem feitio, tolerância ou, simplesmente, pachorra, tem bom caminho: a porta é serventia da casa.