OBITUÁRIO 2011
AS PERDAS
VACLAV HAVEL (1936-2011) – Checoslováquia/Rep. Checa
Vaclav Havel aclamado por 300.000 Checoslovacos na Praça Wenceslas em Praga, em Dezembro de 1989.
Vaclav Havel foi um dramaturgo de estatuto mediano. Porém, foi o drama da sua vida real e a forma como conduziu a sua actividade cívica e política que o catapultou para a consagração interna e a projecção externa. Dentre os opositores dos regimes comunistas do Bloco de Leste, só Lech Walesa da Polónia atingiu fama e prestígio comparáveis.
No seu ensaio “The Power of the Powerless”, Havel considerava que os regimes comunistas assentavam numa farsa que a iconografia, o controle policial e o comportamento submisso e cooperante dos cidadãos viabilizava. A negação desses rituais em troca de uma vida e de uma postura de verdade, teria o impacto de desmascarar e desarmar o regime; um pouco como a história do “Rei Vai Nu”! Viver na verdade era um imperativo ético que teria custos, mas que em última análise contribuiria para o esboroar do regime, tal como o fizeram Lech Walesa na Polónia, Alexander Solzhenitsyn na URSS e João Paulo II com uma maior abrangência.
Em 1989 foi a referência liderante da Revolução de Veludo, que em poucas semanas levou o repressivo regime comunista checoslovaco à implosão. Em Outubro de 1989, Havel foi preso. Dois meses depois era Presidente da Checoslováquia. Mesmo enquanto Presidente, continuou a bater-se pela vivência da verdade e pela importância de se ter e praticar valores éticos.
Num tempo em que a mentira, a hipocrisia e a cobardia prevalecem, os ensinamentos de Vaclav Havel continuam a ser muito actuais e pertinentes.
STEVE JOBS (1955-2011) – Estados Unidos
Steve Jobs com o i Pod em 2005.
Não sendo, longe disso, a pessoa mais habilitada a escrever sobre Steve Jobs, não posso deixar de reconhecer a sua criatividade e o seu sentido empresarial, que o levaram a criar dos mais sofistificados bens de consumo com um design atraente, que fizeram com que um simples computador ou telemóvel, se tornasse um fashion statement.
Não esqueço que aprendi a utilizar um computador com um Macintosh, escapando assim à desdita de trabalhar em MS Dos, nem os momentos de prazer de que desfruto com o meu i Pod.
Desk tops e lap tops lindos, i Pods, i Pads, i Phones, tablets, produtos e conceitos que fazem parte da essência do que foi o final do milénio passado e, especialmente, do que é o mundo de hoje.
Good job, Jobs!!!
AMY WINEHOUSE (1983-2011) – Reino Unido
Amy Winehouse
Também não sou um expert em música, mas gostava muito de Amy Winehouse: voz poderosa, criativa, multifacetada, é das músicas que me dá prazer ouvir. Como muitos outros génios da música, a genialidade vivia lado a lado com as sementes da auto-destruição. Tal como Havel e Jobs, também Amy Winehouse (cruel ironia este nome) viverá para além da sua partida. Deixo aqui a minha música favorita como uma pequena homenagem: Back to Black.
Back in Black
OS GANHOS
OSAMA BIN LADEN (1957-2011) – Arábia Saudita*
Bin Laden in hell with the devil.
Osama Bin Laden era o principal criminoso à solta no mundo. Em Maio, o mundo ficou um pouco melhor depois de ter sido abatido por uma equipa de Navy Seals (forças especiais) dos Estados Unidos, no seu refúgio em Abbotabad, no Paquistão. Sobre isso publiquei um post intitulado “A Morte da Besta”, cujo link é http://tempos-interessantes.blogspot.com/2011/05/morte-da-besta.html).
Acabava assim uma longa caça de 9 anos ao homem para quem tudo valia para aniquilar o Ocidente e Israel e impor uma versão troglodita do Islão.
Como já em Maio escrevemos, mais do que decapitar a capacidade organizacional e operacional de uma Al Qaeda visivelmente enfraquecida, liquidou-se um símbolo do jihadismo irredentista e, na medida do possível, acertaram-se as contas do 11 de Setembro. Para muitos, fez-se justiça. A Besta encontrou o seu destino.
KIM JONG IL (1941-2011) – Coreia do Norte
Kim Jong Il começou por ser o herdeiro inseguro do todo poderoso Kim Il Sung, fundador da Coreia do Norte. Após 17 anos de liderança, tornou-se no homem que conduziu a Coreia do Norte à condição de 9ª potência nuclear do mundo.
O seu aspecto, somado às suas atitudes e políticas, valeram-lhe a reputação de ditador lunático, errático e irracional. Na realidade, de irracional tinha pouco: contemporizou quando precisou de auxílio económico, energético e alimentar, ameaçou quando queria chamar a atenção das grandes potências, fez dois testes nucleares, testou inúmeros mísseis balísticos, fez ataques contra tropas da Coreia do Sul para obrigar as potências a levá-lo a sério e a ceder às suas pretensões.
Tudo isto não invalida que a Coreia do Norte seja hoje uma aberração, um verdadeiro fóssil da Guerra Fria, onde se conjuga o mais extremado totalitarismo, coma pobreza e até a fome de milhões de Norte-Coreanos.
Nota final: que outro país pobre do mundo, com apenas 24 milhões de habitantes, consegue reunir em negociações com os EUA, a Rússia, o Japão, a China e a Coreia do Sul?
MUAMMAR KADHAFI (1942-2011) – Líbia
E o Coronel Kadhafi foi abatido. Mais um velho ditador (42 anos de domínio absoluto sobre a Líbia) com a reputação de doido varrido. Na realidade era extravagante nas atitudes, nas vestimentas, nas escoltas de amazonas, na insistência em montar a tenda (ou armar barraca) onde quer que fosse, nos discursos e declarações. No entanto, nenhum doido consegue perpetuar-se no poder durante 42 anos. É preciso determinação, inteligência, astúcia e, é claro, ausência de escrúpulos e brutalidade quanto baste.
A sua política externa foi errática, mas foi acompanhando os tempos: porta-voz do pan-arabismo, mediador e interventor nos conflitos de África, aliado da União Soviética, apoiante e praticante do terrorismo árabe anti-ocidental. Mais tarde, aproximou-se gradualmente do Ocidente, nomeadamente da antiga potência colonial, a Itália, com quem tinha grandes negócios na área dos hidrocarbonetos e até com o Reino Unido e os Estados Unidos, após ter entregue os autores do atentado de Lockerbie. Finalmente, em 2003, depois de ter visto a invasão do Iraque e o derrube de Saddam Hussein, aceitou desmantelar os seus programas e arsenais de WMD (Weapons of Mass Destruction) e entrou no mainstream internacional. O aproveitamento interno e, especialmente, externo da dita Primavera Árabe, ditou o seu fim. Tardio.