07 fevereiro, 2011

Wickedleaks

WICKEDLEAKS


Wicked significa moralmente mau, iníquo, pecador, maldoso. Como aquilo que penso da organização dirigida pelo alegado violador e agressor sexual Assange se enquadra nos significados deste adjectivo, não resisti a fazer o jogo de palavras.

O argumentário da Wickedleaks segundo o qual as suas acções defendem e promovem a liberdade do acesso à informação e o fim dos segredos nos negócios de estado é de uma falsidade e hipocrisia tremendas.

Em primeiro lugar, as suas acções não melhoram o acesso à informação e muito menos porão fim aos segredos de estado, que são necessários e continuarão a existir. Em qualquer esfera da vida social, ninguém é absolutamente transparente. Se toda a gente, organizações e países dissessem tudo aquilo que pensam em determinado momento, viveríamos numa selva de conflitos incontroláveis.
Em segundo lugar, muito daquilo que os documentos revelam é fofoca pura e simples: o que os Americanos dizem de Putin, qual é o nickname de Medvedev, o que pensam de Berlusconi ou Merkel, etc. A diferença entre esta informação e a veiculada pela imprensa do jet set está, fundamentalmente, nos protagonistas. Ora, isto não é informação, é alimentar a curiosidade perversa pela coscuvilhice internacional e diplomática. O que de bom traz à transparência e a Relações Internacionais cordatas é zero. Pelo contrário, ao revelar correspondência reservada, o que poderão conseguir é envenenar as Relações Internacionais e o entendimento entre estadistas e minar a confiança recíproca nos contactos político-diplomáticos.

Por outro lado, revela comunicações, nomeadamente do teatro do Afeganistão, que nada trazem de novo do ponto de vista político e estratégico, mas que revelaram o nome de mais de uma centena de espiões e informadores, para todos os efeitos lançando a eles e às suas famílias uma sentença de morte, por interpostos Taliban ou Al-Qaeda.

O que as acções da Wikileaks mostram, é que se trata de uma organização de índole criminosa que se dedica à espionagem, roubo de documentos confidenciais, suborno e incitamento à traição. Daí que wicked não seja, de facto, um adjectivo mal empregue.

A motivação da Wickedleaks é, portanto, vaidade e promoção pessoal e um indisfarçável anti-americanismo primário de alguém/alguns que sonharam ter o seu momento de reconhecimento global, o que conseguiram e abater a super-potência através de uma nova forma de terrorismo, o que nunca conseguirão.

8 comentários:

PVM disse...

Já reparaste que ao invocares o anti-americanismo primário do Wikileaks esse argumento se pode voltar contra ti? O que quero dizer é o seguinte: o teu ataque ao Wikileaks pode ser entendido como um anti-anti-americanismo primário (ou seguidismo americanista, como queiras...).
Do teu argumentário, retive, com perplexidade, que defendes a hipocrisia como esteio da relação entre os Estados.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Não me incomoda que o seja, apenas pretendi "desmascarar" a hipocrisia e falácia dos argumentos invocados para dar uma áurea benfazeja a um empreendimento criminoso.
Quanto à hipocrisia, eu não a defendo como princípio, reconheço apenas que se injectassem um soro da verdade em toda a gente, provavelmente assistiríamos a uma batalha campal à escala global.

Sérgio Lira disse...

Rui

Independentemente das intenções - que nunca podemos conhecer - e independentemente de juízos morais - que são sempre parcelares, facetados e a-universiais - independentemente ainda de concordar que haverá sempre algum segredo, algum recato, necessaio nas relações entre os Estados (como há nas relações entre as pessoas - de facto, se todos disséssemos o que pensamos de todos isto seria um pandemónio no sentido etimológico do termo) não me parece que se possa defender haver algum poder auto-justificado ou alguma legitimidade em realizar "censura prévia". Dito de outra forma: o que cai na praça pública é, e deve ser, público. Se os Estados, ou as pessoas, têm alguma coisa a preservar que o façam, com discrição e com prudência. Se eu coloco coisas sigilosas num sms estou mesmo a pedir que elas caiam nas boca do povo; se eu escrevo este texto no teu blog estou mesmo a pedir que me leiam; se eu me caso e faço publicar os banhos, estou mesmo a pedir que se saiba, se o nosso 1º se mete em negócios escusos ou em licenciamentos estranhos é mesmo para se saber (e se o homem apanhava cardinas de caixão à cova pelas discotecas do Fundão e vomitava nas valetas como um cão, era mesmo para se saber - senão trataria de o fazer no recato do lar, se lá conseguisee chegar antes do fígado lhe sair pelas orelhas); enfim, se os diplomatas se insultam tranquilamente em comunicações não seguras... ou são parvos (e não deveriam ser diplomatas), ou é para se saber.

Mais, não sou daqueles que acha que as virtudes públicas devem sobrelevar aos vícios privados - se o parvalhão do 1º ministro italiano se mete com menores é mesmo para se saber, porque um homem de tão baixa estatura moral não deveria ser nunca primeiro ministro - isto para desviar a conversa das coisas domésticas, se não ainda tens a secreta a atrapalhar-te o teu blog - é público, é para se saber.

As nossas democracias só o serão algum dia quando o povo souber das coisas - para já, isto é uma carneirística cambada que vai votando nuns safados emproados que se escondem cobardemente atrás do "segredo de estado" - também seria segredo de estado aquela filha de ministro que lá entrou em medicina por causa disso mesmo???

Imprensa livre! aliás, um dos princípios basilares, fundadores, da liberdade americana. Sem moral à mistura. Ou caminharemos rapidamente para o colégio de sábios húngaros que decide o que é aceitável e o que não é...

Alberto Martins disse...

Caro professor

Estamos diante de uma estirpe sem origens, sem grandeza e sem valores.
Nesta cidade de homens em que os silêncios são ensurdecedores, um canil de rafeiros esganados, em que tudo se reduz a falta de “missa”.

Alberto Martins

Defreitas disse...

O dia em que Pinocchio descobriu a verdade!

De manha cedo, Pinocchio acorda, e nem perde tempo para meter as pantufas. Saltou da cama em pijama e precipitou-se, tremelicante, na sala de banho bem decidido a verificar no espelho até que ponto as consequências das mentiras lhe tinha alongado o nariz e as orelhas.

A Fada Azul do conto que lhe tinha dado a vida tinha-o bem prevenido do perigo que corria se não dissesse a verdade, mas pôde ver no espelho que o nariz não estava realmente mais comprido e que as orelhas não estavam iguais às de um burro.

Pinocchio recuperou os espíritos, acendeu o radio para estar bem informado e nas melhores condições possíveis para enfrentar a gente quando chegasse à rua, e foi assim que soube que Monsieur le Maire se interessava pelo bem estar dos seus concidadãos, do interesse nunca desmentido do seu Presidente e do seu Governo para pôr fim às condições de vida deploráveis, da firme vontade dos industriais de criar postos de trabalho, do desejo irreprimível dos banqueiros de distribuir os seus lucros, do grande zelo dos juizes de aplicar sabiamente a justiça, na aplicação minuciosa com a qual os grandes media da comunicação difundiam a verdade, dos tormentos da Igreja incapaz de nos dar o nosso pão quotidiano ... e Pinocchio constatou que nenhum de todos estes defensores da razão, da justiça, da moral, do povo,não tinha visto o seu nariz alongar-se nem as sua orelhas tornar-se tão compridas como as de um burro .

Todos, excepto a Fada Azul !


Cumprimentos

Freitas Pereira

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sérgio,

Estou basicamente de acordo contigo: a protecção de documentos confidenciais por parte dos EUA é miserável, o que acontece porque o nº de documentos considerados reservados é absurdo, porque as administrações cultivam o off the record para divulgar info reservada que lhes interessa que seja conhecida e porque levaram ao absurdo a partilha de dados entre as múltiplas agências e forças de segurança.
Também concordo que informações sobre a vida privada de políticos que tenham relevância para o seu desempenho público e para a sua avaliação pelos eleitores (como aquelas a que aludiste que demonstram uma grande deformação de carácter) devem ser tonadas públicas. Contudo, pelo que e conheço da matéria que foi revelada,tal não é aplicável neste caso.
Finamente, independentemente das falhas dos serviços do Pentágnono ou do Departamento de Estado, a revelação dolosa dos documentos continua a configurar um crime grave.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Alberto,

Na falta de valores está o busilis da questão.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sr. Freitas Pereira,

Que posso dizer? Fabuloso comentário!!! Tomara eu ter tido a inspiração de escrever um post assim!!!