200.000 BRANCOS
Confesso que excedeu as minhas expectativas. Cerca de 200.000 votos brancos, que correspondem a 4.3% dos votantes é um número muito significativo.
Eu entendo que o voto branco não é algo de inócuo e inconsequente. Numas eleições há 4 vias que o leitor pode seguir: votar numa dos partidos ou candidatos; abster-se; votar nulo; ou votar branco.
A primeira opção corresponde (ou devia corresponder) a uma adesão a um projecto e/ou a uma figura. A abstenção pode significar rejeição (estrutural ou conjuntural) do acto eleitoral, ou simplesmente falta de responsabilidade cívica motivada por inércia, preguiça, passeio, etc.
Já os votos nulos e brancos são manifestações de eleitores que disseram presente, que têm empenho em se deslocar à mesa de voto e fazem questão de votar, mas que não se revêem em nenhuma das opções que se perfilam perante o eleitorado.
O descontentamento activo é mais difícil de fazer e envia um sinal mais forte à classe política. É uma manifestação inequívoca.
Eu prefiro o voto branco, porque há uma franja de votos nulos que decorrem da ignorância ou da estupidez. O voto branco não deixa margem para dúvidas. Estou convicto, porém, que a grande maioria dos votos nulos têm o mesmíssimo significado dos brancos, só que as pessoas temem que alguém possa macular o branco com uma cruz batoteira.
Se somarmos os votos brancos e nulos, temos 278.00 votos, correspondendo a 6.2%, ou seja mais do que os dois candidatos menos votados e quase tanto como o 4º. E estamos a falar de 278.000 decisões individuais, i.e., não se integrando em nenhum movimento de incentivo a este tipo de voto, como o que se organizou em Itália há uns anos atrás.
Eis um sinal que, somado aos 53% de abstencionistas, deveria fazer soar todas as campainhas de alarme no establishment político: há uma parcela maioritária e crescente da população que se alheia do fenómeno político ou que rejeita as alternativas existentes! No entanto, nada disto vai acontecer, porque o mais importante já sucedeu: quem tinha que ser eleito já o foi, as próximas eleições serão daqui a meses ou anos e até lá, enquanto o pau vai e vem folgam as costas.
Só haverá três formas de algo de substantivo acontecer: aparecimento de um projecto de real renovação corporizada por uma liderança com coragem para estilhaçar o statu quo; uma alteração constitucional que exija, tal como nos referendos, uma % mínima de participação para as eleições serem válidas (voto obrigatório não vale); um abalo telúrico eleitoral que derrote quem defende a manutenção do pântano. Nenhuma das três se afigura como provável, pelo que continuaremos vivendo no pântano até que o regime se afunde pelo seu próprio peso e inépcia.
NOTAS FINAIS:
O escalonamento final dos candidatos correspondeu exactamente ao que eu esperava, embora pensasse que Cavaco Silva (53%) ficasse acima dos 55%, que Manuel Alegre (20%) tivesse perto de 25% e que Nobre (14%) e Coelho (4.5%), tivessem significativamente menos. Francisco Lopes e Defensor Moura tiveram resultados dentro do que esperaria.
Embora pense que TODOS os candidatos tiveram mais do que mereciam, Cavaco e Lopes fizeram o serviço mínimo, Alegre foi destroçado e Nobre e Lopes tiveram boas mas inconsequentes votações que não merecerão uma nota de rodapé na história política do (final?) da III República.
E daqui para a frente: honestamente, acho que vai ser como o velho dito – Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes!
13 comentários:
Rui,
Julgo que terás de ler os votos em Coelho, em Moura e (alguns) em Nobre como votos de protesto, a juntar aos tais brancos e nulos... mas esses com o efeito de fazerem mossa nas contas... ao contrário de brancos e nulos!
E por falar em 'tudo como dantes?: 'Guimarães capital da cultura 2012' vai ter ´pão e circo': mas já alguém olhou para as contas (salários?)? É que pelas contas se afunda a (pindérica) república... nas democracias, os cidadãos fazem perguntas: não embasbacam perante discursos de honra e ignomínia... dizem, 'mas': enfim, é a virtude das insidiosas adversativas infantis!
Cláudia
Pois é, professor, 53% de abstenções, mais 6,2 de votos brancos/nulos, é muito voto de descontentamento com o actual panorama político.
Contudo, eu acrescentaria, a esses votos, os 4,5% do José Manuel Coelho. Foi uma candidatura do descontentamento, que não poderia/pode ser levada a sério.
Conclusão, temos perto de 64% do eleitorado insatisfeito com as "trapalhadas", negociatas e histórias mal contadas, dos nossos políticos.
Esta eleição deve servir de reflexão, não só para os políticos, mas para todos nós, sobre o actual estado do País, e das qualidades e competências de quem nos dirige.
Um abraço
Acho que para além da merecida vitória de CS o facto que mais releva nesta eleição foi o voto de protesto.
Branco,nulo e Coelho(porque este tem de ser entendido nesse contexto)representam meio milhão de portugueses que se deram ao trabalho de sair de casa para irem dizer ao sistema politico que não se reveêm em nada nem em ninguém.
Meio milhão de pessoas é muita gente.
E para mim significam motivo de bem maior preocupação do que aqueles que por razões diversas(de que a preguiça não será a menor parte)ficaram em casa.
Há um descontentamento e um desencanto a crescerem todos os dias em relação ao regime,aos partidos e aos politicos.
Convém quem manda estar atento.
Afinal Tunisia,Egipto e o que mais virá são na outra margem do Mediterrâneo!
Mais perto do que se pensa...
Quanto aos restantes resultados apenas tive lamento que o "banho" do vate não fosse maior.
Só mais uma nota:
Espero que o PSD de Guimarães aja em na consequência dos resultados de CS cá no burgo.
Vencer em 68 das 69 freguesias é significativo.
E abre (assim espero) boa sperspectivas para 2013
Cláudia,
São, mas os votos brancos/nulos são mais abrangentes e não deixam margem para dúvidas. Agora o voto direccionado também poder ser de protesto. Por exemplo, a ascensão dos partidos médios nas eleições de 2009 são claramente um sinal de saturação com o establishment bipolar.
P.S. Good to "see" you here!
João Carlos,
100% de acordo. A credibilidade e a confiança está perto do zero. Mas julgas que as lideranças políticas se ralam com esses 64%? Já estão a pensar nas próximas manobras para tomar ou aguentar o poder. Plus que ça change...
Luís,
Muito curioso que tenhas trazido para este debate a situação no Egipto e na Tunísia! Se houvesse manifestações públicas com dimensão e duração equivalentes talvez as coisas mudassem!
Em relação ao vate, ele foi realmente útil, mas em 2006!
Luís,
Guimarães.... Atenção que, ao contrário do que o PSD pareceu fazer passar, não é a 1ª nem a 2ª vez que a direita ganha em Guimarães e em 2013 não é crível que uns apresentem um alegre, receio que outros errem na escolha de um cavaco, ou que proliferem coelhos, nobres e defensores...
Claro que não. Já cá ganhamos nas maiorias do Cavaco e com Durão Barroso em 2002.
Para além das autárquicas com António Xavier.
Por isso vencer em Guimarães nada tem de impossivel.
Quanto ás escolhas achei piada á forma como equacionas os candidatos.
Na verdade, e dado que do lado do PS não virá um Alegre(mas também já não virá o Sócrates local)convinha que o PSD encontrasse um Cavaco.
A ver vamos.É que "Nobres" já tivemos...
O grande drama de Portugal, e não só, é que poucos homens políticos Portugueses têm a coragem e, sobretudo, a envergadura intelectual de formular.
Frente a um sistema político em plena deliquescência, com os seus danos sociais e económicos, ninguém propõe uma prioridade fundamental : repor em ordem de marcha as instituições republicanas saídas da revolução do 25 de Abril confiscadas, desviadas, manipuladas por uma nomenklatura predadora.
Refundir, fazendo apelo aos valores que dão um sentido à vida em colectividade, na solidariedade e a justiça. Ao contrário daqueles valores impostos pela casta no poder, todos partidos confundidos : a alienação cidadã submetida à lei do mais forte e ao culto do dinheiro-rei.
Verdadeira parodia dos filmes de gangsters reinando sobre uma cidade.
Ao ler os comentários neste e noutros "blogs", sobre os resultados das eleições presidenciais portuguesas, sobressai a satisfação de uns, e as manobras de relativisaçao de outros.
Eterna lengalenga, intragável purga narcisista e mentirosa, do “amanha será tudo de graça”,..
Como se não houvesse nada de mais importante !
Com uma mistura de cálculos , suputaçoes, sobre as alianças num emaranhado de capelas, cenáculos , baronias e clãs,. Dando-me a impressão de assistir às guerras tribais dessa ilha fabulosa, de mil línguas e vales que é a Papuásia !
Entretanto, cinicamente, muito tranquilamente, rindo debaixo do capote, a plutocracia enche os bolsos. O dinheiro “sem taxas” desliza em altas vagas, alimentado pela especulação e outras rendas sem “riscos”, sem esquecer os colossais mercados públicos em controlo.
Notei com prazer que algumas vozes neste “blog” chamaram a atenção que desta descredibilizaçao da classe política podem surgir problemas graves. E que, finalmente, os países do Mediterrâneo não estão assim tão longe como se pensa. Se o povo acordar...
Actualmente sem contra-poder , esta nomencklatura que não é só portuguesa mas mundial é mais que perigosa. Assumindo, na consciência da Lei do Mais Forte uma mentalidade de" killers", sem fé nem lei. Considerando as nossas sociedades, como uma selva onde beneficia do privilégio do “predador-rei”, da preeminência da sua força e da sua violência irresponsável, delirante, porque sempre à procura da impossível satisfação do seu narcisismo e da sua megalomania. "No limit ".
Freitas Pereira
"sem esquecer os colossais mercados públicos em controlo."
Fim do terceiro periodo, ler, por favor : " sem esquecer os colossais mercados públicos SEM controlo."
Mil desculpas. Obrigado.
Luís: Sim, tudo menos "Nobres" (os de nome, porque nada tenho contra os de condição!).
Caro Sr. Freitas Pereira, estimado amigo,
É um grande prazer revê-lo, mesmo que apenas através dos mútuos escritos.
Muitas vezes discordámos neste blog, mas desta vez, subscrevo inteiramente aquilo que escreveu, em particular a menção a um conceito em desuso, plutocracia, mas que assenta como uma luva à nossa governação, miseravelmente marcada pela corrupção, pela ganância e pelo desrespeito pelo interesse público e pelo profundo desrespeito pelos cidadãos. Agradeço-lhe o comentário.
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