28 fevereiro, 2015

Quem Manda no Iraque?



QUEM MANDA NO IRAQUE?



A actual distribuição geográfica de forças. Note-se que as milícias xiitas e o Exército Iraquiano estão representadas conjuntamente.
in “STRATFOR” em www.stratfor.com

As milícias xiitas e as milícias curdas (vulgo, peshmerga) têm assumido o protagonismo no combate ao Estado Islâmico. Estas no Norte e aquelas progredindo de Sul para Norte.

Se pensarmos que o outro protagonista é a dita coligação liderada pelos Estados Unidos actuando a partir dos céus do Iraque, o elemento em falta é…o Exército Iraquiano. Isto são más notícias, basicamente por 3 ordens de razões:

1- Significa que o Estado Iraquiano continua incapaz de conter, repelir e derrotar um movimento insurgente, neste caso o Estado Islâmico. Daqui decorre que o Iraque não consegue desempenhar uma das funções nucleares da soberania que é a defesa do país, dos cidadãos e do próprio Estado.

As consequências são a derrota militar (ver o “Buraco Negro da 2ª Divisão” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/06/buraco-negro-da-2-divisao.html) e a adjudicação a terceiros da função militar que deveria caber ao Estado. Fazer o outsourcing da defesa da própria integridade territorial não é uma boa ideia, porque se paga caro.

2- Significa que o Governo do Iraque está dependente das milícias curdas que pertencem ao Governo Regional Curdo (KRG) que tem tomado um sem número de iniciativas conducentes a uma eventual independência. Tenta, com limitado sucesso, exportar petróleo à revelia do Estado, apropria-se de Kirkuk e dos respectivos poços petrolíferos à revelia de Bagdad, recebe apoio militar estrangeiro com a resignação de Bagdad e conta com o apoio da Turquia nestas démarches soberanistas.

Resumindo, para reverter os ganhos do Estado Islâmico que criou um novo Estado em territórios que pertenciam ao Iraque e à Síria, o Governo do Iraque está a dar força, poder e margem de manobra a um grupo político-militar que pugna abertamente pela secessão de um Curdistão alargado do Iraque.

3- Significa que grande parte do esforço bélico contra o Estado Islâmico está entregue a milícias xiitas, como a Organização Badr, o Asaib Ahl Al-Haq, ou o Kitaeb Hezbollah. Para se ter uma ideia mais precisa da dimensão do problema, o contingente agregado das várias milícias está estimado em 100.000-120.000 homens armados. O Exército (?) Iraquiano, que em Junho de 2014 tinha (nominalmente) 200.000 soldados, está hoje reduzido a 48.000!!!

Como se não fosse grave estar dependente de milícias, esta dependência está longe de ser mútua, já que as principais milícias xiitas são principalmente apoiadas, financiadas, treinadas e armadas pelo…Irão. O Comandante do Corpo de Guardas da Revolução (IRGC), General Qassem Suleimani, e outros oficiais visitam regularmente as linhas da frente. O próprio coordenador das milícias no Governo Iraquiano foi oficial do IRGC.

Ou seja, a campanha contra o Estado Islâmico está a dar a Teerão a oportunidade para acentuar a sua hegemonia sobre o Iraque.

4- Significa ainda, noutro plano, que a campanha aérea gizada pelos Estados Unidos é um erro crasso, pois está a abrir o caminho para o reforço do poder tutelar iraniano sobre o Iraque. Há analistas norte-americanos que alertam que esta situação poderá desaguar na derrota do Estado Islâmico acompanhada na perda do Iraque para o Irão. É uma ingenuidade tremenda. Pelo menos desde 2011 que o Iraque está na órbita do Irão. Bagdad só recorreu a Washington em desespero de causa quando viu o território fugir-lhe para o Estado Islâmico.

A situação no terreno só vem reforçar a pertinência do que foi defendido em Tempos Interessantes em Junho de 2014:  a não intervenção dos EUA contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque (ver Geopolítica Passiva ou Dynamic Balance of Power” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/06/geopolitica-passiva-ou-dynamic-balance.html ). Aí se dizia: O Irão tem de aguentar sozinho os regimes de Damasco e Bagdad. São satélites de Teerão, são problemas de Ali Khamenei e de Rouhani; que os resolvam. Tal vai custar-hes tempo, dinheiro e recursos militares. Vai levar tempo. E pode não resultar.

Finalmente, outra consequência do protagonismo das milícias xiitas em prejuízo do exército nacional, é a brutalidade com que tratam as povoações e as populações sunitas que se atravessam no seu caminho: saques, destruição e execuções em massa.

Obviamente, como já foi salientado em Tempos Interessantes (ver “Who Are the Bad Guys?” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2014/11/v-behaviorurldefaultvmlo.html ) a actuação destas milícias arrisca afastar os Sunitas ainda mais de Bagdad e lança-los nos braços do Estado Islâmico.


Sinais dos tempos: Ayatollahs Khomeini e Khamenei na Praça Firdaus onde dantes estava a estátua de Saddam Hussein.

No plano geopolítico, os EUA estão a fazer o trabalho do Irão e para o Irão. Se se quiser apurar quem manda no Iraque hoje, recomendo uma visita à praça de Bagdad onde os US Marines derrubaram uma enorme estátua de Saddam Hussein em 2003. Verão enormes outdoors de propaganda às milícias xiitas e retratos dos ayatollahs Ruhollah Khomeini e Ali Khamenei: O anterior e o actual líderes supremos do Irão.



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