27 maio, 2012

No Fio da Navalha

NO FIO DA NAVALHA


As rotas clandestinas entre o Líbano e a Síria.

O Líbano nas décadas de 1960 e 70 era encarado como um oásis no Médio Oriente. Um oásis de paz, prosperidade, empreendedorismo, comércio, turismo e diversão. Havia quem lhe chamasse a Suíça do Médio Oriente.

A chegada da OLP (expulsa da Jordânia) em 1970, a eclosão da Guerra Civil (1975-1990), a intervenção da Síria (1976) e os raids punitivos de Israel, incluindo a invasão de 1982, literalmente espatifaram o país.

Na última década, o Líbano parece ter encontrado alguma paz e establidade, mas quer uma, quer a outra, são sempre precárias. Ainda em  2006 houve uma guerra entre Israel e a milícia xiita do Hezbollah e o Líbano vivei crises político-sectárias graves em 2005, 2008 e 2011.

O Líbano sofre de dois problemas fundamentais:

1-   É o elo mais fraco da região. Tem por vizinhos Israel e a Síria. Israel é a potência militar mais forte e frequentemente ataca o Líbano porque, aproveitando a fraqueza libanesa, diversos grupos anti-isarelitas aproveitam o território libanês para lançar ataques contra o Norte de Israel. A Síria é uma potência militar do mundo árabe que vê o Líbano como um território que lhe foi indevidamente retirado. Consequentemente, na impossibilidade de o conquistar, tenta controlá-lo e manipulá-lo, o que conseguiu com êxito entre 1975 e 1995.

2-   O Líbano é um país sectariamente pulverizado: Cristãos (aos quais está alocado o cargo de Presidente da República), Muçulmanos Sunitas (Primeiro-Ministro), Muçulmanos Xiitas (Presidente do Parlamento), Druzos, Alawitas e outros grupos. Esta repartição de cargos e poderes é baseada no último censo realizado no Líbano…. em 1932. Volvidos 80 anos, é grande o receio das convulsões que poderiam resultar dos resultados, necessariamente muito diferentes, de um novo censo.

Como se compreende, por fraquezas e divisões próprias e por pressões alheias, o Líbano vive uma existência de permanente vulnerabilidade.

O conflito na Síria entre a minoria Alawita (derivada do xiismo), apoiada pela minoria cristã e a maioria sunita, reflecte parcialmente o próprio mosaico libanês, o que gera apoios e preferências conflituantes no seio do Líbano relativamente ao conflito sírio.

Finalmente, esta semana circularam com maior insistência informações que apontam para uma utilização mais intensiva do Líbano, especialmente a zona de Tripoli no Norte, como plataforma e rota de apoio aos rebeldes sírios. Este apoio virá principalmente da Arábia Saudita e do Qatar e, talvez, dos Estados Unidos. Esta situação já mereceu resposta da Síria que terá activado os seus apoiantes libaneses para combater este influxo de armas e de material de apoio.

A Síria é hoje um campo de batalha na guerra mais vasta pela hegemonia do Médio Oriente entre Sunitas (liderados pela Arábia Saudita) e Xiitas (Irão). Sempre no fio da navalha, o Líbano está sendo arrastado para um conflito dentro de outro conflito. E mais uma vez, pouco há que possa fazer para mudar o seu destino…

6 comentários:

Alberto Martins disse...

Prof. Miguel Ribeiro

Que triste sina … e nós aqui sentados na varanda da Europa a queixar-nos do pouco que nos falta …

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Alberto,
Sim, é verdade: há sempre quem esteja pior do que nós. Aliás, a amioria da população do mundo está bem pior do que os Portugueses.
Mesmo assim é fraco consolo. Embora as coisas não sejam completamente assim, como diz o povo, "com o mal dos outros posso eu bem...."

Defreitas disse...

Outra analise muito interessante do Sr. Miguel Ribeiro.

O Libano ,a antiga terra “ do mel e do leite”, é, como escreve, um pequeno pais maravilhoso. Tendo tido a oportunidade de o visitar algumas vezes, em missão profissional, a comparação com a Suíça, mesmo se é exagerada , é frequente.

Muito antes da “Revolução do Jasmim”, do “Mal viver argelino” e da “Primavera Árabe”, pelo pão, a dignidade, o trabalho e a liberdade, o povo libanês tinha encetado a sua libertação.

O Líbano é praticamente o único pais árabe no qual uma parte substancial do território nacional está fora do controlo do governo nacional. A milícia popular liderada pelo Hassan Nasrallah, dotado duma consciência política e duma organização militar , ao serviço do Irão, é um facto reconhecido.

Como bem relatou, os acordos de Taër em 1989 – na Arábia Saudita, oficializando a repartição do novo Estado do Líbano numa base religiosa e confessional ( 23% sunita, 37% xiita e 40% cristã e druzos, e os tais 300.000 refugiados palestinos, creio que sunitas) são uma realidade que obriga aos tais equilibrios difíceis.

Mas o Líbano é talvez a única democracia da zona, ao lado de Israel.
Para o Líbano, parte integrante duma região agitada pelos conflitos israelo- árabe e israelo-palestino, era muito difícil de ficar à beira do campo de batalha, como simples observador!

Porque a questão libanesa inscreve-se , como bem explica, num contexto mais largo, regional, onde a estratégia americana e israelita estão presentes, face à do Irão.

A Síria, que nunca esqueceu a “Grande Síria”, que englobava o Líbano, pode vir a ser um pesadelo para este simpático povo, cujo pais, formatado pelo Ocidente, não pode contar com a ajuda que noutros tempos este lhes deu mas que a geoestratégia actual não autoriza. Putine tem a sua própria ideia e veremos qual, na reunião de Paris com François Hollande.

Sempre tive uma certa atracão pelo Líbano. A leitura da lista das etnias e das línguas praticadas neste pais é muito interessante. Vivem lá mesmo 1200 Portugueses!

Population %
Arabes libanais arabe leventin du Nord langue sémitique 2 2.462 360 70,1 %
Arabes palestiniens arabe leventin du Nord langue sémitique 369 380 10,5 %
Druzes arabe leventin du Nord langue sémitique 355 170 10,1 %
Kurdes kurmanji langue indo-iranienne 173 000 4,9 %
Arméniens arménien isolat indo-européen 172 660 4,9 %
Alawites arabe leventin du Nord langue sémitique 100 000 2,8 %
Arabes syriens arabe syrien langue sémitique 89 300 2,5 %
Arabes égyptiens arabe égyptien langue sémitique 60 890 1,7 %
Chaldéens chaldéen néo-araméen langue sémitique 18 270 0,5 %
Français français langue romane 16 340 0,4 %
Arabes irakiens arabe irakien langue sémitique 12 180 0,3 %
Juifs espagnols espagnol langue romane 9 950 0,2 %
Araméens araméen langue sémitique 4 330 0,1 %
Américains anglais langue germanique 3 950 0,1 %
Grecs grec langue grecque 3 350 0,0 %
Italiens italien langue romane 3 350 0,0 %
Turcs turc langue altaïque 3 040 0,0 %
Portugais portugais langue romane 1 520 0,0 %
Espagnols espagnol langue romane 1 520 0,0 %
Assyriens assyrien néo-araméen langue sémitique 1 200 0,0 %
Britanniques anglais langue germanique 1 220 0,0 %
Juifs arabe leventin du Nord langue sémitique 1 000 0,0 %



O documento ,do qual envio o ‘link” permite de descobrir a maravilhosa cidade de Beirute.

Cumprimentos
Freitas Pereira

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sr. De Freitas,
Mais uma vez agradeço a sua amabilidade, ebm como mais um contributo erudito para o Blog.
Creio que infelizmente falta o link que refere no comentário...

Defreitas disse...

Desculpe Caro Professor, mas esqueci-me do "link". Aqui vai. Mas tenho outro sobre Beirut mesmo, que so é possivel enviar por e-mail. Pode confirmar que o seu endereço é o mesmo, por favor ?



IDMSG=16286&PJRANG=2&NAME=Lebanon+-+Cedars.pps&FOLDER=INBOX

O seu "post" foi confirmado esta manha. Em Tripoli as primeiras vitimas da guerra civil na Siria!

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Sr. De Freitas,

Agradeço a atenção. Sim, o e.mail é o mesmo:
miguel.ribeiro.2002@sapo.pt