BATTLEGROUND
OF
EASTERN EUROPE
Está na moda, neste século, proclamar-se que velhos
conceitos da Geopolítica como Balance of
Power (equilíbrio de poder) e áreas
de influência estão obsoletos e que já não são aplicáveis nas Relações
Internacionais do III Milénio. Uma pequena confidência: não é verdade. A
Ucrânia é um exemplo vivo disso mesmo.
A Europa Oriental, entre a Alemanha e a Rússia.
A Ucrânia ocupa uma posição estratégica relevante na Europa
Oriental. Ocupa a maioria da costa setentrional do Mar Negro, constitui a maior
massa territorial a separar a Rússia da Europa Central, detém a população mais
numerosa entre a Alemanha e a Rússia e detém significativos recursos naturais.
Contudo, não é um país particularmente poderoso nem auto-suficiente. É política
e militarmente vulnerável e economicamente frágil. Conjugando estes factores, a
Ucrânia torna-se um fruto apetecido para países mais poderosos e ambiciosos. Numa palavra, a Ucrânia é o Battleground da
Europa Oriental.
Olhando para o vasto espaço que medeia entre o Báltico e o
Mar Negro, não é difícil descortinar as potências com os meios e a tradição de
hegemonia na região: a Rússia e a
Alemanha são os países que melhor podem disputar a influência sobre a Ucrânia.
A Ucrânia está dividida internamente em partidos diversos,
alguns irreconciliáveis, mas está principalmente dividida entre uma parte
ocidental historicamente e culturalmente próxima da Polónia e da Europa Central
e uma parte oriental étnica, linguisticamente e historicamente próxima da
Rússia.
Contudo, o conflito
actual é potenciado e manipulado por Berlim e Moscovo que querem atrair e fixar
Kiev nas respectivas áreas de influência.
Ambas, Alemanha e Rússia, usam um mix de persuasão e pressão para atrair a Ucrânia. A Alemanha
manipula parte da oposição, a Rússia trabalha
o governo. Aquela quer a Ucrânia atada à EU liderada por Berlim, enquanto esta
quer ver a Ucrânia na União Aduaneira liderada por Moscovo.
Outros países têm interesses na evolução e posicionamento
da Ucrânia, como a Polónia e a Lituânia, mas o seu poder e capacidade de
influenciar e pressionar são limitados.
Assim sendo, o jogo do atrito, de avanços e recuos, vai-se fazendo
entre Berlim e Moscovo. Embora no Ocidente se diabolize o papel da Rússia, a
verdade é que a ingerência na Ucrânia é multilateral. A título de exemplo, a
principal figura da oposição ucraniana, Vitali Klitschko, é uma espécie de avençado da Alemanha, onde viveu, e por
quem é apoiado, doutrinado e financiado.
A principal diferença entre A Rússia e a Alemanha é a
importância que a Ucrânia tem para cada uma. A Ucrânia é vital para a segurança e para o equilíbrio geoestratégico
da Rússia. Sem a Ucrânia, a Rússia fica vulnerável a uma agressão externa e
a sua área de influência perde substância. Também não podemos ignorar que Kiev
é o berço da civilização russa e que muitos são os russófonos e os russófilos
que aí vivem. Do ponto de vista estratégico, a Ucrânia é, porventura, o país
mais importante para a Rússia e por isso não surpreende que Moscovo se esforce
por manter Kiev na sua esfera de influência.
Para a Alemanha a Ucrânia também é importante (foi um dos seus
principais alvos em 1941), mas não é vital. Na última década do século XX e na
primeira do século XXI, a Alemanha já estendeu muito a sua influência para
Leste, especialmente no Báltico e na Europa Central. Fê-lo, fundamentalmente,
numa fase em que a Rússia atravessava uma crise profunda. Agora, quando a
Alemanha (e em menor grau, a Polónia, a Suécia e a Lituânia) tenta penetrar de
forma assertiva na Europa Oriental (Bielorússia, Ucrânia, Moldova) e no
Cáucaso, depara-se com uma Rússia renascida, mais forte e com uma liderança
determinada, o que acaba por degenerar nos actuais confrontos.
Neste Great Game da Europa Oriental, a Ucrânia é o Battleground
privilegiado e Russos e Alemães vão movendo os seus peões, bispos e torres e
jogando os seus trunfos. O que se decidia com
tanques em 1941/44, decide-se hoje de forma mais subtil, mas encarniçada. Ao contrário do que sucedeu há 70 anos
atrás, hoje o jogo pode não ter um desenlace claro, talvez aquele que mais
favoreça o tabuleiro do jogo, a
própria Ucrânia, que não pode cortar os fortes laços que a ligam à Rússia,
mas que também não pode prescindir das ligações à Alemanha e à Europa
Ocidental.
A última ironia desta crise é que aqueles que, dos dois lados da
barricada, afirmam lutar pela liberdade e autonomia da Ucrânia, estão na
verdade a pugnar por uma escolha entre duas áreas de influência tuteladas pela
Rússia e pela Alemanha.
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