23 fevereiro, 2014

Cascata Nuclear Asiática: Índia

CASCATA NUCLEAR ASIÁTICA:
ÍNDIA

Existem três potências nucleares na Ásia, Médio Oriente exclusive: China, Índia e Paquistão. A meio daquilo a que chamo a cascata nuclear asiática, está a Índia.

A Índia detonou o seu primeiro engenho nuclear em 1974, mas só em 1998 se tornou oficialmente uma potência nuclear. O arsenal nuclear indiano serve três propósitos:

1- A afirmação como potência nuclear é uma questão de status e prestígio e de afirmação como potência regional hegemónica ou predominante (um pouco como o Irão).

2- Em segundo lugar, serve para enfrentar o Paquistão: para o pressionar, para o dissuadir e para retaliar.

3- Menos publicitada é a 3ª função que é a de fazer frente à República Popular da China, prioritariamente com uma função dissuasora e secundariamente novamente como afirmação de poder no que considera ser a sua área de influência: Ásia e Índico, do Mar Arábico até ao Estreito de Malaca.

O Paquistão, inimigo histórico da Índia, era em termos operacionais o primeiro, quiçá o único, alvo do programa nuclear indiano. Embora superior no plano militar, a Índia viu vantagens em ter um instrumento dissuasor mais temível e, também, prevenir um eventual nuclear breakout paquistanês. Contudo, quando a Índia se tornou oficialmente nuclear em 1998 e Islamabad ripostou na mesma moeda, a situação da Índia degradou-se na medida em que as armas nucleares do Paquistão mitigaram a sua inferioridade convencional.

O confronto nuclear entre a Índia e o Paquistão está, de certa forma, resolvido. Os dois países têm uma aproximada paridade nuclear, em princípio ambos têm capacidade de responder a um first strike e ambos estão cientes de que as suas decisões militares no plano convencional estão condicionadas pelo arsenal nuclear do vizinho.

É então a terceira vertente que é, no presente e para o futuro, mais interessante e importante. Embora tal surpreenda muita gente, o principal investimento e desenvolvimento do programa nuclear da Índia nos últimos anos e nos próximos, tem em vista a China, como os leitores de Tempos Interessantes saberão (“Índia: China na Mira” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2012/04/india-china-na-mira-lancamentodo-agni-v.html .



A Índia sempre se considerou a potência hegemónica da Ásia do Sul. A partir do fim da Guerra Fria as ambições da Índia aumentaram e o vertiginoso crescimento económico deste século proporcionaram a New Delhi a oportunidade e os meios para se afirmar como a potência dominante de uma vasta região que se estende, em terra, da fronteira do Irão a Ocidente até à Indochina a Oriente e no mar por grande parte do Índico, usando as referências ainda actuais de Afonso de Albuquerque, de Ormuz a Malaca.

Estas ambições já vão muito além do Paquistão e esbarram nas da China que, sendo um Estado ribeirinho do Pacífico, depende do Índico para grande parte das suas rotas comerciais. Embora seja um facto pouco mencionado, tal como com o Paquistão, a Índia também partilha uma longa (cerca de 3500 km) e contenciosa fronteira com a China, onde os dois exércitos se postam frente a frente e que inclui o Tibete que é, em si próprio, um assunto sensível e contencioso.

A inferioridade nuclear (e não só) indiana relativamente à China é muito grande, de tal modo que, em caso de um conflito sino-indiano, a Índia correria o risco de ficar refém de um blackmail nuclear chinês. Ora essa é uma situação de vulnerabilidade que não conjuga bem com o estatuto de grande potência que New Delhi quer ostentar.

Daí que New Delhi tenha embarcado num programa que visa dar mais alcance, mais potência, mais punch, mais diversidade e menos vulnerabilidade ao seu arsenal nuclear, Tal passa por três vectores essenciais:

            * Desenvolvimento de mísseis capazes de atingir o heartland chinês.

* Desenvolvimento de tecnologia MIRV (multiple independently targetable reentry vehicle) que permite que um míssil transporte múltiplas ogivas nucleares que se separam e se dirigem para diferentes alvos, multiplicando o efeito destruidor de um único vector.

* Desenvolvimento de uma capacidade nuclear submarina que confira um maior grau de invulnerabilidade a um ataque surpresa, chinês ou qualquer outro.

INDIA
Prithvi-1
Operational
150 km
Liquid
Prithvi-2
Operational
250 km
Liquid
Prithvi-3
Development
350 km
Solid
Dhanush
Operational
400
Liquid
Sagarika/K-15 (SLBM)
Tested
750
Solid
Agni-1
Operational
700 km
Solid
Agni-2
Operational
2,000 km
Solid
Agni-3
Operational
3,000 km
Solid
Agni-4
Tested
3,500 km
Solid
Agni-5
Development
5,000 km
Solid
 in Arms Control Association em https://www.armscontrol.org/factsheets/missiles

 Todos estes vectores estão em movimento:

O Agni-5, com um alcance de 5000 km (Pequim dista 3200 km de New Delhi) poderá atingir Xangai e Pequim; já foi testado e deve estar operacional em 2015.

A tecnologia MIRV encontra-se em fase de desenvolvimento e o seu vector, o Agni-6, deve entrar em pleno desenvolvimento a partir do próximo ano quando terminar o ciclo de desenvolvimento do Agni-5. O Agni-6, que oficialmente não existe e cujas configurações são em boa parte classificadas, deverá ter um alcance de mais de 6000 km, o que o coloca na categoria de ICBM (Intercontinental Ballistic Missile), cobriria a totalidade do território chinês. Estima-se que transporte 4 a 6 ogivas nucleares.

Ainda mais adiantada está a componente submarina da tríade nuclear. A aquisição do submarino nuclear INS Chakra à Rússia e a construção do INS Arihant (que já faz testes de mar) estão a conferir à marinha de guerra indiana proficiência na utilização de submarinos nucleares. O próximo passo será artilhar o Arihant com mísseis nucleares. O K-15 com um alcance de 700 km e que poderá ser usado contra o Paquistão já completou os testes preliminares. Já o K-4, que tem um alcance de 3500 km, deverá ser the weapon of choice destes submarinos, ainda está em fase de testes.

Não é difícil perceber que o dossier Paquistão está por agora encerrado e que todo o programa nuclear indiano está direccionado para outras latitudes. Como ninguém investe biliões de Dólares para desenvolver mísseis com um alcance de 5000/6000 km para atingir alvos a 500/1000 km, é óbvio que o alvo da Índia é a República Popular da China.

Este gráfico permite perceber o redireccionamento do programa nuclear e de mísseis da Índia, com os testes de mísseis de maior alcance a suplantarem os de curto alcance.


In January, a report by the Ministry of Defence Integrated Headquarters expressed fears that the People’s Liberation Army Navy (PLAN) is building “expeditionary maritime capabilities” and could use nuclear-powered submarines and area denial weapons to threaten warships in the region.
in “The Tribune” (India) em http://www.tribuneindia.com/

As motivações são várias, mas eu destacaria a emergente competição geopolítica entre os dois gigantes demográficos. Essa rivalidade irá muito além da disputa pelas demarcações fronteiriças e abrange as rotas marítimas do Índico e as suas ligações ao Pacífico, ao Médio Oriente e ao Mediterrâneo, as áreas de influência em países estrategicamente relevantes, como a Birmânia, o acesso privilegiado a recursos minerais e energéticos.

Não é previsível que esta rivalidade resvale para um conflito militar a médio prazo, mas a fraqueza militar de um, poderá pôr em cheque as suas ambições. Nesse âmbito, o nuclear, tal como a capacidade de projecção de poder, assume um papel de relevo: não tanto para usar, mas para prevenir o seu uso por terceiros. Assim, a Índia não procura superioridade e nem sequer a paridade nuclear com a China, mas apenas uma capacidade retaliatória credível que sirva de dissuasão efectiva.

Os Agni, os submarinos nucleares e os MIRV darão exactamente isso à Índia, uma apólice contra a maioria dos riscos…


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