DESPREZO
Há cerca de 10 anos, recebi uma missiva de um banco
junto do qual tinha contraído um empréstimo à habitação que rezava algo como
isto: para melhor servir os nossos
clientes e para o seu conforto e comodidade, decidimos encerrar a nossa agência
de Guimarães, pelo que teremos o maior gosto em recebê-lo nas nossas agências
do Porto, da Maia, ou de Braga.
Lembrei-me deste episódio ao ouvir Passos Coelho a
justificar o encerramento ou downgrading
de dezenas de tribunais, acabando por dizer que podia haver resistências, mas
que as pessoas ficariam melhor servidas e satisfeitas.
* Um jovem de Chaves em estado grave, passa à noite à
procura de um hospital que o trate. Depois de 4 recusas vai parar a Lisboa.
* Na Direcção-Geral de Energia, 9 funcionários morreram
de cancro, supostamente causado pelo amianto presente no edifício da DGE. O
Secretário de Estado da tutela declara com um ar casual que aguarda autorização
do Ministério das Finanças para mudar de edifício e que é imperativo encontrar
um com renda mais barata. A este ritmo, qualquer dia até pode mudar a DGE para
um T3….
* Os IPO’s queixam-se de falta de medicamentos e da
impossibilidade de providenciar os melhores tratamentos em tempo útil em vários
casos.
* No Hospital de Portimão há doentes a quem é pedido que
tragam a marmita com os medicamentos
e equipamento para o respectivo tratamento.
* As 85 obras de Miró são colocadas à venda em Londres
ao arrepio das normas legais e do interesse artístico que a colecção possa ter
(ou não) para o país.
* Escolas com amianto continuam a funcionar como se não
houvesse amanhã. Se a situação se prolongar, pode mesmo não haver amanhã para
alguns alunos, professores e funcionários. Trata-se apenas, é claro, de um
problema orçamental.
* Regime extraordinário de protecção
de devedores de crédito à habitação feito à
medida dos interesses da banca. De um universo de 124.000 situações de
incumprimento, apenas 1600 (1.30%) requereram o acesso ao regime e só 300
(0.24%) tiveram deferimento.
São casos retirados de forma quase randomizada das
notícias. Nem vou falar em detalhes sobre a inclemente liquidação dos
funcionários públicos e pensionistas. Tampouco vou tecer mais considerações
sobre a forma punitiva como os rendimentos do trabalho têm sido tratados em
sede fiscal relativamente a outras fontes de rendimento.
Vou apenas escrever sobre o Desprezo.
Em 31 de Julho de 2012, escrevi um post intitulado
“Indiferença”. Reproduzo um trecho desse texto:
Indiferença.
A governação em muitos países da Europa (e não só) tem-se pautado por muita
incompetência, opacidade, corrupção, falta de sentido estratégico, oportunismo
político, ausência de sentido de estado, ignorância do que é o serviço público.
Não obstante este extenso e grave rol de defeitos, há um que é pouco
mencionado, mas que sobressai: a Indiferença.
Volvidos 18 meses, novamente motivado pela actividade
governativa, vejo-me compelido a escrever outro post com um adjectivo
diferente: DESPREZO.
Sim, o post da Indiferença, cuja leitura mesmo assim me
permito sugerir, já é insuficiente para qualificar as políticas e atitudes
deste governo,.
Aquilo a que assistimos é ao Desprezo pelas pessoas.
Só o Desprezo pelas pessoas pode justificar os
permanentes e repetidos maus-tratos infligidos a quem descontou durante uma
vida para ter direito a uma modesta reforma.
Só o Desprezo pelas pessoas torna entendível que se
penalize com sucessivos cortes de salários e aumentos de impostos,
contribuições e horários os funcionários públicos, ainda alvos de uma guerra
psicológica com contornos gravemente persecutórios.
Só o Desprezo pelas leis pode explicar os sucessivos
atropelos à Constituição e às leis que o Governo pratica na prossecução dos
seus objectivos.
Só o Desprezo pelas instituições do Estado democrático
podem motivar o desrespeito pelo Parlamento e pelo Tribunal Constitucional,
tratados com petulância e indignidade.
Para o governo tudo é
matemática orçamental, as pessoas não contam.
Bagão Félix
Esta declaração de Bagão Félix, produzida numa
entrevista ao jornal i (http://www.ionline.pt/artigos/portugal/bagao-felix-portugal-esta-transformar-se-num-bazar-activos ), sintetiza a atitude do actual governo. Só o défice e
a dívida contam, embora esta continue a subir e naquele, só no 3º ano é que os
objectivos foram atingidos.
As pessoas, a generalidade das pessoas, são meros
detalhes desta cavalgada insana. Quando se opõem aos desígnios governamentais,
deixam de ser detalhes e são promovidos a empecilhos e se os travam, são
atacados, enxovalhados, alvo de retaliações.
Só merecem respeito os credores internacionais e financeiros do
Estado, os Estados e instituições internacionais aos quais o Governo presta
humilhante vassalagem e alguns privilegiados internamente que são tratados com
punhos de renda.
Os restantes, quase todos nós, são tratados com o Desprezo de
quem calca erva daninha: o Desprezo de quem nos julga irrelevantes e
desprezáveis.
Isso faz de quem nos governa com Desprezo, desprezível…..como
uma barata que se esmaga com um esgar de nojo.
Nota final:
Esta Indiferença vai alienando ainda mais os
representados dos seus pseudo-representantes. Frequentemente, a resposta
daqueles é retribuir a Indiferença: não votam; desligam-se da política e
desprezam os políticos.
É merecido e compreensível, mas não ataca a raiz do problema. A solução passa pela remoção implacável e duradoura de quem despreza os cidadãos e é alheio aos seus problemas. A Indiferença num governante é um pecado sem perdão e assim devia ser encarada e tratada.
A
“pena” para o Desprezo não pode ser menor.
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