31 dezembro, 2009

It's 3 a.m. and the Red Phone Rings


IT’S 3 A.M. AND
THE RED PHONE RINGS
It’s 3 a.m. and the red phone rings foi, porventura, o mais mediático vídeo político das primárias norte-americanas de 2008. Com ele, Hillary Clinton pretendia passar a mensagem de que era importante ter alguém na Casa Branca com experiência, frieza e capacidade de decisão para atender o telefone vermelho em caso de emergência ou crise.

Pois bem, o telefone tocou no final de Agosto sob a forma de um relatório do comandante das forças da NATO e dos EUA no Afeganistão, General Stanley McChrystal, no qual era traçado um quadro negro da situação militar, política, securitária e sócio-económica do Afeganistão e apontava a necessidade imperativa de um surge (aumento significativo de tropas) na ordem dos 44.000 soldados para inverter o curso da guerra.

Na realidade o vídeo tinha razão de ser: o telefone tocou, tocou e tocou e…. nada. Três meses passaram e…zero. Só em Dezembro é que o telefonista de serviço arranjou coragem para atender. Não é fácil de entender. Então esta era a guerra de necessidade (a do Iraque era de escolha, má claro). A guerra boa versus a guerra má. Afinal a nova Administração já tinha feito (e bem) um aprofundado review do conflito em Fevereiro/Março e, presumivelmente, deve ter feito aferições do seu desenvolvimento entretanto.

Na verdade, as questões são diferentes. Em primeiro lugar, os encómios ao conflito no Afeganistão visavam aproveitar politicamente a demonização do conflito do Iraque e atacar George W. Bush primeiro e John McCain depois. Por azar, agora já não há Bush nem McCain e o Iraque está bem melhor do que o Afeganistão (depois de um surge ao qual os Democratas e Obama se opunham).

Em segundo lugar, há os custos políticos de ser Presidente em tempo de guerra: a esquerda do Partido Democrata abomina a guerra; o mainstream democrata é muito céptico e quer uma guerra light versão Vice-Presidente Biden (algumas tropas especiais e uns drones lança-mísseis e os Taliban à solta a tomarem o poder); os Republicanos querem pôr a carne toda no assador; Barack Obama não quer abandonar o conflito cuja importância proclamou mas quer sair do Afeganistão o mais depressa possível, custe o que custar. Converter este cenário complexo numa equação política vitoriosa é um exercício quase impossível.

O resultado foi, como seria de esperar um mix. Positivo, o incremento substancial de tropas americanas (30.000), embora aquém do que terá sido pedido por McChrystal (40.000 a 44.000). A retórica oficial refere um surge de 35.000 homens, contabilizando 5.000 que serão enviados por outros Países da NATO. É óbvio que esses 5.000 não existem, nem existirão. Os aliados europeus, com poucas excepções, são mais ágeis a falar do que a agir, especialmente quando se trata de operações militares em teatro de guerra; como tal, mesmo com artifícios do género “o batalhão X que devia regressar em Janeiro vai permanecer no Afeganistão mais 3 meses”, se conseguirá atingir esse número o que é, aliás, lamentável.

Na realidade, só um significativo aumento do poderio militar dos EUA/NATO no Afeganistão, permitirá levar a cabo a estratégia de counter-insurgency, a única proposta que permite acalentar esperanças fundadas de um êxito, mesmo que relativo, da missão de estabilizar o país e erradicar os seus elementos ou grupos mais radicais e perigosos. Tal passa por centrar o esforço de guerra na protecção da população e dos centros populacionais mais significativos, procurando garantir a segurança dos Afegãos e a estabilidade social. Só assim haverá as condições básicas para promover o desenvolvimento económico e infra-estrutural e convencer os Afegãos cépticos ou indecisos de que o futuro será melhor com o actual governo e de que é seguro apostar no sucesso da NATO e na derrota dos Taliban.

Francamente negativo foi o anúncio de um deadline de 18 meses para iniciar a retirada. Supostamente, para pressionar o governo afegão a arrepiar caminho e para dar tempo ao novel exército afegão para assumir o grosso da luta contra os Taliban. Na realidade, o factor principal foi a vontade que Obama tem de fugir a sete pés do Afeganistão e a necessidade de dar um rebuçado à ala pacifista maioritária no Partido Democrata, à qual pertence. Falta a Obama o fighting spirit e a consciência geopolítica de que o poder e a disponibilidade para o usar ainda são factores incontornáveis nas Relações Internacionais.

Dentro de 18 meses, o exército afegão ainda não terá a dimensão e a capacidade para arcar autonomamente com o esforço de guerra. Pior do que isso, é que os Taliban e a Al-Qaeda também vêem e lêem as notícias e sabem que lhes basta resistir durante 18 meses e esperar que o inimigo comece a fazer as malas. Então sim, o espírito de Saigão poderá voltar para assombrar a Casa Branca, poderá não haver margem para gastar mais uns meses a deliberar e a escolha poderá ser apenas entre a derrota total e o reforço maciço de tropas. Por outras palavras, um beco sem saída. É evidente que os 18 meses não são inocentes: para além de placar o Partido Democrata, em Julho de 2011 estar-se-á a 16 meses das eleições presidenciais norte-americanas e Obama quer retirar as tropas do Afeganistão a tempo de o Afeganistão sair da mente e da memória do eleitorado, ou seja, a prioridade é vencer em 2012; a guerra está em segundo plano.

Resta ter fé que a estratégia do General McChrystal dê frutos até ao Verão de 2011, para o bem de todos nós e não apenas para o de Barack Obama e do Partido
Democrata.