CASCATA
NUCLEAR ASIÁTICA:
PAQUISTÃO
Existem três potências nucleares na Ásia, Médio Oriente
exclusive: China, Índia e Paquistão. Na base daquilo a que chamo a cascata nuclear asiática, está o
Paquistão.
O Paquistão é o mais pequeno (800.000 km2), tem a menor
população (193 milhões) e é o mais pobre. Em
três palavras, é o elo mais fraco. Por isso dizemos que está no fundo da
cascata.
Assumido como potência nuclear em 1998, quando realizou
5 testes nucleares em resposta a 3 testes levados a cabo pelo Índia, o
Paquistão tem como referência, motivação e raison d’être do seu programa
nuclear, a Índia.
Olhando para a história, para a Geografia e até para a Política
e a Religião, não é difícil perceber a fixação indiana do Paquistão:
* Combateu 3 dolorosas guerras (1948, 1965 e 1971) e
múltiplas escaramuças, dentre as quais destaco a de Kargil em 1999.
* Tem dimensões e potencial inferiores.
* Une-os (e separa-os) 2900 km de
fromteira.
* Separa-os, desde a génese, a religião
– Islamismo v Hinduísmo.
* Separa-os, também, a economia – PIB de 223 biliões de
US$ versus 1.8 triliões de US$ da Índia.
Dada a décalage de poder e o histórico das relações, o Paquistão
sofre do complexo e dos receios característicos de muitos Estados vizinhos de
outros mais poderosos e, frequentemente, com um padrão comportamental imperial
ou hegemónico.
Assim sendo, o
arsenal nuclear é visto por Islamabad (e por Rawalpindi - sede do poder militar) como uma apólice de
seguro de vida contra o risco indiano. Significativamente, tendo umas
forças armadas numerosas e razoavelmente bem equipadas, é nos meios
assimétricos que o Paquistão assenta as suas estratégias de defesa e ataque em
relação à Índia:
* Num plano
sub-convencional, os grupos terroristas (como o Lashkar-e-Taiba - LeT) que
contribuem para um conflito de baixa intensidade em Caxemira e desencadeiam
ataques em território indiano, como o ataque ao parlamento de New Delhi em 2001
e os múltiplos ataques em Bombaim em 2008.
* Na extremidade
oposta do espectro, está o nuclear que funciona como dissuasão a um ataque
convencional indiano e como arma retaliatória caso esse ataque se materialize.
Naturalmente, o programa nuclear paquistanês foi criado
e desenvolvido em função da Índia. A primeira preocupação foi a de construir um
arsenal suficientemente vasto para maximizar as possibilidades de sobrevivência
a um first strike indiano. Tal
impeliu o Paquistão para um tremendo esforço de construção e emprego de mísseis
e ogivas que lhe permitiram, de acordo com as estimativas mais informadas,
ultrapassar New Delhi no número de armas nucleares. DE acordo com a Arms Control,
Association, o Paquistão possui 90 a 110 ogivas nucleares e a Índia tem menos
de 100.
A segunda preocupação de Islamabad é a de fazer face à
superioridade convencional da Índia, especialmente desde que foi divulgada (e
nunca oficialmente assumida) a estratégia indiana designada de Cold Start. Cold Start será a retaliação da Índia a incursões e ataques
terroristas graves e consiste em incursões localizadas, rápidas e demolidoras
em território paquistanês, executadas por forças mecanizadas, para punir o
Paquistão por realizar aqueles ataques, ou por albergar, tolerar ou apoiar os
grupos responsáveis por esses ataques em solo indiano.
E a forma que o Paquistão escolheu para travar um eventual assalto
convencional indiano é recorrendo a armas nucleares de teatro (battlefield nuclear weapons), ou Short Range Nuclear Weapons (SRBM) de que é exemplo o Haft
9 (ou Nasr), um míssil ainda em desenvolvimento, modificado de um original da
China, com um alcance de 60 km e que foi testado pela primeira vez em 2011. Ou seja, um ataque convencional
indiano colherá uma devastadora, embora limitada, resposta nuclear.
O aspecto mais dramático deste cenário é a sequência: este recurso limitado a armas nucleares desencadeará
necessariamente uma retaliação nuclear
de New Delhi. Esta pode ser igualmente limitada no poder e no escopo, mas é
provável que a resposta da Índia seja um ataque nuclear maciço. Este, por sua
vez, despoletaria uma contra-retaliação
de Islamabad com o arsenal restante. Numa região que alberga 1.5 biliões de
pessoas, estaríamos a contemplar um inferno nuclear com muitos milhões de
mortos. Uma estimativa publicada pelo
International Herald Tribune em 2002, previa que as vítimas mortais de uma
guerra nuclear indo-paquistanesa poderia ascender a 12 milhões.
Country
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Status
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Propellant
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Pakistan
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Hatf-1
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Operational
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80-100 km
|
Solid
|
Hatf-2 (Abdali)
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Tested/Development
|
190 km
|
Solid
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Hatf-3 (Ghaznavi)
|
Operational
|
300 km
|
Solid
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Shaheen-1 (Hatf-4)
|
Operational
|
750 km
|
Solid
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Ghauri-1 (Hatf-5)
|
Operational
|
1,300 km
|
Liquid
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Ghauri-2 (Hatf-5a)
|
Tested/Development
|
2,300 km
|
Liquid
|
Shaheen-2 (Hatf-6)
|
Tested/Development
|
2,500 km
|
Solid
|
Ghauri-3
|
Development
|
3,000 km
|
Liquid
|
A tipologia dos mísseis paquistaneses (ver quadro supra)
encaixa, naturalmente, nos objectivos e estratégia do país: o alcance da
maioria das categorias de mísseis operacionais são de curto alcance,
principalmente concebidos para destruir alvos específicos, com grandes
concentrações militares. Mesmo os de maior alcance, são o suficiente para cobrir o território indiano e não mais
do que isso.
Por isso, posicionamos o Paquistão no fundo da cascata: um único inimigo, um só alvo, apenas uma razão
para o arsenal nuclear, sendo que esse inimigo/alvo/razão está num plano de
poder superior.
Os grandes riscos associados ao arsenal nuclear do Paquistão são
dois. Um associado à segurança interna e que consideramos
remoto, reporta-se ao poder da insurgência
islamista radical, da qual se destaca o Tehrik-i-Taliban Pakista (TTP), que
aflige o Paquistão. Teme-se que, num cenário de agravamento da violência e de
erosão da ordem pública possa proporcionar a um destes grupos apossar-se de
alguns engenhos nucleares.
O outro relaciona-se com a estratégia nuclear de Islamabad que, sendo compreensível face ao
diferencial de poder militar com a Índia, pode fazer degenerar uma conflagração
militar convencional, mesmo que restrita, num conflito nuclear de alcance e consequências
imprevisíveis.
Estes factores, somados à perene conflitualidade entre
os dois países, fazem com que a Ásia do Sul seja o palco nuclear mais instável
e perigoso do planeta. O Paquistão é frequentemente apontado como O
responsável por esta situação, mas é importante compreender a Geopolítica, a
História, enfim, os constrangimentos internos e externos que enfrenta, bem como
as acções de adversários e aliados. O
xadrez nuclear asiático tem vários players, cada um deles com objectivos e
interesses a prosseguir. O Paquistão é apenas um deles.