“A
RIDDLE WRAPPED IN A MISTERY
INSIDE
AN ENIGMA”
“It is a riddle wrapped in a mystery
inside an enigma.” Assim se referiu Winston Churchill à
União Soviética numa alocução na BBC a 1 de Outubro de 1939. A II Guerra
Mundial começara há exactamente um mês. A URSS havia invadido a Polónia duas
semanas antes, a 17 de Setembro.
Uma charada,
embrulhada num mistério dentro de um enigma.
Salvaguardando as distâncias devidas à gravidade da situação e
ao poder do objecto da sagacidade de Churchill, talvez pudéssemos aplicar esta
análise à Coreia do Norte.
A ameaça que faz tremer o mundo, mas que não é tão temível como
parece.
O regime stalinista da
Coreia do Norte é dos menos compreendidos do tabuleiro geopolítico mundial no
dealbar do século XXI. A opinião generalizada é que os dirigentes norte-coreanos
são irracionais, irascíveis, fanáticos, perigosos e imprevisíveis. Condensando,
são um bando de doidos furiosos.
É uma análise simplista
que até serve os propósitos de Pyongyang. Sim, acredito que a liderança da
Coreia do Norte tem propósitos e como tal as suas acções são maioritariamente
racionais, em função dos meios disponíveis. Aliás, a frase seguinte do breve
discurso de Churchill ajuda-nos a encontrar o caminho no labiríntico enigma
norte-coreano: ”but
perhaps there is a key. That key is Russian national interest.”
Aí está. A minha
convicção é a de que a Coreia do Norte e os sucessivos Kims que a governam,
prosseguem a sua visão de interesse nacional. Qual é ele então?
Sendo a Coreia do Norte
liderada, no topo de pirâmide, por uma dinastia familiar, sustentada por uma
clique político-militar, também ela com um forte cunho hereditário, não será
difícil apontar a manutenção do statu quo como o objectivo vital do regime. O conceito-chave é mesmo MANUTENÇÃO.
·
A manutenção da
independência do país.
· Consequentemente,
a manutenção da divisão da Península da Coreia,
· A manutenção do
poder total e exclusivo nas mãos da clique dirigente, do Partido e das Forças
Armadas.
· Como corolário, a
manutenção de todos os privilégios de que a nomenklatura goza.
Eis o interesse nacional da Coreia do Norte: a Nomenklatura
dirigente.
Sendo a Coreia do Norte
um país relativamente pequeno (120.000 km2 e 25 milhões de habitantes) e muito
pobre (PIB de 40 biliões de Dólares e PIB p/c de US$ 1800, 197º do mundo), o poderio militar foi a fórmula encontrada
para infundir respeito e salvaguardar a segurança do país.
Essa estratégia assenta em 3 vectores: a colocação de dezenas
de milhares de peças de artilharia ao longo do paralelo 38 que divide as
duas Coreias e que têm a capacidade (pelo menos teórica) de provocar tremenda
destruição em Seoul; o desenvolvimento
de mísseis balísticos de médio e longo alcance com os quais pode ameaçar os
países vizinhos e até outros mais distantes; o programa nuclear que, somado ao dos mísseis, poderão conferir a
Pyongyang uma capacidade de dissuasão face a rivais muito mais poderosos.
Para sobreviver, mesmo
mantendo grande parte da população no limiar da sobrevivência, a Coreia do
Norte precisa de recursos. Então, os seus programas bélicos servem como forma
de pressão e de blackmail sobre os Estados Unidos, a Coreia do Sul, o Japão, a
China e a Rússia para obter fornecimentos de energia e alimentos e para
dissuadir eventuais ataques.
Quando as cedências
prometidas pelos Kim não se materializam e as sanções, ameaças, ou
recriminações internacionais apertam, a Coreia do Norte realiza um novo teste
balístico ou nuclear, acompanhado por um trovejar de ameaças cataclísmicas que
deixam aterrado o mais pacato cidadão.
A credibilidade destas
ameaças é conferida pela capacidade que os repetidos testes vão confirmando
(descontando os vários falhanços) e pela reputação da liderança norte-coreana
ser suficientemente tresloucada para levar a cabo as ameaças que profere.
Sounds crazy? Maybe, but it works. A
insignificante Coreia do Norte senta-se à mesa das negociações com as 3 maiores
economias do mundo, com as 2 maiores potências nucleares do planeta, com 5
países do G-20 e faz capas de jornais e destaques em noticiários. Not bad.
Churchill sabia do que falava. Tal como Stalin, Kim Il Sung, Kim
Jong Il e Kim Jong Un tratam de defender o interesse nacional da Coreia do
Norte. Fazem-no com uma estratégia e com os meios ao seu alcance. A sua
concepção de interesse nacional é mais interesseira do que nacional e a
metodologia é heteredoxa, mas no mundo da Real Politik os resultados é que
interessam.
Estas ameaças não serão
bluff? Sim, são bluff. No momento em que a Coreia do Norte desencadeie um ataque
sério, seja contra a Coreia do Sul, o Japão, ou qualquer outro, o regime será
liquidado. Se o ataque for nuclear, provavelmente será obliterado. Tal
significa que, dado que o objectivo do regime é sobreviver, só desencadeará um
ataque dessa natureza em desespero de causa, numa situação limite. Os ataques
convencionais limitados no escopo e no tempo apenas servem para reforçar a
credibilidade da periculosidade da Coreia do Norte.
E enquanto as potências
mundiais acreditarem na loucura e determinação de Kim & Co., enquanto prevalecer
a convicção de que é demasiado perigoso contrariar um louco, enquanto essas
potências (ou uma delas) não tiver um superior interesse em eliminar o statu
quo em Pyongyang, o mais provável é que os Kim e o seu modelo sui generis de
stalinismo perdurem.
P.S. Já depois de ter
escrito este post, foi divulgada nova ameaça da Coreia do Norte: após serem
conhecidas negociações entre os EUA, a China e a Rússia para novas sanções
contra Pyongyang, os Norte-Coreanos ameaçaram romper o Acordo de Armistício que
vigora há 60 e que pôs fim à Guerra da Coreia. A consumar-se a ameaça, em
termos práticos, a Península da Coreia voltaria a estar em estado de guerra.
Note-se que o armistício apenas suspende a guerra e que o seu terminus efectivo
só acontece com a assinatura de um acordo de paz.