31 julho, 2012

Indiferença

INDIFERENÇA


Wolfgang Scrooge (aka Schauble) frequentemente tem atitudes ou declarações em que ameaça, pressiona, apouca, ou humilha os Gregos. Pode não ser bonito, mas a realidade é que Wolfgang Scrooge não foi eleito pelos Gregos, não os representa e, aparentemente está-se nas tintas para eles. Ou seja, os Gregos são-lhe indiferentes.

Indiferença. A governação em muitos países da Europa (e não só) tem-se pautado por muita incompetência, opacidade, corrupção, falta de sentido estratégico, oportunismo político, ausência de sentido de estado, ignorância do que é o serviço público. Não obstante este extenso e grave rol de defeitos, há um que é pouco mencionado, mas que sobressai: a Indiferença.

Não sou adepto do Estado paternalista que acorre a tudo e a todos, reduzindo os cidadãos a criaturas incapazes e inimputáveis. No entanto, é suposto os governantes importarem-se com os governados; é de esperar que tenham em conta os seus anseios e preocupações; é normal que o Estado actue no sentido de minimizar a dor e de maximizar o conforto, especialmente quando aquela ocorre em circunstâncias para além da vontade e do controle das pessoas. Tudo isto é ainda mais expectável, quando o sofrimento decorre de acções ou omissões do Estado e dos governantes. Que estes comportamentos sejam substituídos pela frieza da Indiferença é cruel e inaceitável.
Lamentavelmente, tal tem sido prática corrente em Portugal:

·         A recusa de Sócrates em pedir desculpa aos Portugueses porque não tinha nada que pedir desculpa, isto depois de ter dado um contributo decisivo para levar Portugal à ruína e muitos milhares de Portugueses ao desespero.

·         O desplante de Passos Coelho ao afirmar que o Governo não tem exigido demais aos Portugueses.

·         A insistência de ambos que o caminho para o abismo é a única solução, mesmo quando confrontados com os números do desemprego, das falências de empresas, da ruína de famílias, da insolvência de indivíduos, do confisco de rendimentos, da entrega de casas aos bancos, da queda abrupta do consumo.

·         Reconhecer os sacrifícios que os Portugueses fazem com o ar de enfado de quem está a fazer um frete ou a marcar o ponto.



Tudo isto configura uma altiva Indiferença, brutal e desumana, perante uma população que em muitos casos come o pão que o diabo amassou, enquanto que aqueles que simultaneamente governam e são co-responsáveis pelo desastre não fazem o que deviam: mover céus e terra para apoiar e compreender, já para não falar em resolver e superar a crise.

Esta arrogância somada à Indiferença não é exclusiva de Portugal. Em Espanha, na Grécia, em Itália, assistimos a fenómenos semelhantes, sendo o caso grego particularmente gritante dada a brutalidade da austeridade aí implementada. Em Espanha, por exemplo, Rajoy está mais empenhado em ostentar a bravata de toureiro perante o exterior (nós não precisamos de ajuda) do que em resolver os problemas dos Espanhóis.

Esta Indiferença vai alienando ainda mais os representados dos seus pseudo-representantes. Frequentemente, a resposta daqueles é retribuir a Indiferença: não votam; desligam-se da política e desprezam os políticos.


É merecido e compreensível, mas não ataca a raiz do problema. A solução passa pela remoção implacável e duradoura de quem despreza os cidadãos e é alheio aos seus problemas. A Indiferença num governante é um pecado sem perdão e assim devia ser encarada e tratada.

23 julho, 2012

Farinha do Mesmo Saco



FARINHA DO MESMO SACO






Uma parte significativa da actual geração de líderes políticos está marcada por algumas características comuns, tais como: pertenceram às Juventudes partidárias (vulgo Jotas) e fizeram toda a sua carreira académica (?) e profissional (?) na política, sob a política, ao lado da política, dentro da política.


José Sócrates, Pedro Passos Coelho, Miguel Relvas e António José Seguro são os expoentes deste modus vivendi, embora haja muitos mais. São todos farinha do mesmo saco.

Estes indivíduos fizeram carreira nas Jotas, frequentemente alcandorando-se a lugares nas associações estudantis e académicas, que potenciam a carreira na Jota e vice-versa. Este círculo virtuoso (para eles), se for bem conduzido e apadrinhado poderá levá-los às direcções nacionais das Jotas. Uma vez lá, o caminho está aberto para serem deputados, assessores e adjuntos de membros do Governo e membros de órgãos nacionais do partido. Entretanto, já terão há muito aderido à facção conjunturalmente dominante no partido, ou à sua mais forte alternativa. Ponto importante no processo é garantir um padrinho, seja ele uma figura importante no aparelho do partido, ou uma facção do mesmo.


A partir deste ponto, a criatura está devidamente entrincheirada no circuito político-partidário e criadas as condições para que a sua presença nele se eternize.


É evidente que as coisas podem correr mal. O caso mais clássico é a aposta no cavalo errado, que pode levar a uma morte súbita. No entanto, estes jovens apparatchiks são mestres na arte do “Morreu o Rei, Viva o Rei”, ou mais coloquialmente no vira-casaquismo, que praticam despudoradamente.


Nesta altura, alguns descobrem que o canudo, o Dr., o Eng. dão muito jeito. Ir a uma conferência partidária com o Dr. Fulano, o Arquitecto Beltrano e o simples Sr. Sicrano, fica muito mal perante as bases, os media e o público. Como o jeito, a vocação, a pachorra e, possivelmente, a capacidade não abundam e como não há a mais remota intenção de utilizar os conhecimentos supostamente adquiridos nos estudos, vale tudo para se deitar a mão ao dito diploma. Daí as trapalhadas em que os pequenos se envolvem quando são descobertos.


Finalmente, como nada mais fizeram na vida senão política (essencialmente) partidária são frequentemente incapazes de exercer qualquer outra actividade na vida. Por isso, quando há cargos em disputa, ou quando estão na iminência de ficar sem cargo (por exemplo, aquando da feitura das listas de deputados), as criaturas, como quaisquer outras, lutam pela sobrevivência e são capazes de vender pai e mãe para garantir o salvífico lugarzito.


Desenganem-se quando algum dentre eles é visto a ocupar funções doutra natureza. O mais certo é o lugar em causa ter sido arranjado pelo padrinho ou de outras conexões partidárias, para que o apparatchik se afaste dos holofotes por uns tempos, aconchegue a conta pessoal, ou fique a marinar à espera de melhor oportunidade.


O pior de tudo, é que esta falange de políticos não tem especiais qualificações para o exercício da Política e do serviço público. Pelo contrário, tais são conceitos que lhes passam ao lado. Isto porque, o seu treino e formação é na política subterrânea, nos conluios, nas conspirações, nas trocas de favores, na feitura opaca de listas, na troca de informações e coscuvilhices, na promiscuidade com os media, nas negociatas, na vanitas vanitatum.


Não têm visão estratégica, não têm convicções, são desprovidos de princípios, falta-lhes sentido de estado e não têm espírito de serviço público. Em resumo, são parasitas do aparelho de estado à custa do qual vivem, do qual dependem em absoluto e ao qual nada de útil dão em troca.


Se pensarmos no que nos custa o proveito destas criaturas, se pensarmos no mal que fizeram, fazem e farão a Portugal e aos Portugueses em troca do seu benefício e vaidade pessoal, facilmente concluiremos que não passam de uns vermes. Bem sucedidos, mas mesmo assim vermes.


NOTA: Este texto visa retratar uma realidade da política partidária portuguesa. Tal não significa, contudo, que não haja excepções. Infelizmente são poucas e cada vez menos significativas.

APÊNDICE:

A Farinha é do mesmo saco e é a mesma farinha. As caras, essas variam:

Relvas




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sócrates

 Seguro


Coelho


20 julho, 2012

Mantorras: "a Alegria do Povo"

MANTORRAS: “A ALEGRIA DO POVO”



Pedro Mantorras celebra mais um golo no histórico Campeonato de 2004/05.


No dia 2 de Agosto de 2001, decidi fazer uma rara pausa no longo sprint final de redacção da minha tese de Doutoramento. Fui ver o jogo de apresentação do Benfica aos sócios e adeptos do Norte, que se realizou no Estádio D. Afonso Henriques.
O adversário era o Feyenoord da Holanda. O ambiente era fantástico: estádio cheio, todo pintado de encarnado e com uma significativa falange de apoio dos Holandeses. Parecia um jogo da UEFA.
Foi nesse jogo que conheci o Mantorras! E ele apresentou-se com 2 golos (o último um golaço) e uma assistência, na vitória do Benfica por 2-1. (Crónica do jogo do “Record” em http://www.record.xl.pt/Arquivo/interior.aspx?content_id=94685 )
Começava aí a escrever-se a história de uma lenda. A lenda de um jogador que tinha qualidades excepcionais e poderia vir a ser um dos melhores (a jogar em Portugal já o era). A lenda trágica de uma carreira amputada por lesões maltratadas no joelho. A lenda de um jogador limitado fisicamente que tinha o condão de entrar em campo a 15 minutos do final e resolvia jogos. A lenda de um jogador que punha a multidão em delírio quando entrava no relvado (daí ter recebido o epíteto de Alegria do Povo). A lenda do jogador cujos golos foram cruciais na conquista do Campeonato pelo Benfica de Trapattoni em 2004/05.



O último golo oficial de Mantorras pelo Benfica: Campeonato Nacional de 2008/09 marcou ao 91 min. O 3º golo na vitória do Benfica por 3-1 contra o Belenenses no Estádio da Luz.




27ª jornada do Campeonato de 2004/05, o Benfica recebe o Marítimo na Luz. Depois de estar a vencer por 3-1 (Nuno Gomes 2 e Miguel), o jogo está empatado a 3-+3. Ao minuto 87 Mantorras faz o 4-3 final e mantém o Benfica na rota do 31º título.



Anteontem, jogou pela última vez, numa merecida festa de homenagem no jogo que também era contra a fome e opunha o Benfica aos Amigos de Figo. Fiel a si próprio, Mantorras jogou 16 minutos e marcou um golo. Foi bonito e foi merecido. Foi pena não termos tido mais Mantorras. Ele merecia e nós também.



“Mantorras The Unstoppable” contém alguns highlights da carreira de Pedro Mantorras, incluindo mais dois golos do Campeonato 2004/05: o 4-0 em souplesse ao Boavista (aos 94 min.) e vital 1-2 ao Estoril Praia.


P.S. Não consegui encontrar o video do meu golo favorito de Pedro Mantorras, mas fica o registo: 4ª jornada do Campeonato Nacional de 2001/02, 25 de Agosto, Estádio da Luz: Benfica, 3 – Vitória de Setúbal, 2 com um hat-trick perfeito (3 golos consecutivos) de Mantorras. O golo em causa, creio que foi o 3º e foi um livre directo à Eusébio.

Mantorras marca o 1-2 final num jogo para a Taça de Portugal em Leiria.

17 julho, 2012

A Estrada de Damasco

A ESTRADA DE DAMASCO



“A Conversão de S. Paulo” de Aelbert Cuyp,
 pintor Holandês (Dordrecht) do século XVII (1620-1691).


A “Estrada de Damasco” remete-nos para a iluminação e conversão de Saulo no Apóstolo Paulo, mais tarde canonizado e conhecido por S. Paulo.


Hoje, a Estrada de Damasco está recheada de mil perigos, mas não oferece a redenção a ninguém.


O regime dos Assad (Hafez, o pai, de 1970 a 2000 e Bashar, o filho, desde então) há muito que não tem remissão por ser uma das mais brutais e impiedosas ditaduras do Médio Oriente. Além de que eles não seguem essa estrada, uma vez qu estão instalados em Damasco há 42 anos.


A oposição, em boa verdade não se sabe. Não se sabe quantos são, a maioria nem se sabe quem são, mas sabe-se que são díspares e que nela estão acantonados muitos elementos indesejáveis. Também se sabe que são incapazes de derrubar o regime sírio e por isso estão a receber apoio militar da Turquia, Arábia Saudita e Qatar (directamente) e dos EUA (indirectamente). Para eles, a Estrada de Damasco tem sido um mortífero beco sem saída.


O Trio Sunita (Turquia, Arábia Saudita e Qatar). Estes países são os maiores opositores dos Assad, mas além da questão religiosa que os une (são todos maioritariamente Sunitas) seguem roteiros diferentes. Para os Sauditas e os Qataris trata-se, acima de tudo, de contrariar a crescente hegemonia iraniana no Médio Oriente retirando-lhe o principal aliado árabe da sua esfera de influência. Para os Turcos, a questão é de garantir a estabilidade e segurança nas suas fronteiras e afirmar a sua ambição de potência regional em ascensão. No entanto, este Trio não incluiu equipamento militar no seu kit de viagem. O resultado é que estão atascados na Estrada de Damasco sem perspectivas de lá chegarem rapidamente.


O Irão não mora em Damasco, mas já lá está. Afinal tem lá os seus maiores amigos no mundo árabe. E passa por lá frequentemente a caminho do Líbano, onde está outro dos seus amigos: o Hezbollah. Para Teerão, o problema é que a Estrada de Damasco que tem sido uma open road na últimas duas décadas, se transforme, digamos, numa via com pesadas portagens. Esse é um preço geopolítico que os ayatollahs não querem pagar e por isso vão canalizando apoio económico, logístico e militar pela Estrada de Damasco, para o regime de Assad.


Os Estados Unidos não têm a Estrada de Damasco no GPS. Ou melhor, Washington quer o colapso do regime de Damasco, mas não quer intervir militarmente, porque há eleições dentro de 4 meses e porque é muito perigoso, pois a Síria tem um sistema de defesa aérea moderno e capaz. Como não encontram a Estrada que os leve a Damasco sem dar o corpo ao manifesto, aquilo que se ouve dos EUA é a Sra. Hillary Clinton a gritar que o regime sírio não tem legitimidade, que os Assad são bandidos sem escrúpulos e que os serviços de segurança sírios têm sangue nas mãos. Não se prevê que seja assim que os EUA cheguem a Damasco e, muito menos, que vejam a luz como Paulo há 2000 anos.


Para a Rússia, a Estrada de Damasco passa por Tartus. Tartus é o único porto de apoio de que a Frota Russa do Mar Negro dispõe no Mediterrâneo e tem, por isso, relevância estratégica para Moscovo. Depois, a Síria é o último aliado histórico que a Rússia tem no Médio Oriente. Na Guerra Fria, a União Soviética contava por aliados ou próximos uma lista de estados que incluía a Síria, o Iraque, a Líbia, o Egipto, a Argélia e o Iémen do Sul. Finalmente, Moscovo tenta negar ao Ocidente mais um êxito na região ou, no mínimo, arranjar mais um pantanal para os EUA se atolarem. Resumindo, o objectivo da Rússia é tornar a Estrada de Damasco intratável para os opositores externos do Governo da Síria.


2000 anos depois de Paulo, a Estrada de Damasco é palco de rivalidades, interesses geopolíticos, jogos de influência e poder, conflitos sectários e políticos e, claro, muita violência, sangue e morte.


2000 anos depois de Paulo ter visto a luz, não há luz, nem redenção, nem profetas ou apóstolos e muito menos conversão. Apenas Real Politik. Fascinante, impiedosa e brutal.

06 julho, 2012

O Circo da Semana

O CIRCO DA SEMANA


 
Uma boa parte da vida pública e política da III República em Portugal assemelha-se a um circo. Esta semana o espectáculo atingiu os píncaros. Talvez devido à crise, os artistas do Circo da Semana foram só palhaços. Porém, estes palhaços são polivalentes: além das palhaçadas, eles fazem malabarismos, acrobacias e ilusionismo. Por fim, à falta de feras, tentam fazer de todos nós bestas. Vamos conhecê-los.

O Palhaço Interesseiro: Tribunal Constitucional

O roubo dos 13º e 14º meses dos funcionários públicos é inconstitucional. Não por ser um roubo, mas por não ser generalizado. Ou seja, se o confisco abrangesse todos os Portugueses, a constitucionalidade estava garantida. Ah, mas não é inconstitucional em 2012. Só a partir de 2013. Resumindo, este Palhaço fez o servicinho que habitualmente faz ao PSD ou ao PS, que nomeiam a maioria dos juízes. Contudo, como desta vez a medida lhes mexeu no bolso (sim, porque se não fizerem batota, também eles ficariam sem os subsídios durante 6 anos), o jeito é limitado no tempo. Hoje é constitucional, amanhã já não é! Palhaçada e prestidigitação!

O Palhaço Prepotente: Pedro Passos Coelho

Coelho estava visivelmente irritado, com cara de mau perdedor. E reagiu com azia: não me deixam ficar com os subsídios, eu vou sacar mais a muitos mais! Este é o Palhaço que faz o papel de prepotente, mas na realidade é do tipo marioneta, comandado à distância, de Berlim e de Bruxelas, de onde já recebeu o recadito da ordem.

O Palhaço Pobre: António José Seguro

Reagiu dizendo que não admite mais austeridade...este ano. Para o ano já estará bem. Faz o jogo dos dois palhaços anteriores, mas não risca nada. É o típico Palhaço Pobre que faz figura de pateta. Veio também a saber-se que fez bullying aos dissidentes internos que hoje aproveitaram para ajustar contas. Vida de pobre não é fácil. Quando também se é palhaço e pateta, ainda pior.

O Palhacito: Nuno Magalhães*

O “Palhacito” não tem qualquer conotação ternurenta, antes reporta-se à relativa insignificância do protagonista. Não obstante, Nuno Magalhães proferiu as maiores barbaridades** que se ouviram no dia de hoje. Num registo que causou visível auto-satisfação, como sou espirituoso e acutilante, o Palhacito questionou a decisão de inconstitucionalidade, escudando-se na diferença de salários entre os sectores privado e público (?!?), acusando o TC de assumir competências orçamentais (o TC considerou uma medida orçamental inconstitucional, não a substituiu por outra) e tentando imputar ao TC responsabilidades pela recessão que toda a gente sabe que é da exclusiva responsabilidade do governo do Palhacito e do anterior.

O Palhaço Ausente: Cavaco Silva

O Presidente da República manifestou, aquando da promulgação do Orçamento de Estado, as suas dúvidas sobre a violação da regra da equidade. Contudo, assinou de cruz, não se dando ao trabalho de enviar o documento para o Tribunal Constitucional para fiscalização prévia da constitucionalidade. Hoje não desceu à pista, mas a sua palhaçada pessoal foi desmascarada.

E é este o circo em que os Portugueses vão vivendo. Os Romanos tinham pão e circo. Os Portugueses não têm pão e têm um circo muito rasca!


* Para quem não saiba, o Palhacito é o líder do Grupo Parlamentar do CDS.
** As barbaridades produzidas pelo Palhacito podem ser lidas em http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=568493&tm=9&layout=121&visual=49

04 julho, 2012

Jackson-Vanik & Magnitsky

JACKSON-VANIK & MAGNITSKY


Antes que pensem que o título deriva do consumo excessivo de whisky e de vodka, vamos contextualizá-lo e explicá-lo. Jackson, Vanik e Magnitsky são os nomes de três pessoas:

Henry Jackson (1912-1983): Senador Norte-Americano, Democrata, de Washington.

Charles Vanik (1913-2007): Congressista Norte-Americano, Democrata, do Ohio.

Sergei Magnitsky (1972-2009): advogado, Russo.

Jackson-Vanik é a designação pela qual ficou conhecida uma emenda (amendment) introduzida no Trade Act de 1974, pela qual os Estados Unidos não concederiam o estatuto de nação mais favorecida a países sem economia de mercado e que desrespeitassem os direitos humanos, especialmente o direito a emigrar.* Embora a emenda não fosse explicitamente direcionada, ela foi introduzida com a União Soviética em mente. Volvidos 38 anos, o Senado ainda não conseguiu (não quis) abolir a Jackson-Vanik que, além de obsoleta, é um empecilho à entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Sergei Magnitsky era um advogado russo que denunciou um alegado caso de fraude e evasão fiscal em larga escala e com envolvimento de elementos com ligação ao poder. Depois de um ano na prisão, morreu em condições e circunstâncias suspeitas.

No dia 26 de Junho, a Comissão de Negócios Estrangeiros do Senado dos EUA, aprovou por unanimidade o “Sergei Magnitsky Rule of Law Accountability Act” que, a ser aprovado no Senado, impedirá agentes políticos ou policiais russos envolvidos na prisão ou morte de Magnitsky de entrar nos EUA e congelará os activos que possuam no país. Se, como pretendem Senadores como John McCain, esta legislação complementar a Jackson-Vanik, o comércio entre os Estados Unidos e a Rússia será posto em causa.

Este tipo de intervencionismo é discutível e contraproducente.

Em primeiro lugar, tal representa uma ingerência grosseira nos assuntos internos de outro país. Independentemente das razões de Magnitsky, ou até do seu eventual assassinato, não se colocam as relações entre dois países em causa por um caso de polícia, seja ele corrupção, ou homicídio. Até porque, como sabemos, quem tem telhados de vidro deve usar de prudência e ponderação.

Em segundo lugar, enforma de uma hipocrisia gritante. Basta dizer que países como a China e a Arábia Saudita não estão sujeitos a este tipo de retaliações, para ficarmos esclarecidos acerca da consistência desta postura.

Em terceiro lugar, contraria os interesses nacionais dos Estados, neste caso, dos EUA. A não ser que Washington queira enveredar por uma política de confronto com Moscovo (e obviamente não quer), provocar um downgrade das relações bilaterais seria contrário aos interesses norte-americanos.

Em quarto lugar, não é de todo expectável que este tipo de coacção provoque alterações na política interna russa no sentido desejado pelo Senado dos EUA. Pelo contrário, tal será aproveitado por Vladimir Putin para acentuar a vertente nacionalista russa e para demonizar os EUA perante os Russos.

Seria bom que os Estados devotassem mais esforço na resolução dos seus problemas internos e na prossecução do seu interesse nacional, em vez de estarem sempre preocupados com o que se passa na casa do vizinho. Até porque, quando chega o dia do vice-versa, a ingerência deixa de ser interessante....


* O Presidente dos Estados Unidos tem a faculdade de aprovar uma isenção anual à aplicação da Jackson-Vanik, o que foi feito repetidas vezes com a China e depois com a Rússia e o Vietname.

P.S. A publicação deste post no dia 4 de Julho, dia nacional dos Estados Unidos (Independence Day) é mera coincidência.

P.P.S. Curiosidade estatística: este é o post nº 300 do Tempos Interessantes.

01 julho, 2012

Odisseia Greco-Europeia

ODISSEIA GRECO-EUROPEIA



A Europa vive uma Odisseia, que tal como a original, a de Ulisses cantada por Homero, parece não ter fim.

Cartoon de Tom Toles in “The Washington Post” em http://www.washingtonpost.com/

O primeiro problema é que o berço da civilização europeia está em crise profunda: a Grécia implodiu economicamente e sobrevive (???) ligada à máquina do soro que lhe vai sendo injectado ao mesmo tempo que se esvai (a economia) em sangue.

O segundo é que a crise alastrou e novas Grécias (com variantes específicas) proliferaram pela Europa: Irlanda, Portugal, Espanha, Chipre, quiçá Itália, Bélgica, entre outros insuspeitos. É um périplo bem mais longo e complexo do que a rota de Ulisses de regresso a Ítaca.

O terceiro é que cada solução é destruída nos dias seguintes à sua apresentação, seja pelos mercados desconfiados, pelas bolsas nervosas, ou pelos próprios autores e proponentes, inseguros e incompetentes. Continuando no registo homérico, a resolução da crise é como a teia de Penélope, tecida de dia, desfeita durante a noite.

E assim a Odisseia continua, com provações incontáveis, enquanto os deuses contemporâneos, políticos, burocratas, financeiros, vão prosseguindo os seus desígnios, gastando os nossos recursos e exibindo as suas incompetências.

Quando Ulisses chegou finalmente a Ítaca, eliminou com o seu arco e flechas os cortesãos traidores que queriam casar com sua mulher Penélope e apoderar-se do seu trono.

Talvez, quando Ulisses chegue de novo e finalmente a Ítaca, ou seja, quando Gregos, Irlandeses, Portugueses, Espanhóis, Cipriotas, Italianos, chegarem finalmente à conclusão de que a crise e a incapacidade de a superar se deve a uma legião de novos cortesãos e traidores, talvez então se faça o definitivo acerto de contas e a paz regresse a Ítaca, à Europa.

 Ulisses eliminando os traidores.