04 julho, 2012

Jackson-Vanik & Magnitsky

JACKSON-VANIK & MAGNITSKY


Antes que pensem que o título deriva do consumo excessivo de whisky e de vodka, vamos contextualizá-lo e explicá-lo. Jackson, Vanik e Magnitsky são os nomes de três pessoas:

Henry Jackson (1912-1983): Senador Norte-Americano, Democrata, de Washington.

Charles Vanik (1913-2007): Congressista Norte-Americano, Democrata, do Ohio.

Sergei Magnitsky (1972-2009): advogado, Russo.

Jackson-Vanik é a designação pela qual ficou conhecida uma emenda (amendment) introduzida no Trade Act de 1974, pela qual os Estados Unidos não concederiam o estatuto de nação mais favorecida a países sem economia de mercado e que desrespeitassem os direitos humanos, especialmente o direito a emigrar.* Embora a emenda não fosse explicitamente direcionada, ela foi introduzida com a União Soviética em mente. Volvidos 38 anos, o Senado ainda não conseguiu (não quis) abolir a Jackson-Vanik que, além de obsoleta, é um empecilho à entrada da Rússia na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Sergei Magnitsky era um advogado russo que denunciou um alegado caso de fraude e evasão fiscal em larga escala e com envolvimento de elementos com ligação ao poder. Depois de um ano na prisão, morreu em condições e circunstâncias suspeitas.

No dia 26 de Junho, a Comissão de Negócios Estrangeiros do Senado dos EUA, aprovou por unanimidade o “Sergei Magnitsky Rule of Law Accountability Act” que, a ser aprovado no Senado, impedirá agentes políticos ou policiais russos envolvidos na prisão ou morte de Magnitsky de entrar nos EUA e congelará os activos que possuam no país. Se, como pretendem Senadores como John McCain, esta legislação complementar a Jackson-Vanik, o comércio entre os Estados Unidos e a Rússia será posto em causa.

Este tipo de intervencionismo é discutível e contraproducente.

Em primeiro lugar, tal representa uma ingerência grosseira nos assuntos internos de outro país. Independentemente das razões de Magnitsky, ou até do seu eventual assassinato, não se colocam as relações entre dois países em causa por um caso de polícia, seja ele corrupção, ou homicídio. Até porque, como sabemos, quem tem telhados de vidro deve usar de prudência e ponderação.

Em segundo lugar, enforma de uma hipocrisia gritante. Basta dizer que países como a China e a Arábia Saudita não estão sujeitos a este tipo de retaliações, para ficarmos esclarecidos acerca da consistência desta postura.

Em terceiro lugar, contraria os interesses nacionais dos Estados, neste caso, dos EUA. A não ser que Washington queira enveredar por uma política de confronto com Moscovo (e obviamente não quer), provocar um downgrade das relações bilaterais seria contrário aos interesses norte-americanos.

Em quarto lugar, não é de todo expectável que este tipo de coacção provoque alterações na política interna russa no sentido desejado pelo Senado dos EUA. Pelo contrário, tal será aproveitado por Vladimir Putin para acentuar a vertente nacionalista russa e para demonizar os EUA perante os Russos.

Seria bom que os Estados devotassem mais esforço na resolução dos seus problemas internos e na prossecução do seu interesse nacional, em vez de estarem sempre preocupados com o que se passa na casa do vizinho. Até porque, quando chega o dia do vice-versa, a ingerência deixa de ser interessante....


* O Presidente dos Estados Unidos tem a faculdade de aprovar uma isenção anual à aplicação da Jackson-Vanik, o que foi feito repetidas vezes com a China e depois com a Rússia e o Vietname.

P.S. A publicação deste post no dia 4 de Julho, dia nacional dos Estados Unidos (Independence Day) é mera coincidência.

P.P.S. Curiosidade estatística: este é o post nº 300 do Tempos Interessantes.

5 comentários:

Juliana Santos disse...

Não conhecia este caso, mas uma vez mais os EUA pecam pela atitude de "dois pesos, duas medidas", provando que não há critérios que sejam puramente objetivos, principalmente no que concerne à sua política externa.
E, se há coisa que não me cabe na cabeça, é o facto de eles se considerarem guardiões da paz e da segurança no mundo e se considerarem juízes justos no caso das negociações para a paz do conflito israelo-palestiniano. Já faz tempo que a ONU está a precisar de sérias reformas e que os EUA passem a pasta a quem de direito.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Olá Juliana!

É bom ver-te por cá!
Os "dois pesos, duas medidas" não são exclusivos dos EUA. A rpincipal diferença é a vestimenta moral que tentam colocar quando fazem uma coisa e o seu contrário.

Contudo, diga-se em abono da verdade, não há a quem "passar a pasta"...

Daniel Gonçalves disse...

"(...)tal representa uma ingerência grosseira nos assuntos internos de outro país"
Não percebo onde é que está, com a promulgação da referida lei, a «ingerência» dos EUA na política interna da Rússia, que se entenda a lei aplica-se aos limites geográficos norte-americanos. Que a intenção desta lei seja uma advertência tácita ao sistema legal russo - e, sobretudo, ao regime político liderado por Putin - é óbvio, mas a Rússia não fica vinculada ou obrigada pela promulgação de uma lei, seja ela qual for, nos EUA ou noutro país qualquer ao ponto de se vir falar em ingerência.

Daniel Gonçalves disse...

"o comércio entre os Estados Unidos e a Rússia será posto em causa..." As actuais relações comerciais entre os dois países são escassas, pelo que pouco será posto em causa pela promulgação da referida lei, e as relações comerciais que existem são feitas entre entidades privadas, que não serão afectadas ou não se sentirão vinculadas pela esta lei de carácter ideológico-político, o lucro privado no mundo actual apenas se preocupa, ou está constragindo, pelas leis que impliquem restrições nos movimentos de capital. Só os capitais dos envolvidos na prisão, e subsequente morte, do advogado russo ficarão retidos e proibidos de entrar em território norte-americano. Claro que esta lei é, indirectamente, um aviso a outros preponentes da actual política russa para não depositarem €€€€€, a maior parte fruto de actividades ilícitas, nos bancos americanos, mas com isso podem bem alguns políticos norte-americanos, já os banqueiros....

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Daniel Gonçalves,

O conceito de inger~encia não se aplica exclusivamente se houver uma intromissão física ou política no território de 3º. O que existe aqui é uma tentativa de impor sanções sobre cidadãos russos, alguns ou todos membros do Governo Russo, ou dele dependentes, por actos cometidos na Rússia, envolvendo cidadãos Russos, que não estão legalmente comprovados e que stão fora da alçada legal dos EUA.
É óbvio que esta legislação, se for aprovada e entrar em vigor (o que não deverá acontecer) terá consequências nas relações bilaterais Russo-Americanas e serão interpretadas e capitalizadas por Moscovo exactamente como sendo uma ingerência grosseira nos assuntos internos russos por parte dos EUA.
Para mim, ainda mais do que a ingerência, o que me impressiona mais pela negativa, é que esta acção nem sequer corresponde ao interesse nacional do Estados Unidos.