JACKSON-VANIK & MAGNITSKY
Antes que pensem que o título deriva do consumo excessivo de whisky e de
vodka, vamos contextualizá-lo e explicá-lo. Jackson, Vanik e Magnitsky são os
nomes de três pessoas:
Henry Jackson (1912-1983):
Senador Norte-Americano, Democrata, de Washington.
Charles Vanik (1913-2007):
Congressista Norte-Americano, Democrata, do Ohio.
Sergei Magnitsky
(1972-2009): advogado, Russo.
Jackson-Vanik é
a designação pela qual ficou conhecida uma emenda (amendment) introduzida no
Trade Act de 1974, pela qual os Estados Unidos não concederiam o estatuto de
nação mais favorecida a países sem economia de mercado e que desrespeitassem os
direitos humanos, especialmente o direito a emigrar.* Embora a emenda não fosse
explicitamente direcionada, ela foi introduzida com a União Soviética em mente.
Volvidos 38 anos, o Senado ainda não conseguiu (não quis) abolir a
Jackson-Vanik que, além de obsoleta, é um empecilho à entrada da Rússia na
Organização Mundial do Comércio (OMC).
Sergei Magnitsky
era um advogado russo que denunciou um alegado caso de fraude e evasão fiscal em larga escala
e com envolvimento de elementos com ligação ao poder. Depois de um ano na prisão, morreu em condições e circunstâncias
suspeitas.
No dia 26 de Junho, a Comissão de
Negócios Estrangeiros do Senado dos EUA, aprovou por unanimidade o “Sergei
Magnitsky Rule of Law Accountability Act” que, a ser aprovado no Senado,
impedirá agentes políticos ou policiais russos envolvidos na prisão ou morte de
Magnitsky de entrar nos EUA e congelará os activos que possuam no país. Se,
como pretendem Senadores como John McCain, esta legislação complementar a
Jackson-Vanik, o comércio entre os Estados Unidos e a Rússia será posto em
causa.
Este tipo de
intervencionismo é discutível e contraproducente.
Em primeiro
lugar, tal representa uma ingerência grosseira nos assuntos internos de outro
país. Independentemente das razões de Magnitsky, ou até do seu eventual
assassinato, não se colocam as relações entre dois países em causa por um caso
de polícia, seja ele corrupção, ou homicídio. Até porque, como sabemos, quem
tem telhados de vidro deve usar de prudência e ponderação.
Em segundo lugar, enforma de uma
hipocrisia gritante. Basta dizer que países como a China e a Arábia Saudita não
estão sujeitos a este tipo de retaliações, para ficarmos esclarecidos acerca da
consistência desta postura.
Em terceiro
lugar, contraria os interesses nacionais dos Estados, neste caso, dos EUA. A
não ser que Washington queira enveredar por uma política de confronto com
Moscovo (e obviamente não quer), provocar um downgrade das relações bilaterais
seria contrário aos interesses norte-americanos.
Em quarto lugar, não é de todo
expectável que este tipo de coacção provoque alterações na política interna
russa no sentido desejado pelo Senado dos EUA. Pelo contrário, tal será
aproveitado por Vladimir Putin para acentuar a vertente nacionalista russa e
para demonizar os EUA perante os Russos.
Seria bom que os Estados devotassem mais esforço na resolução dos seus
problemas internos e na prossecução do seu interesse nacional, em vez de
estarem sempre preocupados com o que se passa na casa do vizinho. Até porque,
quando chega o dia do vice-versa, a
ingerência deixa de ser interessante....
* O Presidente dos Estados Unidos tem a faculdade de aprovar uma isenção
anual à aplicação da Jackson-Vanik, o que foi feito repetidas vezes com a China
e depois com a Rússia e o Vietname.
P.S. A publicação
deste post no dia 4 de Julho, dia nacional dos Estados Unidos (Independence
Day) é mera coincidência.
P.P.S. Curiosidade estatística: este é o post nº 300 do Tempos Interessantes.
P.P.S. Curiosidade estatística: este é o post nº 300 do Tempos Interessantes.
5 comentários:
Não conhecia este caso, mas uma vez mais os EUA pecam pela atitude de "dois pesos, duas medidas", provando que não há critérios que sejam puramente objetivos, principalmente no que concerne à sua política externa.
E, se há coisa que não me cabe na cabeça, é o facto de eles se considerarem guardiões da paz e da segurança no mundo e se considerarem juízes justos no caso das negociações para a paz do conflito israelo-palestiniano. Já faz tempo que a ONU está a precisar de sérias reformas e que os EUA passem a pasta a quem de direito.
Olá Juliana!
É bom ver-te por cá!
Os "dois pesos, duas medidas" não são exclusivos dos EUA. A rpincipal diferença é a vestimenta moral que tentam colocar quando fazem uma coisa e o seu contrário.
Contudo, diga-se em abono da verdade, não há a quem "passar a pasta"...
"(...)tal representa uma ingerência grosseira nos assuntos internos de outro país"
Não percebo onde é que está, com a promulgação da referida lei, a «ingerência» dos EUA na política interna da Rússia, que se entenda a lei aplica-se aos limites geográficos norte-americanos. Que a intenção desta lei seja uma advertência tácita ao sistema legal russo - e, sobretudo, ao regime político liderado por Putin - é óbvio, mas a Rússia não fica vinculada ou obrigada pela promulgação de uma lei, seja ela qual for, nos EUA ou noutro país qualquer ao ponto de se vir falar em ingerência.
"o comércio entre os Estados Unidos e a Rússia será posto em causa..." As actuais relações comerciais entre os dois países são escassas, pelo que pouco será posto em causa pela promulgação da referida lei, e as relações comerciais que existem são feitas entre entidades privadas, que não serão afectadas ou não se sentirão vinculadas pela esta lei de carácter ideológico-político, o lucro privado no mundo actual apenas se preocupa, ou está constragindo, pelas leis que impliquem restrições nos movimentos de capital. Só os capitais dos envolvidos na prisão, e subsequente morte, do advogado russo ficarão retidos e proibidos de entrar em território norte-americano. Claro que esta lei é, indirectamente, um aviso a outros preponentes da actual política russa para não depositarem €€€€€, a maior parte fruto de actividades ilícitas, nos bancos americanos, mas com isso podem bem alguns políticos norte-americanos, já os banqueiros....
Caro Daniel Gonçalves,
O conceito de inger~encia não se aplica exclusivamente se houver uma intromissão física ou política no território de 3º. O que existe aqui é uma tentativa de impor sanções sobre cidadãos russos, alguns ou todos membros do Governo Russo, ou dele dependentes, por actos cometidos na Rússia, envolvendo cidadãos Russos, que não estão legalmente comprovados e que stão fora da alçada legal dos EUA.
É óbvio que esta legislação, se for aprovada e entrar em vigor (o que não deverá acontecer) terá consequências nas relações bilaterais Russo-Americanas e serão interpretadas e capitalizadas por Moscovo exactamente como sendo uma ingerência grosseira nos assuntos internos russos por parte dos EUA.
Para mim, ainda mais do que a ingerência, o que me impressiona mais pela negativa, é que esta acção nem sequer corresponde ao interesse nacional do Estados Unidos.
Enviar um comentário