17 julho, 2012

A Estrada de Damasco

A ESTRADA DE DAMASCO



“A Conversão de S. Paulo” de Aelbert Cuyp,
 pintor Holandês (Dordrecht) do século XVII (1620-1691).


A “Estrada de Damasco” remete-nos para a iluminação e conversão de Saulo no Apóstolo Paulo, mais tarde canonizado e conhecido por S. Paulo.


Hoje, a Estrada de Damasco está recheada de mil perigos, mas não oferece a redenção a ninguém.


O regime dos Assad (Hafez, o pai, de 1970 a 2000 e Bashar, o filho, desde então) há muito que não tem remissão por ser uma das mais brutais e impiedosas ditaduras do Médio Oriente. Além de que eles não seguem essa estrada, uma vez qu estão instalados em Damasco há 42 anos.


A oposição, em boa verdade não se sabe. Não se sabe quantos são, a maioria nem se sabe quem são, mas sabe-se que são díspares e que nela estão acantonados muitos elementos indesejáveis. Também se sabe que são incapazes de derrubar o regime sírio e por isso estão a receber apoio militar da Turquia, Arábia Saudita e Qatar (directamente) e dos EUA (indirectamente). Para eles, a Estrada de Damasco tem sido um mortífero beco sem saída.


O Trio Sunita (Turquia, Arábia Saudita e Qatar). Estes países são os maiores opositores dos Assad, mas além da questão religiosa que os une (são todos maioritariamente Sunitas) seguem roteiros diferentes. Para os Sauditas e os Qataris trata-se, acima de tudo, de contrariar a crescente hegemonia iraniana no Médio Oriente retirando-lhe o principal aliado árabe da sua esfera de influência. Para os Turcos, a questão é de garantir a estabilidade e segurança nas suas fronteiras e afirmar a sua ambição de potência regional em ascensão. No entanto, este Trio não incluiu equipamento militar no seu kit de viagem. O resultado é que estão atascados na Estrada de Damasco sem perspectivas de lá chegarem rapidamente.


O Irão não mora em Damasco, mas já lá está. Afinal tem lá os seus maiores amigos no mundo árabe. E passa por lá frequentemente a caminho do Líbano, onde está outro dos seus amigos: o Hezbollah. Para Teerão, o problema é que a Estrada de Damasco que tem sido uma open road na últimas duas décadas, se transforme, digamos, numa via com pesadas portagens. Esse é um preço geopolítico que os ayatollahs não querem pagar e por isso vão canalizando apoio económico, logístico e militar pela Estrada de Damasco, para o regime de Assad.


Os Estados Unidos não têm a Estrada de Damasco no GPS. Ou melhor, Washington quer o colapso do regime de Damasco, mas não quer intervir militarmente, porque há eleições dentro de 4 meses e porque é muito perigoso, pois a Síria tem um sistema de defesa aérea moderno e capaz. Como não encontram a Estrada que os leve a Damasco sem dar o corpo ao manifesto, aquilo que se ouve dos EUA é a Sra. Hillary Clinton a gritar que o regime sírio não tem legitimidade, que os Assad são bandidos sem escrúpulos e que os serviços de segurança sírios têm sangue nas mãos. Não se prevê que seja assim que os EUA cheguem a Damasco e, muito menos, que vejam a luz como Paulo há 2000 anos.


Para a Rússia, a Estrada de Damasco passa por Tartus. Tartus é o único porto de apoio de que a Frota Russa do Mar Negro dispõe no Mediterrâneo e tem, por isso, relevância estratégica para Moscovo. Depois, a Síria é o último aliado histórico que a Rússia tem no Médio Oriente. Na Guerra Fria, a União Soviética contava por aliados ou próximos uma lista de estados que incluía a Síria, o Iraque, a Líbia, o Egipto, a Argélia e o Iémen do Sul. Finalmente, Moscovo tenta negar ao Ocidente mais um êxito na região ou, no mínimo, arranjar mais um pantanal para os EUA se atolarem. Resumindo, o objectivo da Rússia é tornar a Estrada de Damasco intratável para os opositores externos do Governo da Síria.


2000 anos depois de Paulo, a Estrada de Damasco é palco de rivalidades, interesses geopolíticos, jogos de influência e poder, conflitos sectários e políticos e, claro, muita violência, sangue e morte.


2000 anos depois de Paulo ter visto a luz, não há luz, nem redenção, nem profetas ou apóstolos e muito menos conversão. Apenas Real Politik. Fascinante, impiedosa e brutal.

4 comentários:

Defreitas disse...

O jogo repete-se : Ontem era a Líbia, hoje é a Síria. Não sou um apaniguado de Assad, mas a verdade é que o mundo anglo-saxão e não só, agita-se nestes últimos dias, e que, a ver os acontecimentos das ultimas horas, o fim de Assad aproxima-se.

A máquina infernal dos “contactos sírios no estrangeiro, particularmente junto dos Americanos, com a ajuda dos aliados objectivos Arábia saudita e Qatar, prepara-se para o golpe final. O dinheiro corre a jorros! Os “amigos” são riquíssimos!

Falta saber qual é a “qualidade ” desta oposição ao regime d’Assad. Quem são eles e o que querem realmente . Vimos o resultado na Líbia e no Egipto. E duma certa maneira no Afeganistão!

Quando recordo a “qualidade” dos oponentes escolhidos pelos Americanos para justificar o ataque do Irak, e o resultado final, isto é uma vitoria indiscutível dos Chitas sobre os Sunitas, compreendo que os mesmos façam pressão sobre Obama para intervir directamente na Síria.

Mas tem razão, em tempo de eleições estas manobras são mais difíceis. A não ser que o desfecho se precipite e não espere por elas!

Entretanto, os Russos fazem navegar a marinha de guerra em direcção de Tartous! Tive o privilégio , em férias, de observar dois submarinos nucleares a semana passada, atravessando o Bosphoro, em Istambul. Um amigo meu nesta cidade disse-me que o movimento é, desde há algumas semanas, muito importante. Wait and see !

Freitas Pereira

Rui Miguel Ribeiro disse...

De facto, Sr. De Freitas, as coisas no terreno "animaram" bastante desde que escrevi o post. Parece claro que Assad está condenado. Resta saber quanto tempo resiste e o preço que vai cobrar pela sua queda ou retirada. Até ver, as forças governamentais não dão sinais de desistência.
Quanto à oposição, estamos conversados. O exemplo da Líbia não é animador: "vira-casacas" do anterior regime, milícias violentas, extorsionistas em auto-gestão e islamitas radicais, em suma, um caldo explosivo....

Anónimo disse...

Olá Doutor Rui!
Calculo que, não sendo cínico, se divirta com o cinismo político que se vai alastrando um pouco por todo o mundo, principalmente naquele onde impera a pobreza material e espiritual, onde aqueles que têm um olho se sentem reis no meio de tanta cegueira. Também estou cega em relação aos povos do médio oriente mas, ao contrário deles, sei que onde estiverem metidos os EUA, Rússia e eventualmente outros que também começam a disputar a sua parte no repasto, a sua participação (intromissão) não se deve a filantropia ou questões humanitárias. Só dão um pernil se ganharem uma vara de porcos! Vou começar a marcar no mapa os países que em nome da democracia têm vindo a ser devastados, sem que as populações locais tirem daí qualquer benefício. Sadam foi-se. Como está o Iraque? E o seu inigualável Museu, que lhe fizeram os "abutres"? Coincidência? Então e a Coreia do Norte? Myanmar? A própria China, porque não boicotam a economia do gigante? Infelizmente, tem inteiramente razão. Sou agnóstica e pouco ou nada sei da bíblia a não ser através de séries televisivas, mais ou menos credíveis. Mas parafraseando o seu último comentário, direi que há jogos de poder, interesses, violências poderes e muita, muita impotência.
É incrível como a letra das canções de intervenção de há três/quatro décadas se vão tornando tão actuais! Basta sacudir-lhes o pó.

Beijinhos

Estella

Anónimo disse...

As manifestações de Deus podem ser tão pessoais que o comunicado nunca venha revela-las a ninguém tal a inteligência e transcendentalidade. É o caso de Maria que não teve outra saída senão a de guardar no coração. Os aficionados de Paulão de Tarso talvez saberão realmente o acontecido na estrada de Damasco somente quando toparem com ele...