A
HISTORINHA DO PAPÃO RUSSO
“O Papão Russo”
Desenho original de Afonso Duarte
A NATO, triunfante em 1991 com o fim da Guerra Fria e a
débacle da União Soviética, lutou durante a última década do século XX para
justificar a continuação da sua existência.
Os atentados de 11 de Setembro de 2001 conferiram-lhe um
novo fôlego. Porém, o fim da intervenção militar no Afeganistão, a prossecução
do combate anti-terrorismo de outras formas e com outros protagonistas e a
crescente divergência de interesses entre os membros, voltaram a colocar a
questão da utilidade da Aliança Atlântica.
Eis senão quando, a NATO encontra uma nova raison d’être. Ou
melhor, reencontra a velha e original razão: exumou o cadáver soviético e
ressuscitou o fantasma da ameaça do velho urso russo.
Só existe um pequeno óbice: a ameaça russa é um mero fantasma,
uma farsa, ou seja, não existe. A Rússia não teve, não tem, nem se vislumbra
que possa vir a ter qualquer intenção de atacar Estados-Membros da NATO.
Aliás, como já escrevi em Tempos Interessantes, é
no mínimo muito duvidoso que Moscovo tencione sequer levar a cabo uma invasão
em larga escala da Ucrânia.
Como surge então esta falácia? A resposta, tal como nas
investigações criminais, começa por se investigar a quem aproveita a historinha
do papão russo.
1- Aos Estados Unidos que querem aumentar o seu footprint
militar na Europa Central e Oriental e pressionar mais a Rússia com a
instalação de tropas e equipamento militar perto das suas fronteiras.
2- À Polónia e à Lituânia, os mais activos Estados anti-Russos
da NATO, que vêem na Crise da Ucrânia uma oportunidade para levar a Aliança
Atlântica quase até às portas de Moscovo e que pretendem arrastar os EUA e a
NATO para Leste.
3- Outros países que têm uma agenda específica na antiga
URSS, como é o caso da Roménia em relação à Moldova.
Neste contexto, será importante que outros Estados-Membros
da NATO, nomeadamente na Europa Ocidental e Meridional, não embarquem nesta
narrativa infundada, que apenas serve os interesses de meia-dúzia de Estados e
que é indiferente ou penalizadora para os restantes.
Nem sequer adianta invocar o Artigo 5 (segurança
colectiva) da Carta da Aliança Atlântica porque nenhum Estado-Membro foi, está
a ser, ou se prevê que possa ser ameaçado.
Na verdade, as principais ameaças que se colocam aos
países da NATO são o incremento da tensão política e militar com a Rússia e,
principalmente, as tentativas para alargar a NATO à Ucrânia, Moldova e Geórgia.
Esse eventual alargamento, que seria interpretado em
Moscovo como uma provocação e uma real ameaça geopolítica e militar, iria
colocar os Estados-Membros mais próximos da guerra e a NATO mais perto de um
monumental e, quiçá, fatal, embaraço: testemunhar um eventual assalto a um país
como a Geórgia e não conseguir reunir um consenso mínimo para intervir.
Qual seria o apoio em Portugal, em Itália, na Holanda,
na Noruega, na Hungria, a uma intervenção militar no Cáucaso? Quem arriscaria
um confronto nuclear com a Rússia por causa da Ucrânia ou da Moldova?
Tal como defendi há 7 anos em Tempos Interessantes, em
Abril de 2008 (“NATO: DO ADRIÁTICO AO
MAR NEGRO” em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2008/04/nato-do-adritico-ao-mar-negro.html
), iniciar o caminho da adesão
destes dois países (Ucrânia e Geórgia) foi precipitado e insensato,
configurando uma provocação à Rússia e um factor de desnecessária polémica e
divisão entre os Aliados. E
isto foi escrito ainda antes da Guerra Rússia-Geórgia! A NATO deve ter o bom senso
de só acolher quem pode, com razoabilidade, defender.
Se os EUA, a
Polónia, ou outros, se quiserem atolar na Ucrânia, que o façam por sua conta e
risco, sem arrastar terceiros para o atoleiro de um conflito baseado na
historinha do Papão Russo.