O TOLO NO
MEIO DA PONTE
A
expansão do Estado Islâmico na Síria entre 31 de Agosto 2014 e 10 de Janeiro
2015 após 4 meses de bombardeamentos.
Entretive-me nos últimos dias a ler algumas reacções e análises à conquista
de Palmira (Síria) e, especialmente, de Ramadi (Iraque) pelo Estado Islâmico.
Particularmente dos Estados Unidos, recolhi várias declarações que demonstram estupefacção e até
ignorância do que se tem passado e sobre as implicações geopolíticas do que se pode passar de seguida.
1- Horas
antes da queda de Ramadi, o General dos Marines Thomas Weidley, em
representação do CENTCOM (Comando Militar Americano responsável pelo Médio Oriente)
declarava que Ramadi was “contested,” (…), but the Islamic State was “on
the defensive” throughout Iraq and Syria, and resistance was mostly
“small-scale, localized, harassing attacks.” *
Horas depois, Ramadi estava nas mãos do Estado Islâmico, culminando um
ataque complexo e planeado, executado em várias frentes, com manobras de
diversão, invasão de uma prisão em Diyala e a libertação de prisioneiros (novos
recrutas), captura de armamento e novos ataques nas redondezas de Ramadi.
Estas declarações, com o timing mais infeliz possível, surgem na sequência
de outras que apresentavam um Estado Islâmico (IS) na defensiva, em retirada,
sem grande capacidade de resposta, muito menos para novas ofensivas. Talvez
fosse de esperar tal cenário após 9 meses de bombardeamentos, mas há claramente
uma grande distância entre as mensagens de Washington e a realidade no Iraque
Ocidental e na Síria Oriental.
2- Um conhecido analista de Relações Internacionais e de
Segurança do Washington Post, David Ignatius, escreveu que The Shiite-dominated government wouldn’t supply weapons or training to
embattled Sunnis in Anbar province, and the mistrustful Sunnis quarreled among
themselves and refused aid from Shiite popular militias that might have saved
Ramadi. If this internal strife doesn’t end, Iraq will splinter. **
Poderiam ter salvado Ramadi, assim como poderiam ter
saqueado, queimado e matado Iraquianos sunitas, como têm feito noutras áreas
que salvaram no Iraque.
Ignatius insiste
no papel das milícias xiitas focando exclusivamente o imediato (derrotar o
Estado Islâmico), esquecendo ou ignorando que estas milícias são dos melhores
agentes recrutadores do IS devido ao sectarianismo e brutalidade que exibem. E
vai mais longe, defendendo que tal é a única via para evitar o domínio do
Iraque pelo Irão. Para além de que esse domínio já é real, o facto de as mais
importantes milícias serem controladas por Teerão torna esta asserção
insustentável.
3- Iraqi
troops will not be able to defeat the Islamic State until they develop a “will
to fight.” *** Estas declarações
de Ashton Carter, Secretário da Defesa dos EUA, foram das mais lúcidas que
encontrei. A explicação de Carter é bastante clara e linear: “What apparently happened was that the Iraqi forces just showed no will
to fight.” (…) “They were not outnumbered, but in fact, they vastly outnumbered
the opposing force. And yet they failed to fight.” *** O que falta
referir é que este exército pouco dado à actividade bélica é, em grande medida,
treinado e armado pelos EUA. A questão seguinte é: será que vale a pena?
4- Temos depois os
adeptos crónicos de entrar a matar with
guns blazing, anywhere and everywhere. O
suspeito do costume, o Senador John McCain, declarou à CBS: “We need to have forward air controllers. We need to have
Special Forces.” ***
Mas há quem vá mais longe: Kimberly e Frederick Kagan advogam A few thousand additional combat troops, backed by helicopters, armored
vehicles and forward air controllers able to embed with Iraqi units at the
battalion level, as well as additional Special Forces troops able to move about
the countryside, would certainly prevent further gains. **** Depois
tranquilizam os leitores dizendo que não se trata de um massive
deployment of hundreds of thousands of troops. Pois não. Trata-se um envolvimento crescente em grande
escala, onde a probabilidade de as necessidades, as dificuldades e os
objectivos pedirem sempre mais é muito grande e tudo isto num teatro de guerra
onde proliferam os inimigos e os amigos não são fáceis de encontrar e onde o
interesse nacional dos EUA não está em jogo.
Os EUA estão como o tolo no meio da ponte: não sabem se avançam,
se recuam, ou se ficam onde estão.
A primeira opção é um salto no escuro, do qual o Irão será o
provável principal beneficiário.
A segunda opção tinha vantagens (salvaguardaria os EUA e deixava
o Irão entalado), mas constituiria, nesta altura, uma admissão de derrota
insustentável para Washington.
Resta a terceira opção, uma situação de meias-tintas que
conduzirá a um conflito prolongado e provavelmente inconclusivo em que os ódios
sectários e as rivalidades políticas tenderão a acentuar-se e onde
eventualmente quase todos perderão, excepto os mais extremistas dos dois (ou
mais) lados da barricada.
* “A Tragic Replay in Ramadi” em
** “Interagency battles are hurting the U.S.’s fight against the Islamic
State” em http://www.washingtonpost.com/opinions/interagency-battles-are-hurting-the-uss-fight-against-the-islamic-state/2015/05/20/80068f44-ff2e-11e4-8b6c-0dcce21e223d_story.html
*** “Defense Secretary Carter: Iraqis lack ‘will to fight’ to defeat
Islamic State” em
**** “The Fall of Ramadi Was Avoidable” em
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