O
INVERNO EGÍPCIO
A disputa no Egipto.
A PRIMAVERA
Desde Janeiro de 2011 que o Egipto está a maior parte do
tempo no topo do noticiário internacional. Primeiro foi a Primavera Árabe que
movimentou alguns milhões no Médio Oriente e excitou e deslumbrou muitos mais
na Europa e na América do Norte. Supostamente, das manifestações anti-Mubarak e
do afastamento destes pelos militares, desabrocharia uma democracia liberal.
Mesmo o nome trazia reminiscências da Primavera de Praga.
O VERÃO
O deslumbramento feneceu quando se tornou claro que a
alternativa ao poder militar era o poder islamita. Chamei-lhe o “Verão Egípcio”
Num post de Junho de 2012 (http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2012/06/o-verao-egipcio.html),
que começa assim:
A “Primavera Árabe” já está distante. Particularmente no caso do
Egipto, as ilusões primaveris foram amarfanhadas nas eleições de
Outono-Inverno. O Verão, muito provavelmente, vai esmagá-las. Depois de muitas
vicissitudes, tudo indica que que vai ser no Verão que se vai definir o futuro
político do Egipto no curto-médio prazo. E começa já este fim-de-semana.
Os islamitas venceram múltiplas eleições, nas quais as
forças ditas secularistas tiveram resultados miseráveis. O tandem forças armadas
– poder judicial eram as únicas barreiras entre a Irmandade Islâmica e o poder
total.
O OUTONO
Depois de vencer as eleições presidenciais, Mohammed
Morsi e a Irmandade Muçulmana entraram numa vertigem de poder, arrebanhando
poderes e competências, tentando neutralizar o poder judicial e colocando o
Presidente fora e acima de qualquer controle político ou judicial. Foi o tempo
em que a desilusão se instalou e pareceu irreversível. Os militares,
salvaguardando os seus direitos/interesses pareciam ter-se acomodado. A
oposição apresentava-se fragmentada e incapaz. Em Dezembro de 2012, no post “O
Outono Egípcio” (http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2012_12_01_archive.html)
terminava assim:
E depois da Primavera das esperanças
desmedidas, e da quente realidade do Verão, o Outono no Egipto também é um
tempo de folhas caídas: esperanças estilhaçadas, instalação de poderes
intransigentes e um esfriar da democracia. Resta aguardar o que o Inverno trará
aos Egípcios….
O
INVERNO
Embora estejamos no Verão, os últimos acontecimentos
anunciam o Inverno Egípcio. O Egipto mergulhou novamente no fragor de
manifestações maciças, ainda maiores e mais generalizadas do que as de 2011.
Pressentindo a mudança dos ventos, os militares posicionaram-se como força de
equilíbrio, mas pendendo para os manifestantes. Morsi, no entanto, foi incapaz
de ler os acontecimentos e avaliar correctamente a correlação das forças em presença.
Caiu num ridículo ainda maior do que o de Mubarak: nervoso, mas desafiador,
recusou a proposta dos militares. Mais tarde aceitou-a, mas já estava demitido.
Antes que se apercebesse do que se passava, estava preso. E ainda está. Era o
fim do processo democrático iniciado em 2011. A Primavera está distante,
instala-se o Inverno.
E agora?
A democracia não está arredada do horizonte, porém, os
acontecimentos de Junho/Julho mostraram que a rua egípcia tem, actualmente, poder. Se bem mobilizada, em grandes
números, em várias cidades e mantida por algumas semanas, os militares podem
ajuizar que se trata do pulsar da maioria dos egípcios e tomam o poder
interinamente, até o poder passar nas suas condições aos protagonistas
seguintes. Tal mostra, também que como vimos defendendo, os militares detém a
chave do poder. Só não o exercem porque têm receio de perder prestígio e porque
preferem exercê-lo nos bastidores, sem desgaste político. E vão fazê-lo
novamente desta vez.
A grande incógnita no roadmap elaborado pelos militares
é a Irmandade Muçulmana: Irá ela manter-se no jogo político democrático apesar
da humilhante destituição que sofreu? Irá ela aprender com os erros crassos cometidos
na ânsia de arrebanhar poder e menosprezar ou asfixiar as forças opositoras? Ou
irá regressar a uma semi-clandestinidade. Aguardando melhores dias para
regressar?
Enquanto a Irmandade Muçulmana delibera e tenta perceber
qual o destino da sua liderança aprisionada, o Egipto segue em clima de instabilidade
e confronto entre apoiantes e opositores do coup e um crescente número de atentados
terroristas na Península do Sinai.
Finalmente, o novo regime encontrou apoio na Arábia
Saudita, Emiratos Árabes Unidos e Kuwait disponibilizaram uns biliões de
Dólares para servir de balão de oxigénio que trave a marcha da economia egípcia
para a ruptura.
Parece claro que o Egipto ainda vai passar por um período
difícil, fruto da grave crise económica e da violenta polarização política. Só
bons resultados políticos e económicos obtidos pelo o actual governo ou por
qualquer outro permitirá uma redução dos níveis de conflito e uma gradual
pacificação nacional. E mesmo aí, o melhor que podemos esperar é uma democracia
tutelada e balizada pelas Forças Armadas. Podia
ser pior, mas o Inverno Egípcio está instalado. Resta saber se vai ser longo e
severo….