A GRANDE GUERRA
O CONTEXTO
Há 100 anos
atrás, a 28 de Julho de 1914, a artilharia austríaca, desde a margem esquerda
do Danúbio, abriu fogo sobre Belgrado, a capital do Reino da Sérvia. O gracejo que havia algum tempo fazia
furor nas chancelarias europeias “para o ano vai haver sarilhos nos Balcãs”
ganhava um significado completamente diferente: o início das hostilidades entre
a Áustria e a Sérvia despoletou, por via dos interesses e das alianças, um
efeito dominó que arrastou para o conflito, sucessivamente, a Rússia, a
Alemanha, a França e a Grã-Bretanha, entre 30 de Julho e 4 de Agosto de
1914. No espaço de uma semana, a Europa estava mergulhada na Guerra. Na Grande Guerra.
A expectativa
de um conflito violento mas breve, a exemplo de outras guerras, esboroou-se
rapidamente perante a crua realidade de uma longa guerra de atrito assente nas
trincheiras e entrecortada por repetidas ofensivas, autênticas ceifeiras de
vidas sem que produzissem qualquer rotura estratégica. E assim foi, na Frente
Ocidental, desde o Outono de 1914 até à Primavera de 1918.
in “Encyclopaedia
Britannica”
Curiosamente, a causa
última da Guerra foi a falência de um conceito injustamente vilipendiado nos dias de hoje: Balance of Power, ou Equilíbrio de Poder.
A incapacidade das grandes potências do início do século XX (Grã-Bretanha,
Alemanha, Rússia, França e Áustria) gerirem as tensões no sistema
internacional, de acomodarem as respectivas ambições e de resolverem os
múltiplos receios, levaram a que as circunstâncias e as percepções se
sobrepusessem a cálculos mais prudentes e facilitassem a eclosão do conflito.
A luta por esferas de
influência no Sudeste da Europa entre a Áustria e a Rússia, resultado da longa
agonia do Império Otomano.
As próprias tensões
nacionalistas no seio do Império Austro-Húngaro, réplicas do que se
passava com os Turcos, aumentavam os receios de Viena e a sua dependência de
Berlim.
O crescimento
económico, demográfico e militar da Alemanha que lhe provocavam o que poderíamos
designar por claustrofobia geopolítica,
um desejo e necessidade de espaço agravado pela pequena dimensão do seu tardio
império colonial.
Concomitantemente, a
Alemanha vivia prisioneira dos seus medos geopolíticos: escasso acesso ao
mar e rodeada por outras potências, algumas hostis: França a Oeste, Áustria a
Sul, Rússia a Leste e, ainda, a Grã-Bretanha a Norte, no mar.
A França, relegada do
pódio continental na Guerra Franco-Prussiana de 1870, tinha sempre em vista a
revanche, o acerto de
contas com os Germânicos.
in
“Military History”
em http://www.military-history.org/articles/behind-the-image-the-iron-duke.htm
A somar a esta
intrincada teia de interesses, colisões e ameaças, há dois outros factores que
precipitaram a Guerra: as alianças e as mobilizações.
As alianças são o
factor que provoca o efeito dominó: a Rússia declara guerra à Áustria porque era aliada da
Sérvia que fora atacada pela Áustria. A França declara guerra à Alemanha porque
era aliada da Rússia. A Grã-Bretanha declara guerra à Alemanha porque era
aliada da Bélgica que fora atacada pela Alemanha. É evidente que as alianças
foram accionadas porque os signatários entenderam que era do seu interesse
fazê-lo. A Itália, por exemplo, tinha uma aliança com a Alemanha e a Áustria e
permaneceu neutra, até entrar na Guerra em 1915 ao lado dos que lhe ofereceram
a recompensa mais aliciante (Londres e Paris).
Contudo, não
deixa de ser verdade que a existência destes compromissos formatou os
alinhamentos europeus em dois campos opostos, eventualmente levou à eliminação
do “fiel da balança” (Grã-Bretanha) neste jogo de equilíbrios (Balance of
Power) e tornou mais óbvia a entrada na guerra accionando as alianças ou
garantias de defesa assumidas.
in
“The Local”
em http://www.thelocal.de/20140113/german-government-no-plans-to-commemorate-world-war-i
A mobilização
militar é um dos factores mais importantes nas guerras do século XIX/início do
século XX. A guerra passou a envolver
exércitos enormes com centenas de milhares, ou mesmo milhões de homens em
armas, a sua rápida e eficaz mobilização era condição sine qua non para um país
poder encarar o deflagrar de um conflito em estado de prontidão.
Tal significa
que, se um país mobiliza, os vizinhos terão de fazer o mesmo sob pena de serem
atacados sem o exército estar a postos para o combate. Por outro lado, a
mobilização acarretava enormes custos, o que implicava que, a partir do momento
em que era executada, a pressão para fazer a guerra aumentava exponencialmente
e o tempo para decidir encurtava perigosamente, dado que era insustentável
manter o estado de mobilização por um longo período.
Julho de 1914
é um exemplo paradigmático disso mesmo: quando a Rússia mobiliza, a Alemanha
também tem de o fazer; como a mobilização alemã estava programada para ser
feita como um todo (a Leste e a Oeste), provocou a mobilização francesa. Aí, a
engrenagem da guerra estava a trabalhar a todo o vapor e a conflagração era
quase inevitável.
in
“Daily Mail”
em http://www.dailymail.co.uk/news/article-2226235/Historian-Andrew-Robertshaw-builds-60ft-long-First-World-War-TRENCH-Surrey-garden-highlight-plight-frontline-Tommies.html
A partir de 4
de Agosto de 1914, os dados estavam lançados e a Grande Guerra, que passaria a
ser a I Guerra Mundial a partir de 1945, arrastar-se-ia por 4 longos anos, em
que o denominador comum foi o impasse, o incrível sofrimento e a matança de
milhões de forma gratuita em batalhas como as do Somme, Verdun, Ypres, ou as 11
Batalhas do Rio Isonzo.
Como sucede normalmente, foi necessário uma guerra generalizada para
enterrar o velho sistema Oitocentista e começar um novo. Neste caso, durou
apenas 20 anos e terminou com uma descida ao inferno.
A eclosão da Grande Guerra resultou da falência de um sistema
internacional baseado no Balance of Power, ou no Concerto das Nações, saído do
Congresso de Viena de 1815. O mais notável deste sistema foi ter durado um
século, durante o qual, apesar das oscilações do peso relativo e dos interesses
dos principais actores e da ocorrência de guerras como as das Unificações da Alemanha
e da Itália, ou a da Crimeia, foi evitada uma guerra sistémica.
1 comentário:
Est tarde, às 16:00, na praia onde me encontro de férias no Médoc, região de Bordeus, ouvi os sinos da aldeia proxima celebrar à hora exacta o começo do grande massacre de 1914. Foi mais ou menos a hora à qual o tenente Peugeot foi morto por outro official alemão próximo de Mulhouse, durante uma patrulha, no 1 de Agosto 1914.
O que parece incrível será talvez de constatar como os homens creem nos leaders políticos quando estes lhes dizem que esta guerra será a "der das der"(a ultima das ultimas).
Depois ,sabemos que na realidade, 8 milhões doutros homens vieram aumentar o numero de mortos, mais 11 milhões de feridos.
Ao ouvir os sinos dobrar tinha a minha frente três "blockaus" alemães ,destruídos, restos do famoso "Muro do Atlântico " que Rommel tinha mandado construir para "impedir" o desembarque previsto dos aliados.
Ao meu lado, enquanto lia o meu livro, ouvia os meus vizinhos alemães discutir sobre as virtudes do vinho de Bordéus sobre o reumatismo! Aparentemente não estavam ao corrente que hoje, todos os sinos de França, a mesma hora, iriam relembrar o centenário do grande desastre de 1914.
Claro que prefiro vê-los apreciar o nosso vinho, o sol e o oceano pacificamente, mas não pude impedir-me de pensar que tantos morreram nas duas guerras e que os homens finalmente não aprenderam nada da História.
Quanto ao seu "post", Caro Professor, resumiu muito sabiamente, como sempre, o resultado do assassinato dum arquiduque e da esposa, fagulha e pretexto para o massacre de 8 milhões de homens, mesmo se as razões se podem explicar como muito bem o fez.
Cumprimentos.
Freitas Pereira
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