14 maio, 2012

O Czar Vladimir

O CZAR VLADIMIR


Vladimir Putin no Kremlin para tomar posse como Presidente da Federação Russa pela 3ª vez.
in “The Economist”

Vladimir Putin é a figura dominante da Rússia do século XXI. Foi Primeiro Ministro da Federação Russa entre 1999 e 2000, foi Presidente durante 8 anos (2000-2008), escolheu o seu sucessor (Dmitri Medvedev), foi Primeiro-Ministro nos 4 anos subsequentes (2008-2012) e foi eleito para o que serão, provavelmente, mais 12 anos de Presidência (2012-2024).
Neste período, a Rússia renasceu das cinzas e do caos pós-imperial, para se tornar novamente numa potência influente, tendencialmente hegemónica no seu espaço vital, economicamente dinâmica (muito à custa dos seus vastos recursos energéticos) e ressurgente militarmente.
Na realidade, Putin prosseguiu uma via que lhe permitiu alcançar os seus objectivos para a Rússia: torná-la forte, credível e influente. Tal não foi fácil num país que sofreu o impacto da perda da componente soviética do seu Império em 1989, que logo depois, em 1991, com a implosão da URSS, perdeu o Império construído pela Rússia czarista entre os séculos XVII e XIX, viveu uma traumática década de 1990, durante a qual esteve a saque internamente, foi tratada como um actor menor externamente e foi minada pelas revoltas no Cáucaso.
Vladimir Putin atingiu os seus objectivos investindo em múltiplas frentes:

·         Evidenciando uma atitude de firmeza e fiabilidade na defesa dos interesses dos Russos.
·         Centralizando e reforçando o poder do Estado para obter segurança e estabilidade.
·         Projectando força e poder: Segunda Guerra na Chechénia, Guerra Russo-Georgiana de 2008, e forte investimento nas Forças Armadas (equipamento e pessoal).
·         Colocando a Rússia no caminho do crescimento económico, sem o qual as outras dimensões seriam inatingíveis.
·         Afirmando uma política externa autónoma, frequentemente definida por oposição aos EUA e na prossecução de interesses próprios.
·         Projectando poder e influência no near abroad (denominação que Moscovo aplica aos países da antiga União Soviética), usando um mix de hard power (força militar, coacção energética) e soft power (integração económica, apoio militar, subsidização de gás e petróleo).
A reafirmação da Rússia, o seu recurso à Real Politik, o uso pontual de Hard Power, o contra-vapor efectuado em relação a algumas importantes iniciativas de política externa e de defesa do Ocidente e a centralização de poder em prejuízo da democracia, desgraçaram a imagem de Vladimir Putin na Europa e nos Estados Unidos.
Tipicamente, a reacção foi a demonização de Putin e a promoção dos movimentos oposicionistas na Rússia. No entanto, os relatos que nos chegam de grandes manifestações contra Putin, normalmente ficam pelos 5.000 a 20.000 participantes, numa capital com 10.000.000 de habitantes, num país com 150.000.000 de cidadãos. Também são algo pífias as alegações de vagas irregularidades numas eleições que Putin venceu com 64% dos votos.
No entanto, o novo ciclo do Czar Vladimir não será fácil. São vários e significativos os desafios que a Rússia tem pela frente.
No plano interno precisa de diversificar a sua economia evoluindo em sectores hi-tech e explorando novas jazidas de hidrocarbonetos para compensar as que já estão em fase adiantada de maturação, para manter a economia e o emprego em crescimento. Estas duas frentes implicam know-how e investimentos brutais que terão de vir, pelo menos em parte, do exterior.
Externamente, a prioridade será integrar progressivamente os Estados da antiga URSS na esfera de influência de Moscovo, usando para tal as estruturas que a Rússia já criou, como a União Aduaneira (Rússia, Bielorrússia e Kazaquistão), a União Euroasiática (moldada na União Europeia e que supostamente entrará em vigor em 2015, integrando pelo menos a Rússia, Bielorrússia, Kazaquistão, Kirguizistão e Tajiquistão) e a Organização do Tratado de Segurança Colectiva (CSTO) no âmbito da defesa e segurança e que já inclui a Rússia, Bielorrússia, Kazaquistão, Uzbequistão, Kirguizistão, Tajiquistão e Arménia. A inclusão da Ucrânia nesta arquitectura regional será o objectivo primeiro do Kremlin, pois garantiria segurança, homogeneidade e poder ao projecto, consolidando a hegemonia russa a níveis nunca vistos desde 1991.
Goste-se ou não, Putin veio para ficar e as suas prioridades serão a manutenção do edifício de poder que construiu e a afirmação da Rússia. Se Putin vingar no plano económico, fará o que for necessário para assegurar os interesses da Rússia nos planos político e militar, o que inclui a sua oposição à instalação do sistema de Defesa Anti-Míssil Balístico na Europa. Com razões substantivas, ou como pretexto, este é o campo de batalha em que a Rússia de Putin enfrentará a NATO e os EUA a curto prazo.

6 comentários:

Defreitas disse...

Excelente comentário. A Alemanha há muito que compreendeu todo o interesse duma colaboração com a Rússia.

Trata-se da “real politik” aplicada. Mesmo se consideramos o facto que este é um mercado tradicional dos Alemães, que sempre viram nos países do leste uma extensão natural da Alemanha, seria no interesse do resto da Europa de fazer o mesmo.
Tanto mais que esta depende cada vez mais do gás asiático.

Estou convencido que a necessidade de integrar economicamente na Europa os países dos futuros corredores de passagem do gaz. natural, essencialmente a Letónia, Ucrânia, Bielorússia e a Turquia, obrigará os europeus a aproximar-se da Rússia. Aliás não existe nenhuma razão para que estas matérias estratégicas saiam do continente. Tanto mais que o gás não é facilmente transportàvel fora do continente .

A oposição da Rússia à instalação do sistema de Defesa Anti-Míssil Balístico na Europa, vai receber o apoio da França. François Hollande tem intenções diferentes das do Sarkozy, the “American Boy” !

Sérgio Lira disse...

Hitler e Stalin também gostavam muito um do outro...

Rui Miguel Ribeiro disse...

Muito obrigado Sr. De Freitas!
Eu sei que é muito incipiente, mas desenha-se gradualmente uma parceria russo-germânica que a confirmar-se e a reforçar-se, mudará por completo a geometria geopolítica da Europa e do mundo.
Quanto ao Sr. Hollande, prefiro esperar para ver. Vai opor-se à Alemanha, vai resistir aos EUA.... será que vai?

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sérgio,
Pois gostavam...até se engalfinharem até à morte!

Defreitas disse...

A RFA nao é o Grande Reich de Hitler ! E a Russia nao é a URSS de Staline!

E a dissuasao nuclear é eficaz !!

Anónimo disse...

Bom dia Dr,

É realmente interessante o seu blogue.

Ermelinda