21 junho, 2006

O Zombie Constitucional

O ZOMBIE CONSTITUCIONAL

 in "The Economist", 02/06/06

O famigerado Tratado Constitucional Europeu continua a gerar as maiores perplexidades. O Conselho Europeu reunido em Viena decidiu prolongar o período de reflexão por mais um ano (já serão dois). Reflexão sobre quê? Quanto tempo durará o velório?

Aparentemente há três ordens de problemas:

1- O Tratado já foi ratificado por 15 dos 25 Estados-Membros, três deles desrespeitando o dito período de reflexão, pelo que se sentiriam defraudados com a declaração de óbito do dito cujo. Será que não sabiam que o processo de ratificação é um requisito legal indispensável e que, sem ele, não há tratado nenhum; nem este, nem outro. Será que não sabiam que o Tratado só entraria em vigor quando fossem concluídos os 25 processo de ratificação?
2- O Tratado foi rejeitado de forma clara em referendo na Holanda e em França, e existem justificados receios que o mesmo possa acontecer em países como o Reino Unido, Dinamarca, Suécia, ou Polónia. Parece que há quem pense que o prolongamento do velório (ou reflexão) para depois das eleições em França e na Holanda, possa produzir o milagre da transformação do “Não” em “Sim”.
3- O Tratado deu uma trabalheira a fazer, demorou dois anos, movimentou centenas de pessoas, toneladas de papel, rios de saliva, incontáveis semanas de penosas negociações. Que peninha! Dá vontade de perguntar: “Alguém lhes encomendou o serviço?” Faz-me lembrar um episódio já com vários anos: uma aluna tinha preenchido 4 páginas de uma folha de teste e no final teve 1 (um)! Questionou-me: “Então eu tive tanto trabalho a escrever 4 páginas e só tenho 1 valor?” Retorqui, “Pois, mas não respondeste ao que te era perguntado.”

Se o Tratado tinha de ser ratificado pelos 25 e se foi rejeitado por dois, podendo o número subir aos 6, 7 ou 8, que esperam para fazer as exéquias fúnebres?

Se o Tratado já foi rejeitado, o que é que há para reflectir? Sobre o sentido da vida? Ou será para fazer de tratantes com o Tratado? Até quando andará este zombie a assombrar as cimeiras europeias?

Tiveram muito trabalho e não o querem colocar no caixote do lixo da História? Compreendo-os, mas ainda compreendo melhor a frustração dos cidadãos que pagaram esse trabalho que se revelou tão grande inutilidade.

Que descanse em paz. Ashes to ashes, dust to dust…

6 comentários:

PVM disse...

Este euro-cepticismo com cor de nuvens carregadas como chumbo raia o primarismo. Aliás, rivaliza com a malta saudosa do império de Moscovo e que continua, de punho erguido, a chorar pelo tempo que já dobrou!
PVM

Rui Miguel Ribeiro disse...

Essa não! Se há ideologia à qual mais me opus e abomino é essa! Chama-lhe cepticismo, eu prefiro chamar-lhe realismo. Quem chora por um defunto, esperando que ele ressuscite não sou eu.
A UE seguirá o seu caminho sem o Tratado Constitucional. O que me arrepia, são as manobras e as contorções para recuperar o que foi democraticamente liquidado. É a arrogância anti-democrática de muitos líderes europeus que querem impor o que os eleitores rejeitaram que eu acho abominável. As vanguardas esclarecidas, essas sim, eram uma tradição de Leste.

PVM disse...

1. Vamos continuar com o debate, porque o argumento das "vanguardas esclarecidas" é perigoso. Diz aos leitores do blog se acaso os “neo-cons” que manobram a administração Bush Jr. não são, afinal, uma "vanguarda esclarecida".
2. Quanto à Constituição da UE, percebo que as manobras para sair do impasse irritem quem está em desacordo com a Constituição. Devo dizer que não me revejo em diversas soluções desta Constituição. Nem tenho a mínima simpatia pela personagem chamada Giscard, ou pelo método autocrático que aplicou na Convenção que produziu a Constituição. Mas é melhor ter uma Constituição na UE do que não ter nada (a não ser que seja preferível continuar a dar carta branca aos ministros que se sentam no Conselho Europeu e no Conselho de Ministros, decidindo nas costas dos parlamentos, ou seja, nas nossas costas).
3. Se há análise que não percebo é essa de considerar a Constituição um cadáver porque a França e a Holanda a rejeitaram em referendo. Vou só lembrar que há uma declaração anexa à acta final da Constituição que é clara (cito): “se, decorridos dois anos a contar da data da assinatura do Tratado que Estabelece a Constituição, quatro quintos dos Estados membros tiverem deparado com dificuldades em proceder a essa ratificação, o Conselho Europeu analisará a questão”. Fica uma porta aberta à ressuscitação (continuando com a linguagem tétrica) da Constituição. Pode-se questionar a legitimidade dessa solução: mas aí podemos questionar todas as decisões tomadas por quem (para o mal ou para o bem) tem legitimidade para as tomar, sobretudo quando vêm embrulhadas em cores que ferem a nossa vista.
4. Nota politicamente incorrecta: o povo deve estar quieto no seu canto, sem tugir nem mugir, quando as coisas são tão complexas que ultrapassam a sua limitada capacidade de discernimento. Por isso não tenho problemas em afirmar: sou contra qualquer referendo à Constituição da União Europeia. Para não corrermos o risco de “vozes de burro” ecoarem nos céus!

Anónimo disse...

pvm,tenha respeito pelo povo! Tenha mais espirito democrático! O povo não é burro! Provavelmente é mais inteligente que o (a) pvm porque não diz tamanhas baboseiras!

Macedo

Rui Miguel Ribeiro disse...

Paulo, para além de discordar da postura anti-referendária (eu também não gosto de muitos resultados eleitorais, mas a democracia é mesmo isso), tenho dúvidas que "consigas" chegar aos 4/5. Fazendo a contas a 25, 80% são 20. Desconta a Holanda, a França, a Grã-Bretanha, a Dinamarca e a Suécia, já estás nos 20. Se pensarmos que nas últimas sondagens conhecidas, a coisa estava muito tremida na Polónia e na Rep. Checa, o quadro apresenta-se negro.
P.S. Não obstante, é provável que arranjem uma batota para nos impingirem o documento de forma mais ou menos subreptícia.

PVM disse...

Atenção às contas: quem é que pode assumir que aqueles países que enunciaste estão do lado dos 20%? No tabuleiro das negociações, por vezes as coisas saldam-se por surpresas.
Passado todo este tempo (entre a data em que afixei o meu comentário e hoje), houve desenvolvimentos. Há propostas de uma "mini-Constituição", partindo de um núcelo duro da que está congelada. Pode ser uma boa base de trabalho. Bom seria que houvesse uma Constituição. Para domesticar o poder da UE.
PVM