PORQUE É QUE ASSAD AINDA LIDERA A
SÍRIA?
A intervenção de
actores externos com a sua própria agenda na Guerra da Síria complexificou e agravou
a dimensão do conflito.
Não se trata
propriamente da “million dollar question”, mas a resposta não
é unívoca nem linear, existindo um conjunto de factores pessoais, de regime,
militares, internos (sírios) e externos que fazem com que Bashar Al Assad
continue a ser o Senhor de Damasco após mais de 5 anos e meio de guerra.
1- Ao contrário de
outros governantes acossados por revoltas, Bashar
Al Assad não desistiu, não se rendeu, não fugiu. O seu lema tem sido resistir,
ser mais resiliente que todos os outros e nunca ceder mais do que o
estritamente necessário, mesmo quando a situação é crítica. Parte será
característica pessoal, provavelmente herdada do pai, o implacável Hafez Al
Assad.
Depois, há os exemplos que Assad foi colhendo de colegas seus: Abdullah Saleh, Presidente do Iémen, quase foi morto por uma bomba
e aceitou resignar ao cargo sob pressão saudita; Hosni Mubarak, Presidente do Egipto, resignou sob pressão popular e
militar, foi julgado e preso; Muammar
Kadhafi, Presidente da Líbia, foi morto como um cão por um grupo de
rebeldes, perto de Sirte. Eis um conjunto de incentivos à rejeição da reforma
antecipada, especialmente se for compulsiva.
2- Com a queda de Assad, cairia o regime e todo o segmento da população
que serve de pilar do regime e que por ele é protegido e beneficiado correria
sérios riscos. À frente de todos, os Alawitas (aos quais pertencem os
Assad), mas também outras minorias que receiam a revanche sunita e, muito
importante, uma parte da população sunita, fundamentalmente urbana, mercantil e
endinheirada que lucrou com a colaboração com os Assad e que fazem parte do
regime, na economia e nas forças armadas.
A grande maioria
destas pessoas cerrou fileiras à volta do regime e do seu símbolo, Bashar Al
Assad. Mesmo em
2012/13, quando muitos previam o iminente colapso do regime e deserções em
massa, tal não aconteceu, o hard core manteve-se e Assad e o regime, mais uma
vez, resistiram.
3- Assad beneficiou
daquilo que podemos rotular de “balbúrdia rebelde”. Os rebeldes nunca
foram, 1, ou 2, sequer 3 facções, foram sempre muitas. Mesmo quando se juntaram
ou aliaram, nunca foram todas e foi quase sempre de forma conjuntural por
interesses comuns circunstanciais. Aliás, os rebeldes devem ter combatido entre
si mais vezes do que aquelas em que se aliaram. Esta realidade foi agravada
pela entrada em cena do Estado Islâmico (IS) e do Jabhat Al Nusra (ligado à Al
Qaeda). Estes grupos, que são anátema para as potências ocidentais, para a
Rússia e para a maioria das potências regionais, especialmente o IS, atacavam
outros rebeldes e permitiram a Al Assad reclamar para o seu governo o papel patriótico/heróico de defender a Síria
de perigosos jihadistas.
Tudo isto
contribuiu para que os rebeldes nunca conseguissem dar sequência aos períodos
vitoriosos que alcançaram ao longo de 5 anos de guerra, contribuiu também para
recuos e hesitações de alguns reais ou potenciais patronos externos e a sua
desunião e rivalidade foram um bónus para o Exército Árabe Sírio.
4- Bashar Al Assad e o
regime Ba’ath são implacáveis e não olham a meios para atingir os fins, na
senda daquilo que tem sido o regime sírio desde a sua implantação em 1963. Dado que está em jogo
a manutenção do poder e a sobrevivência política, económica e física, os meios
praticamente não conhecem limites. Diga-se que o regime não está sozinho na
violência desenfreada e outros há que se contêm porque têm patronos mais
exigentes.
5- Finalmente, Assad
beneficiou de aliados mais sólidos, empenhados e fiáveis do que os rebeldes. Estes, fruto da
dispersão e das grandes diferenças políticas, religiosas e étnicas,
debateram-se com aliados, principalmente os Estados Unidos, temerosos dos
destinatários reais do equipamento que forneciam e dos resultados do seu apoio
e sofreram com os desentendimentos entre os apoiantes, principalmente os EUA, a
Turquia, a Arábia Saudita e o Qatar.
Já Assad,
contou sempre com o apoio político, militar e económico do Irão, que também
mobilizou milícias no Líbano, no Iraque e no Afeganistão, para reforçar as
desgastadas hostes sírias. A Síria também contou com o apoio da Rússia no plano
diplomático (Moscovo, com o apoio da China, vetou cinco propostas de resolução
no Conselho de Segurança da ONU desfavoráveis a Assad), político e militar
(equipamento e munições). No último ano, contou com o apoio directo, activo e
decisivo da Rússia, especialmente da Força Aérea Russa.
Sempre foi claro,
excepto para os mais crédulos, que Al Assad não sairia fácil e rapidamente.
Assad beneficiou,
portanto, de aliados mais determinados, mais imbuídos do espírito da Real
Politik, fundamental para prevalecer no ambiente agreste e impiedoso do Médio
Oriente.
Bashar Al Assad pode
ser um líder cruel e implacável, mas só dessa maneira conseguiu manter o poder
ao longo de mais de 5 anos de guerra contra múltiplos inimigos, muito deles
igualmente cruéis e implacáveis. Ele sabe que se cair ou sair, o seu destino poderá ser
ignominioso e com ele arrastará família, amigos e estratos inteiros da
população. Para quem tem um apurado sentido de sobrevivência, estes são fortes
incentivos para resistir e continuar.