BOCA NO TROMBONE
Robert Gates foi
Secretário de Estado da Defesa dos Estados Unidos de 2006 a 2011. Há duas
coisas nele (ou em qualquer outro) de que não gosto:
1- Foi Secretário da Defesa
com George W. Bush e com Barack Obama. Não gosto de quem serve Deus e o diabo,
de quem defende uma coisa e o seu contrário. Isto tem um nome: vira-casacas
(turn-coat). E tem uma caracterização: oportunismo.
2- E pôs a boca no trombone,
isto é, fez críticas e denúncias à administração de que fez parte, depois de
sair. É cobarde. E quando o trombone é materializado num livro (“Duty: Memoirs of a Secretary at War”),
é oportunismo outra vez.
Porque é que trago este
assunto a Tempos Interessantes?
Porque, apesar dos aspectos negativos referidos, o que é dito por um insider
indiscreto não é necessariamente mentira. E no caso de Gates, não é.
Por não ser, proponho um
pequeno exercício: um cotejo entre o que
Gates disse de Obama e da sua administração em Janeiro de 2014 e o que se escreveu
ao longo do tempo em Tempos Interessantes
sobre o mesmo assunto. As minhas citações a azul, as de Gates a verde.
Francamente
negativo foi o anúncio de um deadline de 18 meses para iniciar a retirada.
Supostamente, para pressionar o governo afegão a arrepiar caminho e para dar
tempo ao novel exército afegão para assumir o grosso da luta contra os Taliban.
Na realidade, o factor principal foi a vontade que Obama tem de fugir a sete
pés do Afeganistão e a necessidade de dar um rebuçado à ala pacifista
maioritária no Partido Democrata, à qual pertence. [….]
Dentro de
18 meses, o exército afegão ainda não terá a dimensão e a capacidade para arcar
autonomamente com o esforço de guerra. Pior do que isso, é que os Taliban e a
Al-Qaeda também vêem e lêem as notícias e sabem que lhes basta resistir durante
18 meses e esperar que o inimigo comece a fazer as malas. Então sim, o espírito
de Saigão poderá voltar para assombrar a Casa Branca, poderá não haver margem
para gastar mais uns meses a deliberar e a escolha poderá ser apenas entre a
derrota total e o reforço maciço de tropas. Por outras palavras, um beco sem
saída. É evidente que os 18 meses não são inocentes: para além de placar o
Partido Democrata, em Julho de 2011 estar-se-á a 16 meses das eleições
presidenciais norte-americanas e Obama quer retirar as tropas do Afeganistão a
tempo de o Afeganistão sair da mente e da memória do eleitorado, ou seja, a
prioridade é vencer em 2012; a guerra está em segundo plano.
IT’S 3 A.M. AND THE RED PHONE RINGS – 31/12/2009 em
Gates asserts that Obama had more than
doubts about the course he had charted in Afghanistan. The president was
“skeptical if not outright convinced it would fail,” Gates writes in “Duty:
Memoirs of a Secretary at War.”
in “The Washington Post” – 07/01/2014 em
1- A maioria das declarações e decisões de Barack Obama sobre a Guerra
no Afeganistão são eleitoralistas e são prioritariamente tomadas tendo em conta
o seu calendário eleitoral.
As declarações de
Obama em 2008 proclamando a bondade da
Guerra no Afeganistão e o erro da Guerra no Iraque, reflectiam os seus
objectivos eleitorais: atacar uma guerra impopular iniciada por George W. Bush
e apoiada pelo seu adversário eleitoral, John McCain; defender uma outra guerra
para obviar a eventuais ataques do seu adversário de que seria soft em política
externa. O seu percurso entre 2009 e 2012 leva-me a crer que Obama se opunha a
ambas as guerras, mas que era capaz de apoiar ambas se tal lhe valesse votos.
A GUERRA
QUE JÁ ERA (OBAMA’S WARS 3) – 25/02/2012 em
“Hillary told the president that her
opposition to the [2007] surge in Iraq had been political because she was
facing him in the Iowa primary. . . . The president conceded vaguely that
opposition to the Iraq surge had been political. To hear the two of them making
these admissions, and in front of me, was as surprising as it was dismaying.”
Falta a
Obama o fighting spirit e a consciência geopolítica de que o poder e a
disponibilidade para o usar ainda são factores incontornáveis nas Relações
Internacionais.
IT’S 3 A.M. AND THE RED PHONE RINGS em
Obama remains uncomfortable with the
inherited wars and distrustful of the military that is providing him options.
2- A Administração de Obama procura a todo o transe sair do
Afeganistão o mais rapidamente possível.
Isso resulta claro.
Desde 2009 que a facção liderada pelo Vice-Presidente Joe Biden (um autêntico
inepto em política externa e um fraco) defende efectivamente uma retirada.
A GUERRA
QUE JÁ ERA (OBAMA’S WARS 3) – 25/02/2012 em
Porém, Allawi não
detinha a maioria absoluta e o Irão manobrou nos complexos bastidores da
política iraquiana para pressionar outros partidos xiitas a apoiarem Maliki.
Após meses de impasse, esta foi a solução que prevaleceu, ao arrepio da vontade
dos eleitores e com a bênção do inenarrável e inepto Joe Biden, Vice-Presidente
dos Estados Unidos.
AL-QAEDA RENASCE NO IRAQUE – 15/01/2014 em
Biden is accused of “poisoning the well”
against the military leadership. Thomas Donilon, initially Obama’s deputy
national security adviser, and then-Lt. Gen. Douglas E. Lute, the White House
coordinator for the wars, are described as regularly engaged in “aggressive,
suspicious, and sometimes condescending and insulting questioning of our
military leaders.”
in “The Washington Post”
3- Para todos os efeitos, para a Administração Obama, a Guerra no
Afeganistão já acabou.
Sim, os combates vão
ser retomadas dentro de um ou dois meses e ainda haverá tiroteio em 2013, mas
para todos os efeitos, no que aos EUA diz respeito, a guerra acabou.
Acabou, porque Obama reforçou
o contingente e ao mesmo tempo definiu o começo da retirada dos reforços.
Acabou, porque Obama ordenou
que a retirada desses reforços se conclua 2 (dois!!!) anos antes do que
pretendiam os seus comandantes militares (e 2 (dois!!!) meses antes das
eleições).
Acabou, porque o fim das
missões de combate da NATO vão serantecipadas em cerca de 18 meses em relação
ao calendário definido na Cimeira de Lisboa.
Acabou, porque a
Administração Obama está desesperada por chegar a um acordo qualquer com os
Taliban.
Acabou, porque a
Administração Obama aceita falar com quem disse que nunca falaria e aceita
condições que disse que nunca aceitaria.
Acabou, porque os Taliban não
são parvos e perceberam há muito que não precisam de se esforçar demasiado, nem
ceder muito, porque Obama está desesperado para assinar um qualquer acordo que
lhe permita sair do Afeganistão.
Acabou, porque já se percebeu
que Obama não tem o sentido de estado e de serviço público necessários para
levar a cabo uma tarefa árdua, mesmo que isso custe alguns votos.
Ficou a saber-se, pois, que a Guerra do Afeganistão… já era.
A GUERRA
QUE JÁ ERA (OBAMA’S WARS 3) – 25/02/2012 em
“I was pretty upset myself. I thought
implicitly accusing” Petraeus, and perhaps Mullen and Gates himself, “of gaming
him in front of thirty people in the Situation Room was inappropriate, not to
mention highly disrespectful of Petraeus. As I sat there, I thought: the
president doesn’t trust his commander, can’t stand [Afghanistan President
Hamid] Karzai, doesn’t believe in his own strategy, and doesn’t consider the
war to be his. For him, it’s all about getting out.”
in “The Washington Post”
Esta última citação
de Robert Gates encaixa na perfeição na minha última citação (a azul), sendo
que o post a que pertence data de 25 de Fevereiro de 2012. Há dois anos que era
claro para Tempos Interessantes que
para Obama, sair do Afeganistão a todo o transe era o que importava. E nos seus
timings de conveniência política. Obviamente. Pena é que Robert Gates não
pusesse a boca no trombone quando podia fazer a diferença.
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