08 maio, 2013

The Friends of Syria

THE FRIENDS OF SYRIA

 
A Síria, as suas principais cidades e os seus vizinhos.
in STRATFOR em www.stratfor.com  

 Há dois anos foi criado um grupo de países que se denominaram The Friends of Libya. Mais tarde, criou-se o grupo dos Friends of Syria, que ainda existe. A denominação destes grupos é risível, a sua actuação errática, as suas motivações são diversas e os resultados são, na melhor das hipóteses, confusos, na pior, desastrosos.

Vejamos, então as motivações dos amiguinhos da Síria. Bem, na verdade, teremos de ser selectivos, porque o Grupo dos Friends of Syria conta com 90 (noventa!!!) países e mais alguns territórios e organizações com estatutos diversos. Não perdendo tempo com as motivações e a amizade de países como o Belize, Timor Leste, Zâmbia, Honduras, ou Estónia, vamos escolher 6:


Turquia: A amizade turca pela Síria data dos tempos em que esta foi, durante séculos, uma província do Império Otomano. Num tempo em que a Turquia, na falta da hegemonia otomana, quer recuperar alguma da influência perdida em 1918 e afirmar-se como uma potência regional, a Síria é uma peça fundamental no xadrez de Ankara. Por um lado, trata-se da maior fronteira da Turquia; por outro lado, sendo Damasco um aliado do Irão, concorrente regional da Turquia, colocando a Síria na sua esfera de influência é uma espécie de 2 em 1 para os Turcos: um ganho para eles e uma perda para Teerão. Por outro lado, o problema curdo, que também existe na Síria, é suficiente para soar campainhas de alarme na Turquia. Se dúvidas houvesse quanto à forma como Ankara encara a Síria, basta recordar o MNE Turco, Davutoglu a dizer que a Turquia “não toleraria” uma região autónoma curda dentro da Síria. Contudo, se dúvidas houvesse quanto ao impacto actual das palavras de Davutoglu, recordemos duas declarações de 2011:

Turkish Foreign Minister Ahmet Davutoglu told Syrian President Bashar al Assad on Aug. 15 that all military operations must end "immediately and unconditionally," Reuters reported. Davutoglu warned al Assad that these were his final words to Syrian authorities.
in Stratfor, 15 de Agosto de 2011

Turkey has given the Syrian regime its last opportunity to step down and will not remain idle, Turkish Foreign Minister Ahmet Davutoglu said at a Nov. 15 news conference, Reuters reported.
in Stratfor, 15 de Novembro de 2011


Qatar: Este pequeno país (12.000km2 e 2.000.000 de habitantes) é o novo dínamo político-diplomático do Médio Oriente. O seu voluntarismo assenta no facto de ser um país gaseificado (2º exportador mundial de gás natural atrás da Rússia e à frente da Noruega) e com vontade de ter um protagonismo bem superior à sua dimensão. O Qatar liderou o apoio aos rebeldes na Líbia, apoia a Irmandade Muçulmana no Egipto e também esteve e está na linha da frente na Síria, sendo um dos maiores opositores do regime. Também apoia os rebeldes com armas. A sua agenda passa por fomentar regimes islâmicos moderados, mas a agenda doméstica é diferentes, onde a preponderância do sultão não é posta em causa.


Arábia Saudita: A agenda saudita para a Síria é simples e passa pelo derrube de Al Assad e pelo terminus da aliança síria com o Irão. Como a Arábia Saudita nutre grande desconfiança pela Irmandade Muçulmana, apoiada pela Turquia e Qatar, prefere apoiar grupos islamitas salafistas e jihadistas que, diga-se, têm sido os mais eficazes no combate ao regime de Damasco.


Estados Unidos: Desde o Verão de 2011 que Obama e Clinton repetem o slogan “Assad must go”. O certo é que, volvidos 25 meses do início das hostilidades, Bashar Al Assad ainda não foi. Os EUA têm resistido e bem a intervir na Síria, mas Obama dá mostras de estar a ceder ao lobby intervencionista. Os EUA querem que Assad vá e que venha um regime secularista, democrático e inclusivo. Ora isso não está nas cartas. A oposição síria é uma amálgama incoerente e pouco unida de adeptos da Irmandade, de salafistas de jihadistas da Al Qaeda, de curdos e de secularistas. Se Washington decidir enviar armamento sofisticado não sabe ao certo quem o vai manusear e com que fins. Se intervier directamente, estará a meter-se num vespeiro.


França e Reino Unido: A exemplo do que sucedeu na Líbia, estes dois países defendem uma postura pró-activa na Síria, especialmente a França que continua a sonhar com um papel relevante e influente no Levante. As incógnitas e os riscos referidos para os EUA são aplicáveis a Paris e a Londres: riscos muitos; perspectiva de ganhos: poucos. Aliás, o que estes três países mais podem realisticamente ambicionar é acabar com o eixo Damasco-Teerão. Isso seria bom, mas tal pode ser alcançado com um regime islâmico mais radical, o que teria, também, os seus custos.


Os ditos amigos da Síria são, na verdade, amigos da facção da oposição síria que mais agrada a cada um deles. A maioria dos amigos da Síria não faz ideia como melhor expressar essa amizade. E todos os amigos com alguma relevância tem a sua agenda própria que tem pouco ou nada a ver com os Sírios. É a Real Politik. Veremos quem a pratica com mais competência.


P.S. Sim, Portugal também faz parte dos Friends of Syria. Inclusive, há cerca de um ano atrás, o MNE Paulo Portas participava em reuniões internacionais sobre a Síria e fazia discursos inflamados contra o algoz de Damasco e a violação dos direitos humanos. Entretanto, tem andado atarefado com um algoz no próprio governo e com outros atropelos aos direitos dos cidadãos. E o diabo no meio de nós é sempre o pior.


P.P.S. O Irão, a Rússia e a China também são amigos da Síria. Só que são amigos da outra Síria, da Síria dos Alawitas e de Al Assad. Abordaremos esse lado da história proximamente.


P.P.P.S. Sim, ainda há Israel. É um caso mais claro: não é amigo de ninguém e não tem amigos na Síria. O que não significa que não tenha preferências….

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Professor.

Dentro daquilo, a que nos habituou, isto é: análise brilhante e pragmática.

Obrigado!

Um abraço

Nuno Caiano