15 dezembro, 2012

O Outono Egípcio


O OUTONO EGÍPCIO

Bandeira gigante do Egipto numa manifestação anti-Morsi no Cairo a 28 de Novembro.
in “The Times” at http://www.thetimes.co.uk/tto/news/world/middleeast/article3613374.ece
A “Primavera Árabe” já está distante. Particularmente no caso do Egipto, as ilusões primaveris foram amarfanhadas nas eleições de Outono-Inverno. O Verão, muito provavelmente, vai esmagá-las. Depois de muitas vicissitudes, tudo indica que que vai ser no Verão que se vai definir o futuro político do Egipto no curto-médio prazo. E começa já este fim-de-semana.


Assim começava o post O Verão Egípcio publicado em “Tempos Interessantes” no dia 14 de Junho passado (ver em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2012/06/o-verao-egipcio.html )


Nesse fim-de-semana de Junho, os eleitores escolheram por pequena margem Mohammed Morsi, o candidato da Irmandade Muçulmana, para Presidente.


Em Agosto, Morsi remodelou as chefias das forças armadas. Em Setembro incrementou os ataques ao aparelho judicial. Em Novembro, publicou um decreto auto-atribuindo-se plenos poderes e colocando-se acima da lei (sic).


Esta deriva totalitária resulta de vários factores, o principal dos quais é o desejo e a urgência da Irmandade em controlar as alavancas de poder no Egipto. Para tal, precisa de fazer aprovar uma nova constituição por si formatada e desencadear um processo eleitoral legislativo para garantir uma (presumível) maioria parlamentar. A partir daí, com presidência, governo, parlamento por si controlados e constituição a gosto, a Irmandade Muçulmana poderá prosseguir os seus objectivos de islamização política e social do Egipto


É óbvio que se tal for conseguido com base em vitórias eleitorais democráticas, por muito que não se goste, não há muito a dizer. É óbvio também, que se tal desiderato for atingido pela usurpação de poderes pelo Presidente, pelo desrespeito e amarfanhamento do poder judicial e pela manipulação do processo constituinte, então já haverá muito a dizer.

Porém, haverá muito pouco a fazer.


Porquê a urgência? Porque o Egipto está com sérias dificuldades económicas e de financiamento pelo facto de estar a atravessar um PREC (Período Revolucionário Em Curso) desde Janeiro de 2011, durante o qual muita da actividade económica do Egipto quase paralisou e também, as grandes receitas provenientes do turismo secaram. Para ultrapassar a situação, o governo terá de tomar medidas impopulares, como a redução brutal de certos subsídios governamentais, como o dos combustíveis, ou do pão. Urge pois consolidar o poder antes de este poder ser contestado nas urnas.


No já referido post O Verão Egípcio, escrevi: existem dois pólos de poder político e fáctico no Egipto, os militares com o lastro do regime anterior e os islamitas, congregados em torno da Irmandade Muçulmana e, em menor grau, dos Salafistas. O que se disser sobre outras forças e influências, é mero entretenimento.


Isso continua a ser verdade. Os militares não demonstram muita vontade de exercer o poder político e ser responsabilizados pelos resultados da governação. No entanto, querem manter a sua autonomia e os seus privilégios institucionais, corporativos e económicos, ou seja, continuarem a ser uma realidade paralela. Os islamitas, pelo seu lado, compreendem que não é do seu interesse afrontar o exército e, provavelmente, perder. Garantirem o poder e ficarem excluídos da esfera militar será algo com que podem viver por uns anos.


A partir do momento em que os poderes fácticos arranjaram um modus vivendi mutuamente vantajoso, resta pouco que os restantes grupos possam fazer. Daí o ataque ao poder judicial, que era o poder remanescente. As manifestações serão a última arma da oposição secular, liberal, de esquerda, cristã, o que seja. Até agora mostraram alguma eficácia, ao ponto de Morsi ter revogado o seu decreto. Mas no que realmente interessa: presidente, governo, parlamento, constituição da Irmandade e poderes e privilégios das forças armadas, salvaguardados, provavelmente haverá pouco a fazer.

E depois da Primavera das esperanças desmedidas, e da quente realidade do Verão, o Outono no Egipto também é um tempo de folhas caídas: esperanças estilhaçadas, instalação de poderes intransigentes e um esfriar da democracia. Resta aguardar o que o Inverno trará aos Egípcios….

4 comentários:

Anónimo disse...

Eis-me de novo, Doutor Rui! Se mais depressa lia a sua mensagem, mais depressa comunicavam o resultado das eleições no Egipto. Porque não joga no totoloto? Acho que vão ter o Inverno mais cedo do que previam. Aguardemos por novidades. Uma coisa é certa, porém: se as eleições foram transparentes e democráticas, terão o que quiseram. Bom... também não é bem assim. Os que cá votaram no PSD adormeceram à espera do cumprimento das promessas eleitorais. Às vezes sou tentada a concordar com Sócrates e Platão: a democracia é avessa à boa governação quando os eleitores são desinformados; só deviam governar os melhores sob compromisso da virtude, mas também com competência, rigor, integridade, sob a forma de conduta moral.

Estella

Rui Miguel Ribeiro disse...

Olá Estella!

Pois, acho que percebo um pouco mais de Política Internacional do que de lotarias...
Quanto às eleições, frequentemente as pessoas são de facto ludibriadas, outras vezes não estarão informadas, mas também se costuma dizer que à primeira quem quer cai, à segunda só cai quem quer. Não sei o resto, mas imagino que à terceira seja preciso ser muito burro!

freitas pereira disse...

Um pouco mais de um ano e meio após a queda de Moubarak, nenhuma das reivindicações fundamentais das massas egípcias foi satisfeita.

Os Irmãos Muçulmanos vão dever governar numa situação económica crítica, marcada pela queda das reservas monetárias internacionais, assim como os cortes das subvenções aos bens de primeira necessidade, tais como a energia, enquanto a população vive com menos de 2 dólares por dia. Esta, é a triste verdade.

A fraca participação nas eleições mostra o pouco de ilusões que subsistem em relação a esta "transição democrática".

Estas contradições sociais e politicas poderiam acelerar a experiência com o "governo islamista" e reabrir o processo revolucionário egípcio, que foi sem dúvida o mais profundo da primavera árabe.

Freitas Pereira

Rui Miguel Ribeiro disse...

Pois é Sr. Freitas Pereira, na maioria das vezes aos devaneios revolucionários sucede o duro e desagradável encontro com a realidade dos factos. No caso dos Egípcios isso aconteceu talvez mais rapidamente, mas a realidade é que o país está desestruturado economicamente e as forças políticas dominantes não são verdadeiramente democráticas. Assim sendo, o futuro próximo do Egipto afigura-se cinzento...