04 novembro, 2010

DIKTAT


DIKTAT*

A Alemanha, do alto do seu poder económico e da actual pujança da sua economia, nomeadamente do sector exportador que rivaliza com a China pelo 1º lugar mundial, resolveu pressionar os restantes Estados-Membros da União Europeia a aceitar alterações ao Tratado de Lisboa, no que concerne ao controlo orçamental e às consequências de eventuais descontrolos orçamentais.
Sob o olhar dos juízes do Tribunal Constitucional Alemão, Angela Merkel impõe a sua receita aos outros Europeus.
in “The Economist” em www.economist.com

Arregimentado o apoio da França (para o que se teve de mudar as sanções de automáticas para semi-automáticas), Angela Merkel partiu para o Conselho Europeu disposta a forçar a posição da Alemanha aos parceiros (?). Algo surpreendentemente, foi largamente bem sucedida. Este episódio, somado ao de Setembro do controlo prévio das propostas orçamentais nacionais pela CE, antes dos próprios parlamentos delas tomarem conhecimento, leva-me a tecer algumas considerações.

1- A Alemanha sente a força e a vontade suficientes para tentar impor a sua vontade na Europa. Esta perspectiva/receio existiu no final do século passado e foi esbatida com os custos da Unificação da Alemanha e com as dificuldades económicas que o país sentiu. Hoje a Alemanha parece determinada a assumir a condução do conjunto europeu e cada vez mais acolitada pela França em vez de ser ao contrário ou numa situação de paridade.

2- À força da Alemanha, junta-se a fragilidade de muitos outros Estados, como a Grécia, Irlanda, Espanha, Portugal, Itália, Letónia, que por variados motivos, mas fundamentalmente por culpa própria, se colocaram em situações de vulnerabilidade financeira e orçamental extrema e não se sentem capazes de resistir à investida de Berlim.

3- O Reino Unido, de quem se poderia esperar resistência ao proposto crescente intervencionismo da EU/Alemanha, parece ter-se alheado destas questões. Penso que, basicamente porque, por não pertencer à zona euro e por ter um plano próprio de redução drástica do deficit orçamental, Londres achará que estas questões basicamente não a afectam e pouco respeito lhe dizem.

4- Custa-me a crer que a França acredite sinceramente na bondade destas medidas, mas terá percebido que ou as apoiava, ou a Alemanha avançava sozinha. Paris terá preferido manter a imagem de que o Eixo Paris-Berlim ainda existe e funciona a admitir a liderança isolada da Alemanha.

5- É curioso que países que poderão incorrer em situações de incumprimento nos próximos anos devido ao estado depauperado das suas finanças, aceitem agravar as penas para essas situações, num acto de auto-flagelação que significa um grande desespero, ou cobardia.

6- A proposta de suspensão do direito de voto dos Estados incumpridores é inqualificável e jamais poderia ser aceite. Em boa verdade, é extraordinário que o governo alemão tenha tido o desplante de a apresentar.

7- O semi-automatismo dos castigos compreende-se. Se nos lembrarmos que a Alemanha e a França, juntamente com Portugal (para não falar da batotice da Grécia), foram os primeiros a apresentar deficits excessivos e não foram penalizados, não surpreende que, principalmente Sarkozy, queira ter margem de manobra para travar/contornar a penalidade se tal suceder de novo.

8- Mesmo que numa modalidade fast-track, parece-me um absurdo estar já a rever o malfadado Tratado de Lisboa. Mais, não sei porque que é o fundo de estabilidade há-de sobreviver para além de 2013: se até lá o juízo orçamental não tiver imperado, acho que cada um tem de assumir as respectivas responsabilidades e as consequências das suas acções e omissões.

9- Penalizar os credores/investidores pelo incumprimento dos Estados ou pelos seus deficits excessivos é uma ideia peregrina e os mercados já responderam à letra, com os juros das dívidas de Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda a subirem consistentemente. É óbvio que se essa cláusula vigorar, os mercados imporão um prémio sobre os juros para compensar o risco acrescido. Alternativamente, fecham a torneira.

10- A Alemanha pode prevalecer agora. No entanto, deve ter cuidado com os ressentimentos e animosidades surdas que pode gerar. Pode parecer altamente improvável neste caso, mas muitas vezes, what goes around, comes around…

As crises são momentos de realinhamentos, da procura de novos equilíbrios, de ascensão de novos poderes e deslize de antigos, de traçar novos rumos e políticas. A actual, na Europa, traz-nos uma Alemanha impositiva, imperativa, disposta a pressionar e ameaçar para impor a sua vontade. Aquilo a que assistimos é um verdadeiro Diktat, e não é o primeiro.

Que a Alemanha se queira afirmar como a potência hegemónica, ou pelo menos liderante, na Europa continental é natural. Mas tenho dúvidas que seja bom.

* A expressão alemã Diktat (ditame, imposição) foi utilizada pelo Governo Alemão em 1919, após a Grande Guerra, em reacção aos termos do Tratado de Paz que lhe foi imposto pelos Aliados, mormente, pela França, Reino Unido e Estados Unidos. O ressentimento gerado por aquilo que foi percepcionado como uma imposição/punição injusta e o aproveitamento político que dele foi feito, foi uma das causas da ascensão de Hitler...e do que se seguiu.

5 comentários:

Anónimo disse...

Será que temos um novo Reich em perspectiva?

Cristina

Helena Alexandra disse...

já alguem disse que o que a Alemanha o que não obteve através das armas iria consegui-lo através da diplomacia....
por acaso gosto imenso de ir até lá, é um país bonito, mas quererem um novo Reich é demais

Rui Miguel Ribeiro disse...

Cristina:
Penso que sim, se bem que muito diferente dos anteriores.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Helena,
Será mais pelo poder económico....

Anónimo disse...

A Alemanha tentou dominar a Europa na Primeira Guerra Mundial; na Segunda, o mundo...com o euro, novamente, domina a Europa...