25 maio, 2020

Paz Violenta


PAZ VIOLENTA

 
Military situation, as of 2019   Under control of the Afghan government and NATO   Under control of the Taliban, Al-Qaeda, and Allies

Em 29 de Fevereiro do corrente ano, os Estados Unidos e o Emirato Islâmico do Afeganistão, mais conhecido e reconhecido como os Taliban, assinaram em Doha, no Qatar, um Acordo de Paz para o Afeganistão (“Agreement for Bringing Peace to Afghanistan”).

Os pontos fundamentais do Acordo são:

1- Garantias de que o Afeganistão não será usado como plataforma para desencadear ataques contra os EUA ou os seus aliados.
2- Garantir a retirada gradual, ao longo de 14 meses, das tropas dos EUA e da NATO estacionadas no Afeganistão.
3- Um cessar-fogo abrangente e permanente entre as partes.
4- O desencadear de conversações de paz entre o governo do Afeganistão e os Taliban, envolvendo uma gradual libertação de prisioneiros por ambas as partes.

As medidas relativas à retirada militar, à troca de prisioneiros, às negociações intra-afegãs e ao levantamento de sanções são todas calendarizadas de molde ao processo estar finalizado no primeiro semestre de 2021.

Contudo, passar das palavras, mesmo que escritas e subscritas, aos actos, vai uma distância considerável. Na realidade, os únicos itens que estão efectivamente em execução são a cessação de ataques dos Taliban aos militares dos EUA e da NATO e a primeira fase da retirada desses mesmos militares do Afeganistão.

Os pontos de desentendimento são:

1- Os Estados Unidos querem executar a total retirada do Afeganistão e pôr um fim a um envolvimento militar no país que dura há quase duas décadas.
2- Os Taliban sabem-no e não vão provocar os Americanos, mas continuam a agredir o Exército Afegão (ANDSF - Afghan National Defence and Security Force) e a protelar as negociações com Cabul enquanto que se vai aproximando o timing da retirada.
3- O governo afegão vem-se debatendo com o confronto político entre o Presidente Ashraf Ghani e o perdedor das presidenciais, Abdullah Abdullah. A querela ficou recentemente resolvida, mas, entretanto, foram desbaratados mais de dois meses, gastos num impasse político e na passividade perante a agressão dos Taliban.
4- O governo do Afeganistão e os Taliban não se entendem no que respeita a libertação de prisioneiros por ambas as partes.

Resumindo:

Os Estados Unidos querem sair e estão dispostos a temporizar a sua reacção à agressividade dos Taliban para não desperdiçar ou pôr em cheque o seu desiderato de sair do Afeganistão.

Os Taliban, aproveitam a ambivalência americana para intensificar os ataques contra o exército afegão: mais de trezentos ataques apenas na segunda metade de Março. Embora os militares dos EUA continuem a bombardear os Taliban em apoio do ANDSF, os Taliban parecem pensar que vale a pena aumentar a pressão sobre o governo, provavelmente tentando entrar em negociações com uma posição fortalecida.

Os Taliban ainda não assumiram de forma pública e inequívoca o rompimento com a Al Qaeda e outros grupos terroristas, condição sine qua non do Acordo de Fevereiro.

O Governo Afegão aceitou algo contrariado a troca de prisioneiros e adoptou uma postura defensiva perante os ataques dos Taliban. Um ataque a uma maternidade de Cabul que deixou 24 mortos e 16 feridos levou o Presidente Ghani, finalmente, a decidir que o ANDSF passasse para a ofensiva.

O cenário está, portanto, revestido de incertezas, geradoras de desconfiança e potenciadoras de conflito. Entre desentendimentos, o crescendo de violência e as negociações paradas, o futuro do Afeganistão afigura-se cada vez mais lúgubre num cenário de Paz Violenta.

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