28 outubro, 2013

A Renúncia Saudita


A RENÚNCIA SAUDITA
  
Arábia Saudita bem no centro do Médio Oriente. E o Irão ali tão perto….
 
in STRATFOR, em http://www.stratfor.com/

No dia 18 de Outubro a Arábia Saudita anunciou que renunciava ao lugar de membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU para o qual acabava de ser eleita para o biénio 2014/15. Em 68 anos de história, foi a primeira vez que um Estado-Membro renunciou a um lugar no Conselho de Segurança.


Porque é que a Arábia Saudita tomou esta inusitada decisão?


Vejamos o que alegam os Sauditas. O comunicado oficial acusa o Conselho de Segurança (CS) de falhar rotundamente na missão de trazer a paz ao Médio Oriente. Riyadh salienta em particular a Palestina e a Guerra Civil na Síria. Acrescenta ainda que a Arábia Saudita não integrará o CS enquanto este não implementar reformas e se reestruturar.


Começando pelo final, pode concluir-se que uma participação saudita no CS ficou adiada para as calendas gregas. Efectivamente, a reforma do Conselho de Segurança está na agenda político-diplomática há mais de 20 anos (em 1999 orientou uma tese precisamente sobre esse tema) e está tudo rigorosamente na mesma.


A implementação da paz no Médio Oriente é um projecto quase irreal e que está para além das capacidades do CS, mesmo que este se empenhasse (o que não faz) de forma unida (o que não acontece) nesse desiderato.


Em relação à Guerra Civil da Síria, os Sauditas têm razão. O CS tem-se revelado incapaz de tomar uma decisão (o que não é novo) que imponha ou pelo menos impulsione a resolução do conflito, dividido como está entre as posições maximalistas dos Estados Unidos, reino Unido e França e as posições minimalistas da Rússia e da China.


O argumento mais revelador é o que diz respeito à Palestina (leia-se, conflito Israelo-Palestiniano). Digo isto porque o dito processo de paz está virtualmente estagnado há 13 anos. Aliás, até se pode duvidar da sua existência. Tendo em conta que há muitos meses que a Arábia Saudita desenvolvia uma aturada actividade diplomática para garantir os votos necessários à sua eleição para o CS e senso certo que não descobriu há apenas 10 dias o estado comatoso do processo de paz, tem de se concluir que os motivos aduzidos expressam APENAS os pretextos e não a substância.


Para identificar a substância da renúncia saudita, importa procurar eventos recentes que possam ter despoletado esta reacção. Existem dois.


1- A Síria. Será talvez o único motivo real patente no comunicado. É certo que a Guerra na Síria já decorre há mais de 2 anos, mas os últimos desenvolvimentos foram do particular desagrado da Arábia Saudita. O cancelamento de uma operação militar contra a Síria por causa do uso de armas químicas eliminou a grande esperança saudita de ver acelerada a queda de Al Assad e o triunfo dos rebeldes. O acordo para a destruição do arsenal sírio de armas químicas negociado entre Moscovo e Washington, aceite por Damasco e ratificado pelo Conselho de Segurança, acabou por conferir uma renovada legitimação internacional ao regime sírio. Prolongada a esperança de vida do governo de Al Assad, o mesmo acontece com a forte influência iraniana no país.


2- As negociações entre o P5+1* e o Irão e, principalmente, o reatar de negociações bilaterais entre Washington e Teerão, terá despoletado esta decisão sem precedentes. O Irão é a referência política do Islão Xiita e a maior potência militar islâmica no Médio Oriente. A Arábia Saudita é o líder religioso do Islão Sunita e o líder político e económico de uma parte significativa do mundo árabe. As relações entre ambos são, na melhor das hipóteses, de desconfiança, na pior das hipóteses, de hostilidade.


A Mesquita de Meca durante o Haj, peregrinação anual que leva cerca de 2 milhões de peregrinos a Meca, na Arábia Saudita. Esta é uma das fontes do poder e influência da Arábia Saudita.

in “THE ECONOMIST” em http://www.economist.com/


Desde o fim da II Guerra Mundial que a Arábia Saudita conta com a protecção dos EUA para garantir a sua segurança e dos demais países do Conselho de Cooperação do Golfo**. Vista do lado árabe do Golfo Pérsico, a ascensão militar e geopolítica dos Persas, somada ao seu programa nuclear, é encarada com justificável apreensão.


A soma da inacção dos EUA na Síria, à aproximação ao Irão, a que ainda podemos acrescentar a política titubeante dos EUA em relação ao Egipto, fez soar as campainhas de alarme em Riyadh: visualiza-se um possível trade-off em que o Irão renuncia ou limita o seu programa nuclear em troca do levantamento das sanções e do reconhecimento americano do poder regional iraniano.


Em suma, do ponto de vista da Arábia Saudita, conjuga-se o pior de dois mundos: um gradual disengagement dos EUA no Médio Oriente e a ascensão do Irão a uma posição de relativa hegemonia regional. Os Sauditas encaram a postura norte-americana como hesitante, receosa e não interventiva e sabem que, tal como a natureza, a Geopolítica também abomina o vácuo. Se um poder se retira, outro virá substitui-lo.


Neste cenário, a renúncia da Arábia Saudita ao Conselho de Segurança significa um distanciamento em relação aos EUA e o lançamento de uma política externa mais autónoma e desligada de Washington, ou uma forma de pressão sobre os EUA para estes terem mais em conta os interesses e as preocupações de Riyadh. O mais provável é serem as duas em simultâneo.


 
* Os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança (Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, França e China) mais a Alemanha.
** Organização que integra a Arábia Saudita, Emiratos Árabes Unidos, Kuwait, Oman, Qatar e Bahrain.

 

3 comentários:

Defreitas disse...

Desculpe Caro Amigo, mas parece-me que a Alemanha não faz parte dos membros permanentes do Conselho de Segurança das NU. Senão seriam seis.

Besides that... excelente anàlise, como de costume.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Pois é, mas se eu tive o cuidado de distinguir os 5 do 1: "Os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança (Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, França e China) mais a Alemanha."
Obrigado pelo cumprimento.
Um abraço

Defreitas disse...

You are right ! Sorry! Um abraço.