24 outubro, 2013

Os Desesperados

OS DESESPERADOS

 
“Junta-se a fome com a vontade comer” é um provérbio português sobejamente conhecido e que se pode aplicar ao novo ímpeto aparente nas negociações sobre o programa nuclear iraniano da parte do Irão e dos Estados Unidos. Este ímpeto é motivado pelo desespero dos protagonistas. Que desesperos são esses?


As dificuldades em lidar com o Irão.

in “The Economist em www.economist.com


O DESESPERADO DEPENADO

As sanções impostas pela ONU, pelos Estados Unidos e pelas potências europeias têm, de forma gradual mas inexorável, causado sérios danos à economia iraniana. Os rendimentos da exportação de petróleo têm caído, a moeda nacional (Rial) desvaloriza-se, a inflação sobe, o investimento internacional foge e a dificuldade e os custos de participar no comércio internacional aumentam: o comércio clandestino tem custos e os países dispostos a “furar” o regime de sanções também cobram por isso.


O Irão está a ganhar no plano nuclear, mas perde todos os dias no plano económico. Tendo chegado muito longe no seu projecto nuclear, é tempo de estancar a hemorragia económica que pode pôr em cheque o país e o regime.

 
Daí a nova postura do Irão: novo Presidente, postura e discurso conciliador, regresso rápido às negociações e um deadline definido e curto para as finalizar (3 a 6 meses). O motivo é óbvio: quanto mais cedo se concluírem as negociações, mais cedo se levantam as sanções e o Irão poderá começar a respirar melhor (economicamente).


Contudo, apesar de o Irão necessitar ingentemente de resolver o problema das sanções, Rouhani tem gerido o assunto de forma racional, realçando a importância multilateral do assunto e o proveito colectivo que advirá da resolução do problema. Em poucas palavras, demonstra interesse e empenho, mas não mostra a ansiedade que se poderia esperar de quem está depenado.

 

O DESESPERADO ANSIOSO

 
Barack Obama está desesperado por negociar com o Irão. Aliás, está nesse estado desde 2009 (ver Get Real Obama em http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2010_02_01_archive.html). Como já foi referido em “Tempos Interessantes”, as várias red lines que foram oficiosamente divulgadas foram sendo ultrapassadas sem reacção para além das sanções. Estas agravam-se, mas o programa nuclear tem continuado a avançar a todo o vapor: o Irão tem perto de 20.000 centrifugadores, já enriqueceu cerca de 200 kg de urânio a 20% e prepara-se para encetar um novo caminho (plutónio) para obter armas nucleares.


Não há parâmetro que não coloque Teerão cada vez mais próximo da última (e única assumida) red line de Obama: não admitir um Irão nuclear. Este facto deixa Obama ansioso, porque se aproxima o momento em que o Irão estará a chegar ao nuclear breakout e Obama se deparará com nova versão do dilema sírio: atacar ou não atacar. Assumir a red line, ou assobiar para o ar. Já se sabe que a sua tendência será esta, mas o risco de se pensar que em política externa Obama rima com banana será então bastante grande.


Por isso Obama agarrou a abertura demonstrada por Teerão com a sofreguidão de um náufrago. Qual adolescente apaixonado, tentou de imediato marcar um encontro com Rouhani e perante a recusa, entusiasmou-se pelo facto de o Iraniano lhe ter atendido o telefone. Em poucas palavras, demonstra ansiedade e urgência.


Esta ansiedade é um péssimo ponto de partida negocial, porque quanto maior for a necessidade demonstrada em fechar um acordo, menos compelida se sente a outra parte a fazer concessões.

 

Ironicamente, a parte que está mais pressionada pela conjuntura consegue moderar-se e disfarçar o seu desespero. A parte que vê que as sanções estão a produzir resultados (pelo menos o resultado de trazer o Irão de volta às negociações com aparente boa vontade), dá o flanco e mostra precisar mais de um acordo.


Com a segurança do desesperado depenado a contrapor-se ao frenesim do desesperado ansioso, está-se mesmo a ver que desenlace terão as negociações.


O Irão já foi colocando as suas próprias red lines: não cessa o enriquecimento de urânio e não exporta o urânio enriquecido que já possui. Ainda não fez uma proposta substantiva, mas fala abundantemente da importância de sinais positivos por parte do P5+1, leia-se alívio das sanções.


 Por outro lado, nos EUA discute-se quais as sanções que mais depressa e facilmente poderão ser terminadas. Pior do que isso, assume-se a impossibilidade de o Irão aceitar o que se pensaria ser o básico: a aceitação e implementação das quatro Resoluções do Conselho de Segurança que o punem.


É lógico: o Irão aceita e implementa as Resoluções e as sanções que punem o incumprimento são levantadas. Mas não, aceita-se aprioristicamente a continuada mas menor violação das normas por parte do Irão.

Nada disto me surpreende.* O resultado também é previsível. Se houver um acordo, este incluirá a aceitação de grande parte do desenvolvimento nuclear iraniano executado até à data e que o colocou a meses do breakout nuclear. A contrapartida será o levantamento de todas as sanções, com a possível excepção das que dependem do Congresso norte-americano.


É o desenlace natural quando uma parte está desesperada e age como se não estivesse e a outra parte, que não tem razões para estar desesperada, actua com visível desespero.

 

* As potências ocidentais sabem que as negociações não resultaram, não estão a resultar e não resultarão, a não ser que façam enormes cedências a Teerão. Sabem também que se assumirem o fracasso e a inutilidade da diplomacia terão de escolher entre a guerra e o reconhecimento do Irão como a 10ª potência nuclear mundial. Aquela aterra-os. Esta deixa-os ficar mal. A solução é continuar a fingir que estão a negociar a sério.
[….]
O Irão está ciente das realidades supra-referidas, não só porque são evidentes, mas também porque a evolução dos acontecimentos nos últimos anos as comprovam. Consequentemente, a partir do momento em que o Irão aceitou pagar o preço infligido pelas sanções, o caminho é muito claro: negociar sem ceder e prosseguir o programa até ao fim com determinação inabalável.


GOING AROUND IN CIRCLES em
 http://tempos-interessantes.blogspot.pt/2013/06/going-around-in-circles.html

 

2 comentários:

Penso disse...

Muito bem. Apoiado!

Rui Miguel Ribeiro disse...

Obrigado pelo incentivo!!!