O BECO DE GAZA
A Faixa de Gaza é um
berbicacho internacional. Nada se vislumbra de positivo relacionado com Gaza.
Vejamos:
1- Território muito pequeno (360 km2)
e sem recursos.
2- População gigantesca (1.700.000 h) para a dimensão do território.
3- É pouco mais do que um enorme bairro de lata.
4- É governado por um grupo terrorista (Hamas).
5- Alberga outros grupos terroristas, como a Jihad Islâmica Palestiniana, os Comités Populares de Resistência Islâmica e o Conselho da Shura dos Mujahedin de Jerusalém.
6- Dela são lançados anualmente centenas ou milhares de rockets
sobre Israel.
7- É um território muito pobre e com pouca viabilidade.
8- Está geograficamente separado e politicamente incompatibilizado
com o outro território palestiniano (a Cisjordânia).
9- Constitui um incómodo e relativa ameaça para Israel.
10-
Constituiu um problema
político para o Egipto, que não pode dissociar-se dele por completo, nem pode
dar-lhe total apoio sob risco de colocar em cheque as suas relações com Israel.
Com este decálogo de
problemas mais ou menos irresolúveis, o futuro de Gaza afigura-se, no mínimo,
sombrio. Analisemos os principais actores envolvidos:
HAMAS
O Hamas é a entidade que
governa a Faixa de Gaza. Tem ligações históricas com a Irmandade Islâmica que
agora tenta governar o Egipto, mas é rotulado como grupo terrorista pelos EUA e
não é reconhecido internacionalmente. Por outro lado é mais popular entre os
Palestinianos do que o seu rival, a Fatah. O
Hamas também está preso por estar programaticamente impossibilitado de
reconhecer a existência e legitimidade do Estado de Israel. Os ataques a Israel
e o seu objectivo de destruir o Estado Judeu, inviabilizam o seu envolvimento em
qualquer solução negociada. Finalmente, apesar de e por causa dos seus frequentes
ataques a Israel, está sujeito às retaliações da maior potência militar do
Médio Oriente. Cada nova escalada do conflito, faz Gaza recuar severamente nos
capítulos económico e social. O panorama geopolítico do Médio Oriente é-lhe, no
plano teórico, mais favorável do que em 2010, mas o Hamas continua num beco
político do qual não será fácil sair honrosamente.
FATAH
O antigo partido de Yasser
Arafat e parte principal da OLP, está a ver a História a passar-lhe ao lado. A dita Primavera Árabe está a derrubar ou
a pôr em cheque a antiga arquitectura política árabe que se dividia
fundamentalmente entre as monarquias tradicionais (Arábia Saudita, Jordânia,
Kuwait, etc) e as repúblicas militares de inspiração nacionalista árabe e
socialista (Egipto, Iraque, Síria, por exemplo). A inspiração da Fatah
encontra-se neste último grupo que foi o principal alvo e vítima das revoltas
de 2011 e que está à beira da extinção. Vide o Egipto, a Líbia, a Síria, o
Iémen e, por motivos diferentes, o Iraque. Hoje em dia a Fatah é, em termos
internacionais uma quase não-entidade, dada a sua pouca relevância. O número
que executou com êxito na ONU vale pouco mais do que zero em termos
geopolíticos e da realidade no terreno. O Hamas enfrenta Israel, adquire
mísseis e mostra robustez. A Fatah ganha na ONU o direito a pertencer
eventualmente ao Tribunal Criminal Internacional. À Fatah faltam ideias, capacidade de agir, carisma e legitimidade
popular. E sobram-lhe fadiga, corrupção e inoperacionalidade. Resumindo, ou a
Fatah encontra a via da regeneração, ou vai deslizando para a irrelevância
total.
EGIPTO
Teoricamente, deveria ser
o patrocinador do Hamas. A realidade é mais complexa e menos linear. A política
de defesa e segurança do Egipto assenta, desde 1978, naquilo que os Acordos de
Camp David lhe proporcionaram: paz com Israel, logo segurança a Leste, e a
aliança com os Estados Unidos, que significava apoio militar e económico e
ainda uma protecção genérica contra problemas mais sérios. Com a Irmandade
Muçulmana no poder, este jogo torna-se mais difícil: a larga falange de apoio
da Irmandade favorece o Hamas, a revisão dos Acordos de Camp David e uma posição
dura relativamente a Israel; por outro lado, a realidade geopolítica aconselha
a pisar um trilho muito próximo do que foi seguido por Sadat e Mubarak ao longo
de mais de 30 anos.
ISRAEL
Também para Israel o
statu quo na Faixa de Gaza é um incómodo. Israel retirou do território em 2002,
porque era uma dor de cabeça, uma situação em que os custos ultrapassavam as
vantagens. Contudo, a tomada do poder em Gaza pelos irredentistas do Hamas,
tornou o Sul de Israel num campo de tiro para o braço armado do grupo (Brigadas
Izz al-Deen Al-Qassam) e para outros grupos terroristas. Tal leva Israel a ter
de retaliar com regularidade e, quando a situação atinge proporções mais
graves, a desencadear operações militares de envergadura, como sucedeu no
Inverno de 2008/09. Israel não pode
tolerar o chuveiro de rockets e mísseis sobre o seu território, mas não pode
exterminar de forma definitiva a ameaça de Gaza porque os custos políticos
seriam insuportáveis. Assim sendo, o jogo do gato e do rato promete continuar
por muito tempo.
A Faixa de Gaza deverá
continuar a ser uma das zonas críticas do planeta, não se vislumbrando nem uma
solução diplomática nem militar para o problema. Como tal, a precariedade
sócio-económica também continuará.
O panorama geopolítico do Médio Oriente também faz que o problema
palestiniano seja relegado para uma terceira linha de prioridades. Numa região
em que o Egipto se debate com o seu rumo político-constitucional, a Síria se
destrói numa guerra civil, em que Turcos e Iraquianos se debatem com os
respectivos Curdos, em que o Irão prossegue o programa nuclear e se debate com
sanções internacionais, em que a Arábia Saudita e os seus aliados tentam manter
o seu statu quo interno, em que os EUA reduzem o envolvimento na região e em
que regimes novos (Líbia, Iémen) e velhos (Jordânia) se debatem com
instabilidade política e económica, a grande maioria dos actores políticos tem
pouco tempo e espaço para dedicar à Palestina.
Consequentemente, a Faixa de Gaza continuará no seu beco sem
grandes saídas, uma espécie de pardieiro à beira-mar instalado.
3 comentários:
Excelente análise. Uma das soluções para Gaza passa efectivamente pela eliminação política do Hamas. Objectivo complicado face à prepotente Irmandade Muçulmana que progressivamente vai despindo a sua pele de cordeiro no Egipto. Para agravar o panorama um pormenor destaco: a luta palestiniana deixou de ser ideológica para tornar-se puramente religiosa daí que em cada ataque já não gritam «Free Palestine» mas «Allah Akbar» assim como optam, cada vez mais, pelas bandeiras verdes islâmicas em detrimento da bandeira palestiniana.
Excelente análise. Uma das soluções para Gaza passa efectivamente pela eliminação política do Hamas. Objectivo complicado face à prepotente Irmandade Muçulmana que progressivamente vai despindo a sua pele de cordeiro no Egipto. Para agravar o panorama um pormenor destaco: a luta palestiniana deixou de ser ideológica para tornar-se puramente religiosa daí que em cada ataque já não gritam «Free Palestine» mas «Allah Akbar» assim como optam, cada vez mais, pelas bandeiras verdes islâmicas em detrimento da bandeira palestiniana.
Rui Neumann
Muito obrigado Rui. O facto de a componente religiosa do conflito se estar a acentuar, tende a radicalizá-lo e a tornar ainda mais difícil uma solução. Quando à Irmandade Muçulmana, só os ingénuos (e não são poucos) estarão muito surpreendidos.
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