17 fevereiro, 2011

The Sick Man of the Middle East

THE SICK MAN
OF THE MIDDLE EAST


A expressão “Sick Man of Europe” designava no século XIX o Império Otomano, potência decadente, arruinada, cujo vasto domínio territorial na Europa entrou em acelerada decomposição até ficar reduzido à Trácia oriental (Constantinopla e pouco mais) à entrada da I Guerra Mundial.

Nos últimos anos, poder-se-ia adaptar a expressão ao Egipto: the Sick man of the Middle East!

 Os manifestantes da Praça Tahrir no Cairo com a bandeira do Egipto, único símbolo presente nas manifestações.
in “THE ECONOMIST” at http://www.economist.com


O regime de Mubarak, na sua 3ª década dava mostras de esgotamento e estagnação: a explosão demográfica não era acompanhada por um crescimento económico suficientemente robusto (estimado em cerca de 7% sustentados) para absorver uma mão-de-obra jovem abundante e crescentemente qualificada. Mesmo o seu poder e influência no Médio Oriente entraram em decadência, gradualmente substituído pelos dois dos três protagonistas não árabes: Irão e Turquia (o terceiro é Israel).

O derrube de Ben Ali e de Hosni Mubarak no Egipto são formidáveis exemplos do poder popular, a exemplo do que noutros tempos foi feito em países como a Polónia. RDA, Checoslováquia, Hungria, Roménia, Filipinas, ou Indonésia. As ditaduras assentam boa parte do seu poder no medo que é inculcado pelas forças de segurança. Esse poder, normalmente é desafiado apenas por alguns mais corajosos que são controlados (ameaçados, presos, torturados, liquidados…). Estima-se em cerca de 5000 os presos políticos no Egipto, o que é um número perfeitamente gerível. O “problema” acontece quando a população, por qualquer motivo, perde o medo e aguenta o impacto dos primeiros actos repressivos. A partir daí, perante manifestações de centenas de milhares de pessoas, não há muito que o poder policial e/ou militar possa fazer. Partindo do princípio de que um colossal banho de sangue não é uma opção, o regime está praticamente condenado.



E agora?

Agora temos as forças egípcias na liderança do país, mas dando rápidos e inequívocos sinais de que a transição para um poder civil e democrático será feita com brevidade.
No entanto, convém temperar o optimismo porque a implantação de um regime democrático sólido tem-se revelado um desafio complicado na região, onde a maioria dos países são ditaduras puras e duras (Síria, Líbia), outras um pouco mais soft (Emiratos Árabes Unidos, Jordânia) e algumas, poucas, democracias conturbadas (Iraque, Líbano). As reais excepções são Israel e a Turquia.

Um dos grandes trunfos que o Egipto tem é de ser um país mono-étnico (95% árabe) e sem conflitos religiosos (85% Muçulmanos Sunitas e 15% Cristãos Coptas). E são precisamente problemas e rivalidades étnicas e/ou religiosas que minam as democracias iraquiana e libanesa.

Não existindo esses potenciais problemas estruturais, restam duas outras possíveis dificuldades:
Uma seria a má condução do processo de transição com eventual apropriação do poder pelos militares (o que é improvável) ou com a construção de um sistema político-constitucional que se venha a revelar disfuncional (resta aguardar e esperar que haja bom senso e simplicidade).

A outra seria a vitória eleitoral de um partido não-democrático que conduzisse o Egipto por caminhos radicais. Esse é um dos riscos da democracia – ou bane os partidos não democráticos, ou aceita o risco de eles poderem triunfar. É óbvio que o risco reside na Irmandade Muçulmana, embora o poder e influência das forças armadas (secularistas até prova em contrário) e a natureza urbana e não religiosa das manifestações que derrubaram o regime, indiciam que mesmo que emerja vitoriosa, a Irmandade Muçulmana poderá ter de adoptar uma postura política bem mais moderada do que, por exemplo, a sua filial palestiniana, o Hamas.



Duas notas finais:


Uma para Hosni Mubarak. Tomou as rédeas do Egipto num momento dificílimo, em 1981, após o assassinato de Anwar Sadat, dois anos depois da paz entre Israel e o Egipto, quando o Egipto tinha sido excluído da Liga Árabe e tinha quase todo o Médio Oriente contra si. Com Mubarak, o Egipto foi um aliado importante dos EUA, mormente na Guerra do Golfo (1991) e na luta contra os extremismos islâmicos. Como acontece habitualmente com os ditadores, Mubarak falhou em dois pontos (para além de não ser democrata): não soube/não quis/não pôde aproveitar o seu poder consolidado para reformar o país e deixar como legado um Egipto mais moderno, desenvolvido e justo; e não soube escolher o timing da saída de cena; assim, não saiu pelo próprio pé, foi despedido com justa causa.

A outra para o Médio Oriente. O Médio Oriente continua em ebulição. Hoje em dia não são só os ratos e os mosquitos que são os veículos do contágio. A Internet e a TV também o são e as viroses podem ser devastadoras. Neste momento, são o Iémen e o Bahrein que estão na linha da frente, com o Irão, Líbia e Argélia logo a seguir. O Iémen é o elo mais fraco. O braço de ferro continua…


8 comentários:

Defreitas disse...

Excelente « post » Caro Amigo. Como de custume !

Acho que as dificuldades eventuais, que notou no seu « post », são realmente de realçar, tanto mais que a primeira, a da futura reacção das Forças Armadas é extremamente importante na medida em que os militares têm grandes interesses na economia egípcia.
Na realidade, no Egipto moderno, o exército é o corpo da nação, a coluna vertebral.
Foi ele que desfez os reis e fez os presidentes, desde a queda do rei Farouk, abatido pelos Oficiais Libres de Nasser, passando por Neguib, Sadate e Moubarak.

Mas hoje, ele incarna uma libertação e a resistência a Israel, o que lhe dá grande legitimidade, e é, por isso mesmo, respeitado pelo povo.

O que me preocupa é saber como este grande poder , até agora, na governação do Egipto, vai gerir os seus interesses económicos num pais democrático. ,onde haverá outros parceiros do sector privado, e os políticos, que não aceitarão, talvez, que os seus generais sejam ao mesmo tempo governadores e patrões na chefia de empresas do sector publico, de um grande numero de empresas comerciais, que detenham os seus próprios negócios, controlem a o abastecimento da água, detenham fábricas de produção de azeite, de cimento, empresas de construção civil e empreendimentos enormes na industria hoteleira.

Que possui o seu próprio sistema de comunicações e de distribuição de carburantes, de estações de serviço, sob a marca “Wataniya” (Nacional), e é proprietário de vastos domínios imobiliários no delta do Nilo e nas margens do mar Vermelho.
Sabe o meu Caro Amigo que o valor destes “investimentos” do exército egípcio anda à volta de 7 a 10% da economia nacional ?.

Os dois filhos do meu agente comercial ( no tempo em que eu trabalhava!) preferiram passar o concurso da academia militar, que retomar a empresa do pai, embora esta tivesse excelentes resultados! A razão : O exército é um elevador social muito procurado, porque aí se ganha três vezes mais que no civil! Os candidatos, quase sempre diplomados, engenheiros, informáticos, etc, têm assim acesso não só a um salário largamente acima da média, mas recebem ainda prémios vários, apartamentos, acesso a créditos bonificados, supermercados privados, hospitais militares e clubes privados para cada uma das armas, aviação, blindados, transmissões, logística, etc.!

Os militares são os privilegiados do regime, a elite do pais, e desprezam a policia, à qual eles chamam “as baratas negras”, os homens da matraca, os funcionários da tortura, os informadores, enfim os rascas encarregados das obras rascas!
Assim, penso eu, a grande questão será de saber como vai ser possível democratizar o pais e ...as forças armadas! Quando se têm tantas facilidades deve ser difícil de as abandonar!
A não ser que tudo o que precede não seja mesmo negociável: Um presidente militar, em civil, os generais governadores, os acordos de paz internacionais, e a presença do exército na economia. Até quando ?

A segunda dificuldade que apontou, a da presença da “Irmandade Muçulmana” , é realmente uma incógnita para o momento. Achei curioso que Moubarak, nos seus últimos dias, tivesse estabelecido o dialogo com o representante desta Irmandade. Sobretudo quando penso que foi um dos seus membros que atentou contra Nasser e mais tarde contra Sadate.

Vi há dias na televisão, Tira Ramadan, professor de Islamologia na Universidade de Oxford, e neto de Hassan El-Banna, fundador da famosa Irmandade. Aparentemente, ninguém pressentiu esta revolução, mesmo sabendo que os “Irmãos”, vivem muito perto do povo! Segundo ele, foi uma”revoluçao emocional”, contra um regime arbitrário, que impedia o povo de viver e de pensar livremente.

Segundo ele, o movimento islamista tem um certo peso, mas só representa uma fracção minoritária do povo egípcio!

Eu continuo a pensar nos 20% que eles obtiveram nas ultimas eleições! E espero que ele não se engane!

Freitas Pereira

Marco Oliveira disse...

"Um dos grandes trunfos que o Egipto tem é de ser um país mono-étnico (95% árabe) e sem conflitos religiosos (85% Muçulmanos Sunitas e 15% Cristãos Coptas)."

Isto não é bem verdade. A discriminação de minorias religiosas (não apenas dos coptas) tem estrado presente na sociedade egipcia (http://www.heritage.org/research/reports/2010/11/religious-freedom-in-egypt)

Lembro o caso da não atribuição de Bilhetes de Identidade aos Baha'is. No decorrer dessa crise, houve um membro da Irmandade Muçulmana que apelou a que os Baha'is fossem mortos.

Será que isto não é uma perseguição religiosa?

Marco Oliveira disse...

"Um dos grandes trunfos que o Egipto tem é de ser um país mono-étnico (95% árabe) e sem conflitos religiosos (85% Muçulmanos Sunitas e 15% Cristãos Coptas)."

Isto não é bem verdade. A discriminação de minorias religiosas (não apenas dos coptas) tem estrado presente na sociedade egipcia (http://www.heritage.org/research/reports/2010/11/religious-freedom-in-egypt)

Lembro o caso da não atribuição de Bilhetes de Identidade aos Baha'is. No decorrer dessa crise, houve um membro da Irmandade Muçulmana que apelou a que os Baha'is fossem mortos.

Será que isto não é uma perseguição religiosa?

Defreitas disse...

Permita a minha opinião :

Quando se sabe que 85 % dos egípcios são Sunitas e o resto – 15 %-, Coptas, creio que o problema é mais fácil que o do Bahrain, por exemplo, onde , numa proporção inversa, uma minoria sunita governa uma maioria chiita (como foi no Iraque),o que põe graves problemas aos governantes deste minúsculo Estado.

Actualmente, os chiitas protestam porque não têm acesso às posições elevadas na administração e no business em geral. Como no Ulster, entre os católicos e os protestantes. Ora esta situação não existe no Egipto., graças à posição largamente dominante dos sunitas.

A situação no Bahrain será ainda talvez mais complicada devido à existência duma base americana importante .

Quanto aos Coptas do Egipto, é claro que sofrem discriminações e perseguições , mas esta minoria possui no Congresso Americano um lobby que os protege. A ajuda dos Americanos é sujeita precisamente à condição expressa , entre outras, que o governo egípcio os proteja quando ume minoria muçulmana os ataca.

Creio que devemos apreciar o facto que na sua grande maioria, os egípcios condenaram os atentados contra os Coptas.

A declaração feita recentemente pela Universidade Al-Azhar, do Cairo, para denunciar os actos de violência contra os Coptas do Egipto, é um bom exemplo : “Trata-se de um acto criminoso que nenhuma religião poderá justificar”.

Freitas Pereira

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Sr. Freitas Pereira,

Mais uma vez escreveu um verdadeiro post, com muita informação interessante, especialmente o peso e alcance dos militares na economia egípcia.
Francamente, custa-me a crer que os militares egípcios abram mão de tudo aquilo (poder, dinheiro, status, prestígio e privilégios) que acumularam ao longo de décadas. Resta saber se aquilo de que abdicarem será suficiente para acomodar um estado democrático que não asfixie sob o poder da caserna.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sr. Freitas Pereira:

Esqueci-me de agradecer a sua amabilidade inicial: Obrigado!

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Marco,

Naturalmente que é. E é, obviamente, condenável. Contudo, por muito cru que isto possa soar, a sua representatividade demográfica e o seu peso político não são comparáveis às de outras minorias religiosas ou étnicas no Iraque, Líbano, Bahrein, etc.
Mesmo assim, julgo que desde 2009 as coisas melhoraram um pouco no Egipto relativamente aos Baha'is.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Freitas Pereira,

Subscrevo o que disse no seu 2º comentário e que reforça o que escrevi no post.