01 junho, 2009

Carrossel Nuclear

CARROSSEL NUCLEAR
Kim Jong Il lançando mísseis.
in “The Economist”, 30 May 2009

 
Depois de ter realizado o seu primeiro teste de uma arma nuclear em Outubro de 2006, a Coreia do Norte fez o segundo esta semana. Uma explosão um pouco mais potente que a anterior, indiciando um lento progresso no know-how norte-coreano no caminho para produzir um engenho com uma potência próxima da máxima. Estima-se que a actual tenha sido de 20 a 30 kilotoneladas, estimativa da Rússia.

Antes do teste, em Abril, a Coreia do Norte havia lançado um míssil Taepodong que sobrevoou o Japão e caiu no Pacífico depois de 1300km de voo. Depois do teste, já lançou 5 mísseis de curto alcance da costa nordeste do país. Esta sequência mostra uma tendência de escalada de uma postura agressiva.

Após anos de negociações no âmbito do grupo dos 6 (Coreia do Norte, Coreia do Sul, EUA, Japão, China e Rússia), de múltiplas concessões oferecidas a Pyongyang e de contumácia dos Norte-Coreanos no desrespeito dos acordos, o que fazer?

Há 3 hipóteses:

1- CARROSSEL INTERMINÁVEL - Continuar a fazer o jogo de Kim Jong Il, ou seja, faz-se um acordo, como consequência a Coreia do Norte recebe um conjunto de ajudas (energética, financeira) dos parceiros, especialmente dos EUA e Coreia do Sul e passado algum tempo renega o acordo sob qualquer pretexto e desmultiplica-se em ameaças, concretizadas ou não. Para placar Kim Jong Il, fazem-se novas negociações, novo acordo, novos apoios e passado algum tempo recomeça tudo de novo.


2- INDIFERENÇA E ISOLAMENTO - Realiza-se um acordo, a Coreia do Norte não cumpre, acaba-se o acordo, as negociações e as ajudas. Isola-se e contém-se o vírus da melhor forma possível.

3- RAIDS AÉREOS - Coreia do Norte mantém a sua postura agressiva, continua a desrespeitar as Resoluções do Conselho de Segurança da ONU, testa armas nucleares, lança mísseis e ameaça a vizinhança: então corta-se o mal pela raiz, bombardeia-se as instalações norte-coreanas ligadas à proliferação de WMD e à produção e lançamento de mísseis e resolve-se (este) problema definitivamente.

A primeira eterniza a situação e o regime comunista em Pyongyang. Pior, mantém e com o tempo reforça o seu arsenal nuclear e, com isso, os riscos de proliferação nuclear e de know-how balístico. Além do mais, é uma possibilidade repetidamente tentada e sempre falhada. Excluída.

A segunda é a melhor alternativa. Rompe com o ciclo vicioso actual, sem correr os riscos inerentes à opção bélica. Na prática, colocaria Kim entre o cumprimento e o isolamento que, a ser executado, acabaria por asfixiar o regime. Se a Coreia do Norte reagisse a esta política com a guerra, aí teria de se passar à última opção.

A terceira hipótese é de muito complicada aplicação, numa zona onde confluem interesses e coexistem fisicamente (territorialmente) várias das principais potências mundiais (EUA, Rússia, China e Japão), as sensibilidades são muito grandes e os riscos de escalada são alguns. Não é de excluir, mas deveria ser o último recurso.

É para mim evidente que vamos continuar a girar neste carrossel nuclear. Os esforços diplomáticos têm uma inércia própria das burocracias e tendem a eternizar-se, mesmo sem perspectivas de resultados, como se fossem fins em si próprios. Para dar um processo destes por terminado, é preciso coragem e firmeza e admitir que é uma perda de tempo e, neste caso, funciona como um benefício ao infractor. Mais a mais, com um novo Presidente dos EUA que prometeu falar sobre tudo com todos, não é de crer que rompa com o ciclo vicioso. Quando as coisas correram pior, como de costume culpará as administrações anteriores.

Como o Japão não tem força para fazer mover o comboio e a China e a Rússia estão bem com o statu quo no Nordeste da Ásia, tudo indica que tudo ficará como dantes, com o explosivo Kim Jong Il a fazer impunemente as suas diatribes, até ao dia em vá longe de mais.

4 comentários:

Ricardo Lima disse...

Caro Professor,

Não desespere que Obama veio dos céus para convencer os Norte Coreanos a desarmarem-se e viverem em harmonia com o mundo. E quiçá a embarcarem nas energias renováveis. Enfim, a tornarem-se uns tipos porreiros.


Durante estas ultimas crises tenho reparado numa estranha ironia. A situação habitual são os “rogue states” como a Coreia a berrar as mais utópicas ameaças e a comunidade internacional a, em bom português, “piar baixinho”. Mas nos últimos tempos tenho notado uma subida de tom. O Japão, na ultima crise do míssil, chegou a ameaçar abate-lo se sobrevoasse o seu território (marítimo ou terrestre), o que veio a acontecer. E nada se viu. Os EUA disseram que não admitiam mais nenhum teste de mísseis balísticos e até enviaram para lá o barquito. E desde aí até um novo teste atómico eles fizeram. Parece que a mania de Obama de falar demais e não fazer muito anda a virar moda. E a cooperação nuclear da Coreia (do norte) com o Irão e a Síria é inegável. Logo a tão temida proliferação já se iniciou, ainda que em menor escala. Enfim, pessoalmente duvido que algo mude nesse “carrossel”. A monarquia já anunciou sucessor, Obama tem mais que fazer e os Russos condenam mas aprovam debaixo das mesas de negociação. O meu maior medo é o Japão lançar-se numa corrida ao armamento. Coisa que a própria China não iniciou, mas que pode ser possível ao abrigo da crescente ameaça no extremo-oriente. O Japão foi a primeira e única vítima de um ataque nuclear. Duvido muito que arriscarão repeti-lo.

freitas pereira disse...

Claro que o mundo inteiro ficou estupefacto da pouca importância que a Coreia do Norte deu aos gritos desesperados do Ocidente.

O que me parece grave é que estes loucos de Pyongyang consideram que o facto que a Coreia do Sul tenha sido admitida no seio da PSL (Proliferation Security Initiative) é um acto hostil.

E daí de chamar a atenção para o facto que a Coreia continua em guerra com os Estados Unidos, pois entre eles só existia um armistício. E que 30.000 GI's se encontram nas paragens!

O resultado é que as autoridades mundiais estão no nevoeiro mais denso e não conseguem descobrir o “porquê”, nem imaginar o que pode ser a continuação dos acontecimentos.

Ninguém sabe qual atitude se deve ter para com este Estado. Uma só certeza: A política das negociações do grupo dos seis (China, Japão, Coreia do Sul, Coreia do Norte, Rússia e Estados Unidos) parece ter completamente falhado.

O exército norte coreano é poderoso em efectivos e em material, mesmo obsoleto; sobretudo se eles forem utilizados pelos soldados que são considerados como valentes e corajosos, mesmo fanáticos, capazes de se sacrificarem no primeiro golpe eventual. Eles são chamados os” Prussianos da Ásia” ! Isto é uma referência.

Depois não devemos esquecer que estão a uma distância máxima de 40 km. Recordo que em dias claros, do meu hotel em Séoul via a Coreia do Norte!
Curiosamente, o meu amigo Choi e alguns clientes que conheci na Coreia consideram que eles não têm nada a ver com o assunto, mas sim com os Japoneses e os Americanos !

Mas cuidado: Os Coreanos do Norte podem muito bem pôr a fogo e a sangue todas as grandes cidades do sul,com bombardeamentos clássicos ( dispõem de mais de 10.000 canhões ,sem contar as batarias de mísseis sol-sol);e mais grave ainda, eventualmente com armas químicas e bacteriológicas !

A curto prazo, existe , na minha opinião, um elemento positivo : Os Americanos não detectaram nenhum movimento de tropas que poderiam constituir o preludio a uma acção ofensiva contra o Sul.

E enfim,não creio que nem a China nem a Rússia autorizariam uma guerra naquela região !!! Isto é importante .To follow...

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Ricardo,
Obrigado pelo teu pertinente e irónico comment. Na verdade, a Política Internacional anda muito marcada pelo velho adágio "When the going gets tough... the tough get going!"
O rearmamento do japão seria das melhores coisas que podia acontecer numa região em que o poder dos totalitarismos, especialmente o chinês, está em ascensão. E ajudava (empurrava) os EUA a abrir os olhos.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Caro Sr. Freitas Pereira,

Partilho em absoluto das suas preocupações. O aparelho militar da Coreia do Norte é de respeito. Nunca poderia vencer uma guerra total na Península mas causaria incalculáveis danos. E não tenho dúvidas que, em situação de desespero, Pyongyang would unleash hell on the South!