BATOTA ELEITORAL?
Ao contrário da
gritaria vigente, foi este gesto repetido milhões de vezes no dia 4 de Outubro
que está na origem do derrube do Governo.
in “LEGISLATIVAS 2015”
Muito se tem falado
nas últimas semanas em Portugal de manobras anti-democráticas, ilegítimas
tomadas de poder, subversão dos resultados eleitorais, violação das regras
democráticas vigentes, de golpe palaciano, em suma, de batota eleitoral.
Proponho, por isso,
uma breve viagem pelo tempo e pelo espaço.
1971 – HOLANDA: O Partido Trabalhista
ganhou as eleições com 25% dos votos. Contudo, não obteve a maioria dos
mandatos. O Governo foi formado com base numa coligação formada por 5 partidos
que incluía o 2º mais votado (KVP), o 3º (VVD), o 4º (ARP) do qual saiu o
Primeiro-Ministro Barend Bisheuvel.
1977 – HOLANDA: O Partido Trabalhista
ganhou as eleições com 34% dos votos. Contudo, não obteve a maioria dos
mandatos. O Governo foi entregue a uma coligação CDA (Democrata Cristão) que
ficara em 2º lugar com 32% da votação e o VVD (Liberal), que ficara em 3º com
18% dos votos. O Primeiro-Ministro foi Dries Van Agt, líder do CDA.
1980 – ALEMANHA FEDERAL: O Partido Cristão
Democrata CDU/CSU ganhou as eleições com 45% dos votos. Contudo, não obteve a
maioria dos mandatos. O Governo foi entregue a uma coligação entre os 2º e 3º
partidos, SPD (Social-Democrata) e FDP (Liberal) com 43% e 11% dos votos,
respectivamente.
1991 – SUÉCIA: O Partido Social Democrata ganhou as eleições com 38% dos
votos Contudo, não obteve a maioria dos mandatos. O Governo foi formado com base
numa coligação formada por 4 partidos que incluía o 2º mais votado (Partido
Moderado) com 22%, o 3º (Liberal Popular) com 95, o 4º (Partido do Centro com
8.5% e o 5% (Cristão-Democrata) com 7%. O Primeiro-Ministro foi Carl Bildt do
Partido Moderado.
2011 – DINAMARCA: O Partido Liberal Dinamarquês ganhou as eleições com 27%
dos votos Contudo, não obteve a maioria dos mandatos. O Governo foi formado com
base numa coligação entre o 2º partido mais votado (Social-Democrata) com 25%,
o Partido Social Liberal (4º com 10% e o Partido Socialista (5º com 9%). A
Primeiro-Ministro foi Helle Thorning-Schmidt do Partido Social-Democrata.
2013 – NORUEGA: O Partido Trabalhista ganhou
as eleições com 31% dos votos. Contudo, não obteve a maioria dos mandatos. O Governo
foi formado com base numa coligação de 5 partidos, liderados pelo Partido
Conservador (2º com 27%) e que integra o Partido do Progresso (3º com 16%). A
coligação conta com o apoio parlamentar dos Partidos Democrata-Cristão (4º com
6%) e Liberal (6º com 5%). A Primeiro-Ministro é Ema Solberg do Partido
Conservador.
2015 – DINAMARCA: O Partido Social Democrata ganhou as eleições com 26% dos
votos Contudo, não obteve a maioria dos mandatos. O Governo foi formado com base
numa coligação de 5 partidos, liderados pelo 3º mais votado (Liberais) com 20%,
embora inclua o 2º mais votado (Partido Popular Dinamarquês) com 21%, o 5º
(Aliança Liberal) com 7.5% e ainda os Partidos Conservador e Democrata Cristão
(9º e 10ª). O Primeiro-Ministro é Lars Lokke Rasmussen do Partido Liberal
Dinamarquês.
Temos então um
conjunto de 7 eleições, realizadas em 5 países europeus (Holanda, Alemanha
Federal, Suécia, Dinamarca e Noruega) com altíssimas credenciais democráticas e
com uma prática muito mais extensa do que Portugal. Nestes 7 casos, nestes 5 países, encontramos 7 situações em que o
partido mais votado não conseguiu formar governo, sendo este formado por
coligações que integram outros partidos menos votados. Não consta que em
NENHUM destes países se considerasse estar perante um crime lesa-democracia.
Em todos estes países,
tal como em Portugal, o povo não vota num governo, nem elege um
Primeiro-Ministro. O povo vota em deputados, ou em listas de deputados e elege
um parlamento. Deste, emana um governo que decorre do equilíbrio de forças
parlamentar e, qualquer que seja a sua composição, a sua legitimidade decorre
do seu suporte parlamentar que decorre dos votos dos cidadãos.
Pode gostar-se
ou não do resultado, mas o que aconteceu ontem em S. Bento não foi batota, foi
a democracia em acção de acordo com as leis e as regras instituídas. E também
de acordo com as práticas em muitas democracias europeias, que muitos gostam de
invocar SÓ para algumas matérias.
Negar esta realidade é, isso sim, um
exercício anti-democrático, desestabilizador, próprio de quem julga que o poder é a prerrogativa de alguns
predestinados. Parece que afinal ainda não é
2 comentários:
Perfeitamente.
Cumprimentos
Freitas Pereira
Nem mais! Habituamo-nos a ouvir os nossos governantes estabelecerem comparações com outros Estados, SÓ para justificarem más práticas: X, Y e Z até são piores que nós.
Sei que um dos maiores fracassos a nível curricular escolar se prende com a matemática. Será por isso que o Povo que ganhou as eleições com cerca de 38% se sente injustiçado por não continuar a (des)governar o "outro povinho" que obteve os restantes "míseros" 62% e aos quais "move o apetite pelo poder" (Marco António Costa)?
Estou a reler o "Tratado da Política" de Aristóteles. Não resisti a sublinhar algumas frases tão atuais, apesar do tempo decorrido sobre a escrita da obra: "É impossível que um Estado seja feliz se dele foi banida a honestidade" - pag.44 do CAP V - DA FINALIDADE DO ESTADO. É ainda pertinente a abordagem do autor quanto ao pagamento das dívidas anteriormente contraídas, não pelos cidadãos, mas pelos tiranos que gastaram o dinheiro não tendo por objectivo o bem comum.
Afinal a profissão mais antiga do mundo é a de governante corrupto.
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