MORREU
O REI
O Rei
Abdullah (1924-2015) da Arábia Saudita.
O Rei Abdullah bin Abdul Aziz da Arábia Saudita morreu. Governou
10 anos como monarca (2005-2015) a que se somam outros tantos (1995-2005) em
que foi virtual regente dada a incapacidade
física do Rei Fahd. Abre-se agora o 7º capítulo na História contemporânea da
Casa de Saud enquanto família real da Arábia Saudita desde a moderna criação do
Reino em 1923.
Abdullah governou durante tempos interessantes: 9/11, invasão Anglo-Saxónica do Iraque (2003), programa nuclear
e ascensão do Irão como potência regional mais assertiva, operações da Al-Qaeda
no Reino no início deste século, a dita Primavera Árabe, a instabilidade e a
guerra ao redor do Reino (Egipto, Iémen, Bahrain, Síria, Iraque), a ascensão do
Estado Islâmico e o combate geopolítico com Teerão. A tudo isto pode somar-se
as reverberações internas destes acontecimentos.
Em tempos difíceis, o saldo do Rei Abdullah é globalmente
positivo.
A Arábia Saudita reforçou o seu papel de liderança sobre
uma parte substancial do mundo árabe e do universo sunita, logrando conter ou
eliminar os efeitos tidos como perniciosos da Primavera Árabe. Nesse plano,
sobressaem a intervenção militar de apoio ao regime do Bahrain e o apoio
político, diplomático e económico ao novo regime de inspiração militar liderado
pelo General Abdel El-Sisi no Egipto, onde derrubou a Irmandade Muçulmana.
No primeiro caso, travou a subida da maioria xiita ao
poder e o possível estabelecimento de um testa
de ferro iraniano encostado à
Arábia Saudita. No segundo caso, subtraiu o mais populoso e armado Estado Árabe
a uma entidade hostil (Irmandade Muçulmana) e à influência da Turquia.
Num tempo conturbado, a Arábia Saudita conseguiu congregar à sua volta a maioria dos Estados
que lhe são geopoliticamente importantes: os parceiros do Conselho de
Cooperação do Golfo (GCC), o Egipto e a Jordânia, sendo o Iraque e o Iémen as
excepções. O Iraque foi “perdido” com a invasão de 2003 e a substituição do
regime de Saddam Hussein por outro dominado pela maioria xiita. O Iémen é uma
situação em aberto sendo um palco em que a Arábia Saudita continua a deter
considerável influência. Embora a seita xiita Zaidi detenha actualmente a
maioria das alavancas do poder, a balbúrdia e a desintegração é que são os
factores dominantes.
Os
reinados dos sucessores do Rei fundador da Arábia Saudita, Abdul-Aziz Al-Saud.
Internamente, o Rei Abdullah executou um cuidado exercício de
equilíbrio entre reformas ditas liberalizadoras e a manutenção da arquitectura
política, religiosa e social tradicional do Reino e na qual se sustenta o poder
dos Al-Saud.
A verdade é que, apesar das previsões apocalípticas de
instabilidade, revolta e desagregação, feitas a partir de 2011, a Arábia
Saudita conseguiu manter-se estável e próspera, erradicou o terrorismo interno,
reforçou alguns laços externos e tem aproveitado a guerra na Síria e no Iraque
para colocar pressão sobre o Irão.
O curso do confronto geopolítico com o Irão, a gestão do
enfraquecido relacionamento com os Estados Unidos e a manutenção do statu quo
no Reino e nos seus vizinhos vitais são processos em aberto que continuarão a
constituir os principais desafios da Casa de Saud. Em todos eles, a herança do
Rei Abdullah não é fácil, mas contém as condições para que a Arábia Saudita
prossiga o seu rumo.
* Organização que integra a Arábia Saudita, Emiratos Árabes
Unidos, Kuwait, Oman, Qatar e Bahrain.
6 comentários:
Análise perfeita do ponto de vista geopolítico. Mas a Arábia Saudita resta uma ditadura ignóbil e retrógrada, onde as repressões sangrentas das províncias orientais prosseguem , as punições cruéis e desumanas, homens e mulheres decapitados, os ladrões têm as mãos cortadas, e onde um jovem recebe neste momento dezenas de chicotadas por dia até chegar à conta de 1 000 , pena aplicada por ter discordado publicamente do regime. Esta violência exerce-se à "huis-clos", no silêncio total dos seus aliados, o Ocidente, UE e EUA.
A religião e o petróleo são as armas das quais se serve esta monarquia doutra era para abafar e eliminar toda contestação.
São as riquezas enterradas na areia do deserto da Arábia que fazem deste Estado feudal um "amigo" e aliado de todas as burguesias ocidentais. E é aqui que o Ocidente perde a sua alma. Como é possível combater o jihadismo quando se defende um tal regime. Por caminhos inimagináveis, o dinheiro que financiou os assassinos muçulmanos de Paris, vem deste país e do Qatar.
Esta gerontocracia saudita , duma idade média de 83 anos, que vive num luxo indescritível e uma juventude - 60% da população tem menos de 18 anos - que sabe que não encontrará um trabalho no sector privado, onde 90% dos empregados são estrangeiros.
Esta mesma cumplicidade das burguesias americanas e europeias permitiram, entre outras, a intervenção saudita em Bahrein em 2011 para "calar" os "shitas "manipulados pelo Irão, estes "semi-judeus escondidos", como assim os designava Nayef ben Abdul-Aziz al Saoud, príncipe e ministro do interior, para salvar outra dinastia, os Al Khalifa, no poder desde há séculos.
E que dizer do "carrasco" do Iémen, Ali Abdallah Saleh, no poder há 32 anos, que continua a massacrar a sua própria população, mas que é considerado, ele também, como um "amigo" fiel dos EUA e da UE , na luta contra Al Qaïda.
Nestes países, a vida humana não tem valor.
Para evitar um comentário longo, permita , Caro Professor, que continue com uma "suite":
Que diabo! Estamos no XXI° século. Riyadh, 2011: Ruyati binti Sapubi, Indonésia de 54 anos, acaba de ser decapitada. Em publico. Para tornar a execução mais espectacular, o corpo sem cabeça foi suspenso a um helicoptero que, a baixa altitude, percorreu a cidade, durante longos momentos...
Esta mulher trabalhava como doméstica numa rica família saudita. Ela teria matado o seu patrão em reacção a maus tratamentos recebidos repetidamente.
Claro que no Ocidente não se falou disso. A Arábia Saudita não està inscrita nos cadernos de controlo dos Direitos do Homem e da Democracia. Cuba : Sim! A Arábia Saudita : Não !
Nenhum comentário dos nossos especialistas protectores dos direitos das mulheres. Nem campanhas de televisao com T-shirts, nem gesticulações, resoluções no Parlamento europeu, e outras Boas Consciências.
Normal. O Império e os seus vassalos consideram a Arábia Saudita como um "Aliado" preferido.
Os Saud são um clã de chefes de guerra e de rapina que conquistaram a Arábia com a ajuda dos britânicos, após a queda do Império Otomano.
O que me incomoda é que vivem numa teocracia delirante, o wahhabismo, do qual começamos a sentir os efeitos na Europa.
Mas é um país de sonho para os reaccionários : nenhum média livre, audiovisual, imprensa, edição ou sindicato. Melhor ainda : A Arábia Saudita nunca conheceu uma urna, uma sala de voto. Nem mesmo um partido único ! Inexistente.
Pergunto a mim mesmo se não é um sonho para as nossas castas no poder : a edificação duma plutocracia.
Pobre Ruyati binti Sapubi, paz à tua alma.
O rei morreu , Senhor Rui Miguel Ribeiro? Que os tiranos, manipuladores do sabre, que executam, "mettent en scène" tais ignominias, com os seus cúmplices da Comunidade Internacional, vão para o inferno.
Vais desculpar, Rui, mas este oníssono de hossanas a um ditador brutal é-me repugnante. Lá porque a arábia Saudita "alinha" com o ocidente e é "aliada" dos USA isso não nos pode fazer esquecer o regime ignóbil que lá grassa. Onde se condena alguém a 1.000 chicotadas?!? estou-me bem nas tintas para a geopolítica e para a geoestratégia - é um regime condenável,a todos os títulos, e o facínora do seu líder também.
Sr. Joaquim de Freitas,
Obrigado pelo elogio e pelos dois comentários.
Com mais ou menos pormenor, estou ciente da natureza e das características do regime saudita. Neste post, bem como no que vou publicar já de seguida, não me exprimo sobre a bondade, ou falta dela, do regime dos Al-Saud, mas sim das perspectivas políticas e geopolíticas presentes e futuras da Arábia Saudita.
Faço notar, porém, que regimes totalitários a cometerem barbaridades é o que mais há no Médio Oriente. E não só.
Sr. Joaquim de Freitas,
Em relação aos aliados ocidentais da Arábia Saudita, têm fortes interesses no país, mas também têm um impacto reduzido na sua política interna.
Aliás, os EUA já foram mais próximos de Riyadh do que o sao hoje.
Caro Sérgio,
Tudo bem, mas não se trata de hossanas, mas apenas uma breve análise do seu papel político.
Como já disse noutro comentário, não fiz uma análise valorativa do regime saudita do ponto de vista ético.
Como sabes, no Médio Oriente o que mais há são regimes que praticam atrocidades amiúde.
Contudo, na Geopolítica gerem-se interesses e poderes, goste-se ou não se goste....
Enviar um comentário